terça-feira, 19 de dezembro de 2023

QUADRAS AO DEUS DARÁ

Por Joaquim A. Rocha 



356

 

São João visitou Braga,

Dizem que anda por aí;

Percorreu toda a plaga,

A tasca do velho Gi.

 

357

 

São João gosta das moças,

Namora aqui e acolá;

Vai com elas para as roças

Como se fora Rajá!

 

358

 

São João não tem cabeça,

Gasta todo o dinheirinho;

Não larga a tasca do Beça,

Empanturra-se com vinho.

 

359

 

São João visitou Braga

Nas asas de um condor;

No regresso rogou praga

Por esquecer seu amor.

 

360

 

São João, no mês de Junho,

Vemo-lo sempre por cá;

Vem comprar botões de punho

À loja do senhor Sá. 

 

361

 

São João anda cansado,

Já não dança, nem sorri;

Mas mesmo assim esgotado

Vai visitar a Lili.

 

362

 

São João nunca se cansa,

Brinca, brinca, sem parar;

Mesmo sem música, dança,

Sozinho ou com seu par.

 

363

 

Trepa, trepa, trepadeira,

Por essa árvore arriba;

Assim trepa a saudade

Pela minha alma dorida.

 

364

 

Sou um poeta menor,

Da segunda divisão;

Não sei falar de amor,

Das coisas do coração.

 

365

 

Ai quem me dera saber

Tudo da vida, do fado;

 Ir no tempo, aprender,

Mergulhar no teu passado.

 

366

 

Ai quem me dera, me dera,

Ser judeu, cristão, e mouro,

Ter a força de uma fera,

Do elefante, do touro.

 

367

 

Ai quem me dera, me dera,

Ser padre, frade, ou monge;

Viver com a primavera,

Ter sempre o inverno longe.

 

368

 

Fui visitar o Alentejo

Em meados deste ano;

Só estrangeiros eu vejo,

No torrão alentejano!

 

369

 

Fui a Fátima a pé,

Pra cumprir uma promessa;

Vim de lá sem alma e fé,

Sem energia e sem peça!

 

370

 

Uma gaivota voava, 

Em Janeiro, ao luar;

Como ela, também eu voo,

Abraçado ao meu par. 

 

371

 

São João serviu à mesa

Num restaurante de Nisa;

Um cozido à portuguesa

E bacalhau à narcisa.

 

372

 

Liberdade, liberdade,

Quem a tem chama-lhe sua;

Eu só tenho liberdade

De escrever versos à lua.

 

373

 

Não pensava no destino

Até ao dia em que o vi;

Tem feições de um menino,

Mas dentes de javali.

 

374

 

O destino ignorou-me

Durante anos e anos;

Mas um dia encontrou-me,

Paguei com juros enganos.

 

375

 

Ninguém foge ao destino,

Poucos o podem fintar;

Ora se mostra benigno,

Ora uma fera do mar!

 

376

 

Quando eu era pequenino

Pensava ser muito esperto;

Mas o raio do destino

Tornou-me um pobre roberto!

 

377

 

Eu nunca vou a concursos

Para evitar as maleitas;

Quem concorre são os ursos

Com mil quadras mal feitas.

 

378

 

Eu já sei que São João

Não gosta do que eu escrevo;

São versos sem emoção,

A muito mais não me atrevo.

 

379

 

As ondas do mar vão altas,

Rugem como o leão;

Mostram-se à luz da ribalta,

Têm a força de Sansão!

 

380

 

As ondas do mar vão calmas,

Dormem um sono profundo;

Apaziguam as almas,

Os tormentos deste mundo. 

 

381

 

O Adão comeu maçã,

O Cavaco bolo-rei;

Levanto-me de manhã

O que comer eu não sei!

 

382

 

O Adão sonhou com Eva,

O Aníbal com Maria;

Eu sonho com a Minerva

Em uma noite de folia.

 

383

 

Já me chamaram Mesquita,

Senhor Costa e Abreu;

Fui padrinho de Ana Rita,

Mas continuo a ser eu.

 

384

 

No hospital fui urgente,

No mar alto navegante;

Na vida fui paciente,

Na guerra fui um mutante.

 

385

 

Olho a vida de frente,

Como o forcado o touro;

Mas destino, de repente,

Rouba-me a paz e o ouro.

 

386

 

São João veio ao Minho

Em busca do bom presunto;

Bebeu tigelas de vinho,

E batizou um defunto.

 

387

 

São João chamou-me tolo

Por não ter religião;

Dei-lhe vinho, comeu bolo,

Chamou-me logo irmão.

 

388

 

Eu não sou enciclopédia,

Não tenho todo o saber;

Tudo em mim é comédia,

O que faço é por lazer. 


// continua...

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