QUADRAS AO DEUS DARÁ
Por Joaquim A. Rocha
289
Em
Melgaço fui artista,
Em
Lisboa fui bancário,
Na
Guiné fui saudosista,
E
em Braga refratário!
290
Como
bifes de vitela,
De
frango e de peru;
Os
olhos da Cinderela,
Belos
peitos da Lulu.
291
Tenho
a próstata enorme
Maior
do que o tubarão;
É
horrenda, mui disforme,
Com
focinho de furão.
292
Quem
eu quero não me quer,
E
quem me quer eu não quero;
Faça
a gente o que fizer,
O zero é sempre zero!
293
Dizem
que o tabaco mata,
Mas
não deixam de fumar;
Neste
mundo psicopata,
Ninguém
liga ao bem-estar.
294
Quando
Cristo ao céu chegou
Disse,
chorando, aos pais:
«Para a Terra eu não vou:
Nunca, nunca, nunca mais!»
295
Quando
Cristo chegou ao céu,
Encontrou-o
mui vazio.
Foram
todos prò inferno,
Pois
no céu estava frio.
296
Apostei
num bom cavalo,
E
no valente preboste.
Diz-me
o velho do Restelo:
«Meu amigo, não aposte!»
297
Não
te quero ver ao longe,
Nem
te quero ver ao perto;
Fizeste-me
um dia rir,
És
palhaço, és roberto.
298
A
piza do Alexandre
É
maior do que um pneu;
Enche
a mesa – é tão grande!
Só
não enche o papo meu.
299
«Se eu penso, logo existo»;
Dizia
um sábio outrora.
Pois
eu existo e não penso,
Vou
andando estrada fora.
300
Acaba
tudo na vida:
Alegria,
a ilusão…
Só
não acaba vencida,
A
maldita corrupção!
301
Tinha
sete fios de ouro,
Três
de prata e platina;
Vendi
esse meu tesouro,
Comprei
uma carabina.
302
Não
queiras deitar foguetes
Antes
de a festa acabar;
Nunca
estendas os tapetes
Sem
a visita chegar.
303
Sou
um velho cangaceiro,
Passo
a vida a roubar;
Um
dia furtei-te a alma
Para
comigo casar.
304
«Adeus que te vais embora,
Adeus que te embora vais»;
Chegou
por fim tua hora,
Não
te quiseram cá mais!
305
- «Ó minha mãe vou ao eido,
Já lá deve estar Maria.»
-
«Ó meu filho, eu te peido,
Vem antes do meio-dia.»
306
-
«Vem antes do meio-dia,
Antes que teu padre volte.»
-
«Ó minha mãe, eu virei,
Tenho medo que me açoute.»
307
Cevide
é a minha terra,
O
lugar onde eu nasci;
Fica
entre rios, a serra,
Entre
danos que sofri.
308
Ai,
quem me dera viver,
Para
sempre, eternamente;
Sem
doenças, sem sofrer,
Num
bom corpo, sã a mente.
309
É
“peniquinho do céu”
Esta
Braga bem minhota.
-
Ó São Pedro, és sandeu,
Ou
tens a bexiga rota.
310
O
Aleixo é famoso
Por
quadras escrever;
Eu,
que as escrevo por gozo,
Nenhuma
fama irei ter.
311
Pedi
a António Aleixo
Que
me desse inspiração.
-
«N’Este Livro Que Vos Deixo»
Há
lições até mais não.
312
Não
peço nada a ninguém,
O
que me dão, eu mereço;
O
pedir nunca fez bem,
Aprendi
isso no berço.
313
Quando
eu era pequenino
Andava
descalço e roto;
Comi
cebola, pepino,
E
também folhas de loto.
314
Apesar
de pobrezinho
Nunca
roubei, isso nunca;
Comi
pão e bebi vinho,
Morava
na espelunca.
315
Se
queres minha amizade,
Nunca
me peças dinheiro;
Vai
pedir ao sor abade,
Que
o ganha o ano inteiro.
316
O
padre da minha aldeia
É
um tipo bem castiço;
Ao
jantar chama-lhe ceia,
Ao
paio chama chouriço!
317
O
padre da minha terra
Adora
o mulherio;
Leva-as
a todas prà serra
Pra
lhes amainar o cio.
318
O
padre da freguesia
É
um perfeito atleta;
Corre
de noite e de dia
Montado
na bicicleta.
319
O
padre Aníbal, coitado,
Estava
velho pra isso.
Só
falava do passado,
Do
presunto e do chouriço.
320
Gostava
de ir caçar,
Com
a velha caçadeira;
Atirava
a uma lebre,
Matava
uma varejeira.
321
Gostava
de ir caçar,
Com
uma velha pistola;
Atirava
à codorniz,
Matava
uma galinhola.
322
Ai
quem me dera voltar
Àquela
infância perdida;
Gozar
à noite o luar,
Dar
ao sol a minha vida.
323
Amália
morreu chorando,
A
pensar nos portugueses;
Vivera
sempre cantando,
Muitos
fados, entremezes.
324
Eu
digo canté, canté,
Como
disse Pirilau;
O
João diz-nos olé!
A Marisa diz xau-xau!
325
Eu
faço quadras soltas
Sem
constrangimento ou medos;
Parecem
ondas revoltas
Batendo
contra rochedos.
// continua...
Sem comentários:
Enviar um comentário