FERREIRA DA SILVA
(Bracarense por nascimento, melgacense pelo coração)
// continuação de 20/04/2023.
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1511,
de 10/5/1964: «NO RESCALDO DAS FESTAS. // Terminaram sem incidentes ou
aborrecimentos imprevistos as festas do concelho, realizadas em honra de Nossa
Senhora da Orada, padroeira de Melgaço. Tanto as festividades religiosas, como
as profanas, revestiram-se de extraordinário brilhantismo e ordem
irrepreensível que deixaram a todos os assistentes, forasteiros ou não, a
melhor das impressões. Pena foi que a inconstância do tempo, deste maio
florido, um tanto agreste e chuvoso, não convidasse a população das freguesias
a demorarem a sua estadia na vila, gozando as iluminações, apreciando os
concertos das bandas de música e o fogo-de-artifício, queimado no final de cada
dia em que se desdobrou o programa das festas. Sobretudo ao fim das tardes e
entrada das noites, um vento sul desagradável e frio, com precipitação de
aguaceiros e chuviscos intervalados, desanimou a gente das freguesias mais
distantes, convidando-a a prematuro recolher a penates, destruindo as
esperanças e previsões do comércio dos Cafés e Casas de Pasto. O programa dos
festejos foi pontual e rigorosamente cumprido e todos os números executados com
beleza, brilhantismo e alguns até com imponência. Salientaremos a ordem, o
respeito e a organização impecável da majestosa procissão, com elevado número
de lindos figurantes vestidos a primor e enorme acompanhamento; as feéricas
iluminações, especialmente do túnel da Rua Nova de Melo; o concurso pecuário e
o festival noturno que culminou na cascata luminosa precipitada das ameias da
velha torre de menagem. A Comissão organizadora está de parabéns e bem merece
os agradecimentos de Melgaço que, em um gesto de justiça e de apreço o
reconduziu, para no próximo ano assumir o pesado e fatigante encargo de
promover e continuar esta festa tradicional, que os verdadeiros melgacenses com
o maior desgosto viam desaparecer de ano para ano. Não exageramos ao afirmar que
ao dinamismo e bairrismo de um grupo de moços bem-intencionados e esforçados se
deve a ressurreição da esquecida festa da Ascensão a maior do concelho e aquela
que reúne as suas melhores tradições. Porém, é preciso continuar sem
desfalecimentos, com afinco e firmeza de ânimo. Esta festa caída no
esquecimento, e praticamente adormecida em sono letárgico, durante mais de duas
décadas, acaba de ressuscitar mas, para atingir um motivo de atração e de
interesse geral, necessita de continuação em anos sucessivos, cada vez com mais
brilhantismo e ativa propaganda. No intuito, com o único propósito de sugerir à
Comissão Organizadora da Festa do próximo ano algumas ideias e lhe dar modesta
achega, lembramos que deveria iniciar desde já os seus trabalhos: no aspeto
financeiro, criando vinhetas alegóricas, género selo, de pequenas taxas que
seriam coladas pelos comerciantes nas faturas das vendas a prazo e nas embalagens
dos artigos vendidos a dinheiro, cujas importâncias seriam cobradas mensalmente
pelo tesoureiro; explorar, sempre que possível, e oportunamente, bailes e
outras diversões recreativas, tômbolas, quermesses, etc.; solicitar da Câmara a
criação de uma pequena taxa sobre certos consumos controláveis, em ordem à
formação de um subsídio substancial destinado à festa. No âmbito da organização,
parece-nos da maior conveniência dividir e executar em separado a festa: [isto
é], no campo religioso, e profano; de modo a que uma não prejudique a outra. A
festa religiosa seria programada para a véspera e dia santificado, começando
pela habitual procissão das velas na véspera, e no dia imediato pelos atos
litúrgicos na Igreja Matriz, com missa a grande instrumental, sermão por
afamado pregador e procissão com grande e escolhido figurado. Nos dias
seguintes começariam as festas profanas, com a abertura da feira franca, exposição
de máquinas e produtos agrícolas, concurso pecuário, gincana de automóveis,
tiro aos pombos ou aos pratos, e outras tidas por produtivas e úteis; no sábado,
grande festival noturno com fogo-de-artifício, concertos musicais, iluminações,
etc. // O encerramento das Festas poder-se-ia realizar no domingo de manhã
depois da missa, com a recondução da Nossa Senhora da Orada à sua capela
privativa e adeus à Virgem pela população que a este piedoso ato possa
assistir. Reputamos de grande interesse que as festas profanas se celebrem no
fim da semana, em ordem a facilitar e convidar a afluência de forasteiros,
previamente atraídos por uma propaganda inteligente e ativa, nas estações da
rádio Vigo e das emissoras nacional e regionais. Se a Comissão Organizadora
mostrar interesse por estas sugestões não teremos dúvida em desenvolver e
indicar concretamente as soluções que se nos afiguram viáveis e possíveis para
o efeito.» // F.S.
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1512, de 24/5/1964: «A ARTE E OS ARTISTAS.
// Defendeu-se durante muito tempo a ideia de que a arte é essencialmente
aristocrática, cultivada apenas pela chamada gente de escol. Desta forma,
vulgarizar e democratizar a arte seria um empreendimento absurdo até porque,
quando não reclame o génio ou um entendimento superior, necessita de uma cultura
excecional ou, pelo menos, bastante elevada. Parece que sendo a arte uma coisa
humana, como a religião e outras formas de ideal, o gosto, o sentido da beleza,
a revelação do belo e os impulsos do idealismo, são dotes constituintes do
homem e, portanto, assimiláveis pela verdadeira educação popular. É pura
heresia e ímpia blasfémia limitar a educação do povo a noções práticas e
positivas sobre tudo que se destina a deter a inteligência e os braços para a
jornada da vida material sem levantar os olhos para as regiões elevadas e
luminosas que exaltam a imaginação. Segundo Pecaut e Baure a arte é tudo quanto
o homem faz de belo, só pelo prazer de fazer uma bela coisa. Não constitui
monopólio de uma classe, ou dos melhores preparados cultural ou economicamente,
mas sim e unicamente apanágio do homem bafejado pelo alor entusiástico dos
puros júbilos da imaginação. Falar em arte é dizer música, poesia, arquitetura,
escultura, pintura… E se a revelação da arte pode constituir dote e qualidade
ingénita do artista, a compreensão e apreciação da beleza da sua obra é fruto
de estudo e da educação do homem. Desdobrando o filme das obras da antiguidade
até aos nossos dias, desde a ideia da escravidão que os egípcios revelam à
harmonia civilizadora dos gregos com as suas três ordens, dórica, jónica, e
coríntia e esculturas, à intensidade extrema da vida romana e ao cunho
inconfundível da arte bizantina, o nascimento na idade média da época gótica,
filha do cristianismo, o surto renascentista que reconduziu a arte à natureza e
a expansão empolgante da arte contemporânea, de forte inspiração guerreira ou
de serena paz campestre, verificamos que milhares de artistas filhos do povo,
filhos de camponeses e operários consagraram à arte toda a sua vida e lhe
sacrificaram prodígios de energia, de sacrifícios e de heroísmo. O povo não é só trabalho rude; é, também, expressão de
inteligência e de exaltado idealismo. Aqui mesmo, em Melgaço, temos exemplos,
muito valiosos da democratização da arte e da sua ostentação por homens filhos do
povo, cheios de talento e vocação artística. Vão passados poucos dias e revemos
ainda, na nossa retina, o andor em folha-de-Flandres em que foi entronizada a
imagem da Virgem de Fátima, trabalho de grande inspiração e beleza, concebido e
realizado por Raul Ferreira Cardoso (Cataluna), transportado por quatro
esbeltos rapazes na majestosa procissão que percorreu a vila na quinta-feira da
Ascensão. A conceção e a decoração do lindo trono, o seu picotado, colunatas,
remates e sobrecéu, os varões de transporte e tudo o mais, é obra admirável que
muito honra o artista, cujo nascimento não mergulha em raízes aristocráticas
nem recebeu a luz da claridade ensolarada da instrução e de cuidados
educacionais.
Outro exemplo que muito admiramos e que prende a nossa atenção é
revelado pela beleza, a graça e a distinção da talha de Abel Rodrigues
(Barrenhas), outro artista melgacense (*) de grande sensibilidade e sentimento
profundo, na interpretação viril do gótico e da delicadeza de alma do
manuelino, que nos faz lembrar a paz ancestral dos conventos (*) cristãos. Nos
lindos altares saídos das suas mãos inspiradas, em que o arco pleno de abóbada
românico é substituído por ogivas e janelas ogivais de estilos primários,
radiantes ou fulgurantes e colunatas em que predominam ricos e múltiplos ornamentos.
Conhece-se nos seus admiráveis trabalhos de talha que a fé do artista é
verdadeira e profunda; lembram-nos as capelas votivas anichadas em escuras
abóbadas laterais, nas profundezas misteriosas dos templos erigidos em
homenagem de gratidão a Deus, que poupou a vida dos homens. É uma arte toda
interior, voltada para dentro da alma, preocupada só com a expressão do que se
passa no seu íntimo: dor, esperança, súplica, voo para Deus…
Com o desaparecimento destes artistas a arte religiosa morrerá em
Melgaço?! // Não seria uma ideia a defender a criação de uma escola de artes e
ofícios enquanto são vivos estes últimos abencerragens da arte melgacense,
capazes de nela exercerem funções docentes e preparando sucessores?! //
F.S.
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1513, de 31/5/1964: «MELGAÇO AGRÍCOLA. // Lemos algures que a agricultura no nosso país é um sector deprimido. Pior, muito pior do que nas outras regiões, a parte acidentada do nosso país na qual se compreende o concelho de Melgaço, a agricultura constitui um grave problema praticamente insolúvel. O nosso meio rural está submetido a um depauperamento de incalculável extensão, resultante da própria orografia do terreno em fortes declives sustentados por verdadeiras muralhas de apoio, brasonadas pelo sangue e pelo suor do trabalho do homem. A terra arável, reduzida a parcelas pequenas, de superfície ínfima, talhada em rampa na lomba das montanhas, dificilmente sustentam o húmus produtivo, implacavelmente arrastado pela erosão provocada por agentes dinâmicos externos, mormente pela ação das águas para as correntes fluviais que lhes roubam a seiva e desgastam, progressivamente, as respetivas estruturas. Desta forma, o dispêndio dos adubos orgânicos, de curral, de nitreiras ou químicos, são levados pelos regatos aos rios, e pelos rios ao mar, onde se transformam em plâncton e abastecem, generosamente, a mesa de banquete dos peixes; com a matéria orgânica vai a parte suculenta da terra arrastada por agentes físicos, em uma tendência cada vez mais destrutiva e indomável, de reduzir o solo às partículas areentas do granito transformando no que chamamos saibro, onde as plantas se estiolam e morrem por falta de alimento. Aditemos à pobreza da terra falha de matéria orgânica, a carestia dos adubos, dos produtos fungicidas e inseticidas e, sobretudo, a falta de braços resultante do êxodo crescente e incontestável dos emigrantes, e teremos as causas reais do depauperamento do nosso meio rural. Por isto, a agricultura que sempre foi uma fonte de segurança social, de estabilidade económica, e “salvaguarda dos valores morais e de permanência das virtudes da grei”, constitui um sector deprimido relativamente aos restantes sectores da atividade económica: quer se trate do índice de produtividade de mão-de-obra ou de nível de vida das populações rurais. Enquanto não forem modificadas as formas de cultura tradicionais, substituindo-as por outras mais compensadoras, a nossa agricultura continuará a ser “a arte de empobrecer alegremente.” Tendo em vista o volume das nascentes e a precipitação de águas na nossa região, a cultura do linho e das pastagens a par do arvoredo, seriam naturalmente as indicadas, não falando na vinha, em certas manchas apropriadas ao cultivo de boas castas regionais e outras, adequadas à produção de bons vinhos, brancos e tintos. Para tanto, seria necessário a escolha de boas raças de gado leiteiro e de abate, instalado em vacarias higiénicas, construídas em obediência a regras já estudadas e experimentadas, a industrialização dos produtos lácteos e a instituição de adegas regionais, em regime cooperativo. A exploração das modalidades de cultivo referidas está condenada a estrondoso fracasso, não só por falta de disciplina do agricultor, da relutância pelos recomendados métodos de cultura e da insuficiência de capitais para realizar uma obra cujo custo de industrialização e comercialização dos produtos é muito cara. Na zona mais montanhosa a cultura da batata, a criação de gado ovino e suíno, e a preparação e comercialização das carnes, parece-nos a mais indicada. Da forma como se processa, a lavoura não assegura qualquer margem de lucro aos agricultores e o campo despovoa-se, em marcha acelerada, com rumo ao urbanismo e à miragem sedutora do êxodo para as terras do meio-dia, pujantes de seiva, de cultura mecânica, de intensa comercialização, de aproveitamento racional, de métodos científicos e de acesso às empresas industriais de transformação. As nossas explorações agrícolas, muito pequenas e fragmentadas, não permitem as modernas técnicas de cultivo e, consequentemente, uma rendibilidade aceitável, capaz de prender à terra as populações rurais, desviando-as da procura em terra alheia dos francos que, com menos esforço físico, lhes assegura, e aos seus, uma vida mais fácil e próspera.» // F.S.
Lê-se
no Notícias de Melgaço n.º 1514, de 7/6/1964: «TURISMO REGIONAL. // Não é
segredo para ninguém que o turismo desempenha uma elevada função na recuperação
económica e financeira europeia e se em certos casos adquire foros de indústria
chave no geral é fator de inegável prosperidade pelo que representa em
abundância na entrada de divisas. Vários são os países que devem à avalanche
turística a sua prosperidade atual e que amortizaram os seus empréstimos
externos com as receitas provenientes do turismo. Entre nós o turismo tem
desempenhado um fator importante para o equilíbrio da balança de pagamentos,
lançando as suas receitas invisíveis no custo do esforço industrial a que vimos
assistindo nestes últimos anos. Para se aquilatar do valor, dimensão económica
da movimentação demográfica dos nossos visitantes, basta atentar nos números
mencionados por Sua Excelência o Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do
Conselho: quinhentas e vinte mil entradas de estrangeiros com a permanência
média no nosso país de quatro dias e um total de receita da ordem dos
seiscentos mil contos! Não devemos ignorar que pouco ou quase nada temos feito
para o desenvolvimento do turismo no nosso território; falta-nos uma rede de
hotéis dotados de todo o conforto moderno, um sistema de transportes
satisfatório e atrações turísticas, tanto do ponto de vista etnográfico como do
acesso e propaganda dos nossos monumentos, coleções artísticas e do folclore
nacional. Dando relevo à carência de alguns aspetos da nossa impreparação para
receber os que visitam o nosso país, atraídos pela amenidade do clima, da
extensão da orla marítima, das excelentes praias oceânicas, da originalidade
dos costumes e das panorâmicas extraordinárias que extasiam o espírito e
prendem de admiração os mais exigentes, queremos acentuar que o crescente nível
de vida dos habitantes dos países ricos, industrializados e mais desenvolvidos
economicamente, que permitem férias pagas aos trabalhadores, converteu os
turistas num fenómeno sociológico que deve ser considerado na sua justa medida,
ao programarmos as normas orientadoras da política turística. Há necessidade
imediata da organização de agências turísticas, tendentes a desviar as correntes
de viajantes para o nosso país, facilitando-lhes informações precisas,
plaquetes atraentes de tudo que é nosso e merece ser apreciado e defendendo os
da especulação por via de uma cuidadosa revisão dos preços do que lhes vendemos
ou lhes cobramos a título de serviços prestados, evitando a vergonhosa
curiosidade indígena e a falta de atenções, de respeito e de consideração de
que tantas vezes são alvo. As agências centrais encaminhariam o turista desde o
incitamento dos pedidos de viagem às facilidades de entrada e trânsito no nosso
país, sua estadia, cuidados, atenções, informação detalhada quanto a
alimentação, albergaria e aluguer de casa nas praias, e tudo o mais capaz de
proporcionar férias agradáveis e a preços justos aos que escolhem Portugal insular,
continental e ultramarino para as suas digressões anuais. Nas sedes dos
distritos e dos concelhos deveriam estabelecer-se casas de turismo destinadas a
prestar, com o maior escrúpulo, todas as informações úteis, a organizar
roteiros, chamar a atenção para os monumentos artísticos e históricos, museus,
coleções de objetos de cerâmica e outros de caráter regional, antigos e
modernos, e enfim, de tudo quanto pareça digno de ser mostrado e admirado. Nisto
consiste em parte uma das caraterísticas mais importantes da infraestrutura do
turismo regional. As comissões de turismo a organizar nas terras que as mereçam
e devam ser visitadas pala sua originalidade e pontos de vista notáveis têm uma
obra difícil e vastíssima a realizar: coleções de fotografias bem escolhidas
dos monumentos, panorâmicas e aspetos da vila dignos de admiração, em postais
ilustrados; a fiscalização do arranjo das localidades e intervenção junto da
Câmara em ordem a manter o seu asseio e conservação; a vigilância de tudo
quanto respeita à higiene e limpeza, sobretudo dos locais a visitar, e a
reclamação de medidas adequadas às entidades da administração e da saúde
pública: a verificação das ementas, asseio das salas de jantar, dos produtos
confecionados e dos preços das refeições servidas, etc. // Na nossa terra não
poderemos fazer turismo sem a construção de uma pousada sob os auspícios do
SNI, que poderia elevar-se no castelo de Sante, [freguesia de Paderne], uma
casa de chã em condições recomendáveis e hospedarias e estalagens limpas e
arejadas para serviço de pratos regionais e de pernoita. O turismo regional não
é uma instituição destinada a explorar comercialmente o freguês; é, antes do
mais, uma organização perfeita, impecável e atraente, onde o cliente esteja à
vontade e a seu gosto, sem motivos para aborrecimentos e sem suspeitar de ser
vítima de torpes especulações.» // F.S.
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1515, de
14/6/1964: «SANTOS POPULARES. // Após o
feio cariz do frio e chuvoso mês de Maio, do tal Maio florido em que as flores
murcharam enregeladas por uma temperatura polar e as cerejas se comeram ao
borralho, sucedeu este lindo Junho de noites frescas mas pleno de claridade,
aquecido durante os dias por um sol aliciante e vivificador. Parece que as coordenadas
geográficas e as linhas climáticas do ano em curso se quebraram,
fragorosamente, de encontro à barreira deste mês abençoado separando,
nitidamente em estações distintas o passado, com termo em Maio, do futuro, com
início em Junho! E porque não deveria ser assim?! // Sem estudos aprofundados,
o fenómeno não exige a reunião de elementos sobre o movimento de massas de ar e
formação de anticiclones para se interpretar e compreender; explica-o a
circunstância de Junho ser o mês consagrado a adoração e festividades em honra
do triunvirato dos santos populares que dão pelos nomes de António, João e
Pedro. Os santos precursores e taumaturgos perderiam prestígio e fama nas
massas populares se não proporcionassem aos seus devotados fiéis os favores de
um tempo radioso nos dias das suas respetivas consagrações. Os agentes físicos
que explicam e regulam os fenómenos atmosféricos cedem a sua ação e poder a
misteriosas forças sobrenaturais, timonadas no cosmos pelos simpáticos e
populares triúnviros. Já passou o dia treze consagrado a Santo António, que foi
guerreiro ilustre e endiabrado monge, terror das moçoilas e dos seus cântaros
de barro, quando procuravam nas fontes a água para os arranjos domésticos. Por
todo o país se multiplicaram minúsculos e singelos altares, elevados ao acaso
nos recantos, nos portais, nas praças e nos jardins pela criançada e mocidade
foliona que, sob a invocação do santo brincalhão organizaram descantes,
bailaricos e alegres divertimentos, animados por pequenas e artísticas peças de
fogo-de-artifício, foguetes de três estalos e bichas de rabiar… Mais integrados
nos costumes e tradições populares e animadas foram as invocações realizadas na
capital, onde poderíamos admirar orgulhosos e bonitos tronos com o seu
padroeiro e festivas iluminações locais, fogos, marchas luminosas e bailaricos
até alta madrugada. Na nossa terra também se festejou, no atual mercado, uma
consagração alusiva ao santo folião, com animado bailarico, mesmo à beira,
muito pertinho dos consagrados e afamados Santo António da Misericórdia e da
Igreja Matriz, herdeiros presuntivos dos lacões e dos fumeiros da vila e…
paredes meias com outro santo, de carne e osso, da hagiologia melgacense – o
Augusto Santo Antoninho Durães. // Segue-se agora o dia de outro grande santo
popular – São João – consagrado em todo o país com grande euforia e opulência
regional, desde os mercados lisboetas às Fontainhas portuenses e ao São João da
Ponte, da velha cidade dos arcebispos – a Bracara Augusta dos romanos – que,
desde recuados tempos contemporâneos do arcebispo D. José de Bragança, filho de
D. Pedro II, se festeja na cidade com extraordinário brilho e folia noturna. O
caráter popular do culto Joanino, cuja filiação nos antigos cultos siderais é
denunciada pelo solstício de verão, justifica a vibração jubilosa das
fogueiras, promessas, bailaricos e cantares, em manifestações inéditas e
ruidosas desde as primeiras idades. Recordamos a quadra: “O carnaval em Veneza
/ A semana santa em Sevilha / O São João em toda a parte / Mas é Braga quem mais
brilha.” // Para concluir teremos a consagração do último triúnviro – São
Pedro, no dia 29 deste mês [de Junho], também com iluminações feéricas,
artísticos fogos-de-artifício, descantes e festejos populares por esse país
além. Quem não admirou ainda o extraordinário painel de Tarouca do Apóstolo e
do sumptuoso quadro do Grão Vasco de Viseu, figurando o 1.º Pontífice da
Igreja? O pescador que foi do lago de Tiberíades (*) até Roma guiado pela luz
interior?! // Lemos que a Igreja facilita o casamento em série dos pares que o
desejem, nos dias consagrados à adoração dos três santos populares. Bem-haja.
Talvez essa boa medida contribua para a legalidade do nascimento de muitos
inocentes, filhos de mães que no ano anterior gozaram em alegres folguedos as
orvalhadas das noites festivas dos santos populares.» // F.S. /// (*) Este nome está relacionado com Tibério, imperador romano; o
lago, ou mar da Galileia, situa-se ao norte de Israel.
*
Lê-se
no Notícias de Melgaço n.º 1516, de 21/6/1964: «A QUEM COMPETE. // Estamos em
plena estação calmosa, visto que entramos no solstício do verão e afluem às
nossas termas os doentes que para os seus males físicos procuram alívio nas
virtudes terapêuticas das águas mineromedicinais da estância do Peso. A presença
de doentes – diabéticos, hepáticos renais, vesiculares, e de certas vísceras,
na estância do Peso é motivo de visitas mais ou menos frequentes ou numerosas
dos seus familiares e amigos; outras visitam afluem à nossa terra em curta
digressão dos fins-de-semana, em passeios turísticos ou simples admiração da
verde paisagem da nossa encantadora região.
O Minho sempre foi considerado a província mais garrida, de mais vivas
cores e de maior atração turística do país, não só pelos horizontes luminosos e
pelas manchas ricas de cor da sua admirável paisagem mas, também, pelos seus
valiosos e belos monumentos religiosos e profanos, pela sua etnografia, pela
rede das bacias hidrográficas, do seu aproveitamento hidroelétrico, e correspondentes
albufeiras e embalses lacustres, pela profusão das suas estâncias de repouso e
de águas mineromedicinais, pela extensão da sua orla marítima com lindas e
excelentes praias e pinhais. Por esta razão, é a nossa província a mais
visitada por excursões de toda a parte, nacionais e estrangeiras, de
estudiosos, admiradores do belo, apreciadores da sua magnífica cozinha
regional, dos afamados e frescos vinhos verdes, das romarias, arraiais e
festividades aos santos padroeiros e dos oragos venerados nas igrejas, ermidas
e capelinhas que se situam no alto dos seus relevos orográficos num
interminável e autêntico rosário de oferendas e de fé. É evidente que nesta
peregrinação da polícroma paisagem minhota a montanha ocupa um lugar de
destaque, pela sua solenidade e grandeza, e as chamadas terras altas constituem
grande atração pelo seu conjunto serra-planície, de dilatados e alacres horizontes
pujantes de luz e de cor. // Melgaço, sendo a sentinela do Alto Minho e linha
divisória de várias províncias galegas, com monumentos admiráveis, ricos de
história e de motivos de arte e arquitetónicos, de miradouros de sonho,
deslumbrantes de beleza e de tons variados, com mananciais de águas potáveis de
pureza, frescura e paladar divinos e mineromedicinais de efeito garantido e
notório, terra de pitéus inigualáveis, e de verdasco capitoso e refrescante,
está dentro da escala obrigatória das peregrinações aos santuários e locais
aprazíveis da nossa província, a mais atraente e alegre de Portugal. // Sendo
assim, após a visita à estância do Peso, um dos pontos de paragem obrigatória é
a Vila, as muralhas do castelo, torre de menagem e monumentos periféricos –
Convento, Pastoriza, São Julião, Orada, etc. // Neste primeiro contacto com a
terra de Santa Maria os visitantes começam por afastar-se aterrorizados, dos
traiçoeiros precipícios que se lhes deparam na Calçada, logo à entrada norte da
Vila – formados pelos alçapões ou bocas das tolas de rega, sem vedação,
criminosamente alargadas, como se ali fossem postas propositadamente para dar
trabalho aos ortopedistas, na cura das ruturas gambiais dos desprevenidos
passeantes… // Os pavimentos das ruas, junto das tais ratoeiras, em pleno Largo
e na Rua do Rio do Porto, por motivo de quaisquer obras, por ventura
necessárias, efetuadas pelos serviços do CTT, camarários ou particulares,
apresentam altos e baixos que a torrente das águas mais acentuam,
assemelhando-se a uma pista de montanha russa em feira popular! // A sala de
visitas, que é a Praça da República, continua a suportar o vandalismo dos que
impropriamente se dizem melgacenses, que - por maldade, barbarismo e estupidez
- partem as travessas dos bancos e cavam no sol sulcos e buracos sem razão ou
motivo aparente! A dominar esta linda praça divisam-se o edifício esventrado da
antiga escola Conde Ferreira e o sanitário do Jardim do Cardoso, dois
testemunhos vivos do desinteresse dos detentores dos selos da administração. O
que está a passar-se na vila em matéria de cuidado, de limpeza, de asseio, de
fiscalização e de conservação do que é nosso e não de quem manda, é
simplesmente vergonhoso e contra semelhante incúria não nos calaremos.» // F.S.
*
Lê-se
no Notícias de Melgaço n.º 1517, de 28/6/1964: «SILÊNCIO LETAL. // Na nossa
terra abusa-se demasiadamente do silêncio sobre o estádio das obras
programadas, sobretudo das que respeitam à Vila, e essa omissão estranha e
impressionante conduz à falsa ideia do desinteresse ou do abandono total das
entidades oficiais pelas responsabilidades assumidas. Parece que a imprensa
local não conta ou merece pouca atenção dos responsáveis pela administração e,
no entanto, à semelhança do que vai por esse país fora, poderia constituir uma
poderosa alavanca e um auxílio precioso à realização do programa de trabalhos
pré-estabelecidos e superiormente aprovados. Neste semanário nunca recusamos
guarida à propaganda, esclarecimento e apoio de tudo quanto represente ou
constitua interesse ou melhoramento da terra melgacense. Por isto, não
compreendemos a razão que leva as entidades locais responsáveis a manter sobre
as obras de embelezamento e de interesse concelhio o mutismo de Buda ou o
segredo de Conrado. É evidente que, em caso de injustificada demora, de
torpedeamento ou de embaraço oficial ou particular, quando trazido ao nosso conhecimento,
tomaríamos, deliberada e energicamente, a posição que nos compete de defender
intemerato e insuspeito do engrandecimento de Melgaço. Não nos move “parti pris”
(*) ou censura intencional contra qualquer pessoa ou organismo, mas tão-somente
o desejo de ser útil e desinteressado colaborador dos que por dever do cargo,
ou por mera iniciativa pessoal, se dispõe a melhorar e a tornar mais bela a
terra melgacense. Ora, uma vez que parece haver o propósito de nos conservar à
margem, ou de nos equiparar em ignorância aos míseros munícipes, aos quais só
se lhes reconhece a única qualidade de pagantes, vamos iniciar uma série de
perguntas inocentes que, repetimos, visam ao nosso esclarecimento e de todos os
que nos leem e não ao ataque ou censura daqueles que, no caso, aparentemente,
podem considerar-se atingidos. Assim, começaremos pelas escolas da Vila que,
salvo pequenos retoques e arranjos de pouca importância, estão em condições de
ser entregues e inauguradas oficialmente no próximo período escolar de Outubro.
Qual a via de acesso da escola para os professores e crianças matriculadas que,
no próximo ano letivo ali vão receber as luzes do espírito? O caminho rural e
intransitável que passa ao lado e que a invernia impedirá de ser utilizado, ou
a rua que está projetada e cujo alargamento e pavimentação é tempo de começar?
Não deve estranhar-se a pergunta, visto que a ronceirice oficial, se não for
vencida por uma série de justificadas e tempestivas reclamações, acaba por nada
fazer e deixar tudo como está; então, a data da inauguração do edifício
escolar, que nos dizem ser o melhor do distrito, professores e crianças terão
de munir-se de botas de água, até aos joelhos, para atravessar o charco… Outras
perguntas: O pavimento das ruas, destruído pelos serviços dos CTT, continua com
os altos e baixos que tornam o piso desagradável e quase impossível, ou
esperamos a chegada do inverno e consequente dificuldade dos consertos, de modo
a torna-lo totalmente intransitável?!
Que se passa com a construção do edifício da CGDCP ou, mais
concretamente, quando começam as obras?! Ficaremos eternamente a prestar
informações ao respetivo arquiteto que, tanto podem ser necessárias à
elaboração do projeto como simples expediente dilatório?! Não seria oportuna
uma reclamação da Câmara à administração daquele organismo? E acerca do
malfadado e malcheiroso sanitário do irrisório Jardim do Cardoso?! Quando se
iniciará o aterro daquele monturo indecente que é um verdadeiro escarro nojento
em pleno coração da Vila?! Aquilo exige a remoção imediata das louças
sanitárias e das cantarias ali tão mal aplicadas, seguida do entupimento do
infeliz e anti-higiénico abrigo… // Continuaremos. //
F.S. /// (*) trata-se de uma locução francesa; resolução tomada, etc. // continua...
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