POEMAS DO VENTO
Por Joaquim A. Rocha
110
Tu és a guerra…
que a morte encerra,
que o amor destrói;
tu és a serra
que a alma aterra
e não te dói!
És anti vida,
árvore despida,
coisa sem cor;
não esquecida,
andas na vida
causando dor.
Vives de sangue,
e mesmo exangue
nunca mais morres;
vives para sempre,
na nossa mente,
nas veias corres!
Foge de nós,
dá-nos a voz
que nos roubaste;
torna-te ausente,
deixa esta gente
que não criaste.
Vai-te por fim,
vai-te de mim,
de todos nós;
queremos viver,
não mais sofrer:
vai-te, algoz!
111
ROSTOS DA CIDADE
112
ALUCINAÇÃO
Ainda por ti espero. A cama continua vazia.
Espero a minha vez. Nela gerámos
- eu e a tua imagem –
Um filho. Não lhe demos nome!
Aguardamos a tua sugestão.
E a cama continua vazia. À espera do teu corpo
e do teu sangue! À espera do teu tempo.
À espera do teu odor.
E o nosso filho vai crescendo. E a imagem de ti envelhecendo.
E tu habitas outros leitos…
E dás leite dos teus peitos a outros filhos teus!
E o nosso vai crescendo, crescendo, sem mãe material! E a
cama continua vazia.
É ainda a calma que predomina, Não já a calma que domina!
E a espera vai crescendo, e o filho minguando.
A calma vai decrescendo, a imagem vai-se apagando, o leito
arrefecendo!
O nosso filho à fome vai morrendo! É ainda a imagem que
predomina. E a calma vai-se gastando. É quase noite; tu sem apareceres!
A calma espera; a cama… O filho morre; a mãe ausente! Agora
sei que o tempo não tem horas.
A imagem não é! Resta o vazio da cama. O vazio… O vazio do
nada!
27/5/1979
113
AQUELA CASA
Aquela
casa: velha, seca, fria, distante... Isolada na serra desdentada, como rocha
ali nascida! As suas telhas, outrora olhando a paisagem com sobranceria, dormem, agora, naquele chão
lamacento. Algumas, as mais resistentes, ainda restam; porém, mutiladas, como
soldados após a grande guerra.
Aquela casa! Da sua chaminé, agora
lúgubre, moribunda, tinham saído carradas de fumo, lembrando uma fábrica a
laborar vinte e quatro horas por dia.
Aquela casa! Vazia, despida daquele
conforto humano que a caraterizava, lembra o túmulo do viandante que pereceu na
sua vitalícia viagem e foi sepultado ali, na montanha!
Junto à sua campa irreal, humilde, improvisada,
pequeno morro de terra, vê-se uma estranha cruz de metal, tombada, cheia de ferrugem,
e uma grosseira tábua de madeira, onde se lê com dificuldade: «Aqui jaz um desconhecido.»
Na parede dessa casa, ora abandonada, vou
escrever: «Aqui jaz a minha casa!»
27/2/1980
114
JANELA IMAGINÁRIA
É manhã. Fresca manhã de Abril. Agradável.
Pela minha memória perpassam imagens, umas passadas, outras quase presentes.
Estou calmo. De repente, porém, tudo se altera. Na rua, que avisto da janela
onde me encontro, algo se passa. Pessoas apressadas dirigem-se para um mesmo
lugar. Desastre, penso! E, de facto, passados alguns minutos, oiço a
caraterística sirene do 112.
Silencioso e estupefacto assisto àquela
macabra cena, onde viaturas e corpos construíram estranha aguarela, tendo o
vermelho como cor predominante.
Não
houve, da minha parte, qualquer espécie de reação! Quieto e solene, limitei-me
a registar, como habitante de um outro mundo, o espetáculo grandioso, no qual
os figurantes detinham o papel principal.
Da ambulância foram retiradas as macas e
nelas colocado o que restava desses corpos antes cheios de vida e ação.
O fantástico e o irreal sobrepuseram-se à
crua realidade. A visão surge e se move no ecrã da inconsciência. É um filme
sem argumento, sem realizador - apenas atores representando o papel de outros
atores.
Alguns polícias marcam o solo e fazem
medições. A assistência comenta, até à exaustão, o sucedido. Fala-se de mortos,
de muitos mortos, mais, sem dúvida, do que aqueles que pereceram.
Depois tudo volta ao normal. Fica apenas o
espaço, o odor do óleo espalhado, sangue coalhado.
Fiquei horas na janela! Algo de fascinante
e aterrador ali me prendia. Nem a fome, nem a sede, me lembravam. Era o
fascínio da morte. A sua proximidade e a sua ânsia de vida.
As paisagens, que da janela normalmente
avisto, não nasceram nesse dia! Tinham, coniventes, ficado para além das duras
serras. Estava só, na minha janela!
Março de 1980
115
A CIDADE
Para mim, que vivi imensos anos na província, a cidade foi como que o
descobrir do mundo! As palavras liberdade, civilização, cultura, estavam
ausentes do meu parco vocabulário. Eu era livre e não me apercebia; eu era
civilizado e esse estatuto foi-me, mais tarde, retirado.
Por quê? Porque a cidade tem a sua
civilização! Tem as suas regras, as suas refinadas etiquetas. E eu, no meio
desse labirinto de preconceitos, para mim estranhos, vi-me, de repente,
mergulhado nas trevas do saber.
Chamei-lhe nomes – feios, alguns – mas,
com o decorrer dos anos, fui sendo cativado pelo sabor dos seus mil e um
encantos: pelas luzes, pelas maravilhosas montras, pelas gentes apressadas.
Senti-me alguém no meio dessa multidão compacta. Senti-me protegido.
Agora a minha liberdade, pressentia-o, era
total – eu passava despercebido!
Não me chocava o buzinar forte dos
automóveis; não me poluía os pulmões esse ar expelido por sujas chaminés de
fábricas; não me enojava o quente cheiro dos óleos queimados.
Estava ali na cidade, onde a natureza não
é chamada a participar. O Homem tinha vencido: construíra a cidade! A sua
cidade. Irreal? Fantasmagórica? Talvez. Mas, a cidade total. A cidade auto suficiente.
E, quando lembro o outro eu, é apenas para
confrontar as duas vidas: uma dependente da natureza; a outra, dependente do
humano, das suas realizações.
12/3/1980
116
ILHA MALDITA
Um dia, não sei quando, vou até lá, passar as minhas férias!
Talvez sozinho…
Abril de 1980
// continua...
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