POEMAS DO VENTO
Por Joaquim A. Rocha
Estou no mundo, silencioso…
como as pedras no fundo dos mares;
porque ao ter lançado ao céu uma prece
ficou pairando por sobre os ares!
O vento não a quis levar
a quem a devia ouvir;
e eu, impotente, fiquei a lamentar
a dor de ficar sozinho a chorar
com estes olhos que imploram amor.
Minha alma vive só...
sem carinho, sem ternura,
seus apelos causam dó!
Ninguém escuta estes gritos alucinantes?
Repartam comigo uma migalha, um resto,
de um amor por mau que ele seja.
Quero carinho e dão-me rancor;
quero afeto e dão-me indiferença!
Não haverá no mundo alguém
que minha voz entenda?
Serei egoísta e mesquinho,
vil e ambicioso,
ou sou um pobre solitário
desamparado e tímido?
São heranças de menino
estes complexos que tenho.
Mocidade sem amor,
sem juventude, sem…
Adulto e criança
sem nunca ter sido bebé!
Sem jamais chegar a ser adulto!
Lar sem mim e eu sem lar…
Sem pai; e sem mãe quase!
Que espero da vida?!
Solidão. Solidão e nada mais!
78
NÃO QUERO SER DIFERENTE
Adolescência ingénua,
olhos cerrados, passos incertos.
Quero um lar. Quero um pai e uma mãe
- como todos!
Não quero ser diferente.
Quero que o meu apelo seja ouvido;
quero que do meu coração brote
uma fonte inesgotável de amor!
Quero que todos me abracem como amigo.
Quero que dos meus olhos rolem, finalmente,
lágrimas – mas, desta vez, de alegria!
Não quero compaixão; não quero perdão
De um mal que não
cometi.
- como eu gosto de vós!
79
COMPROMISSO
Minha noiva, a solidão,
minha mulher, a tristeza;
minha amante a ilusão,
minha fortuna, a pobreza!
Sou filho da honestidade,
sou irmão da esperança;
sou amigo da verdade…
apologista da bonança.
Minha força é vontade,
minha vontade é vencer;
minha arma é a humildade,
meu escudo é o saber!
80
FELIZ ANTES
Já fui feliz certamente
em belos sonhos d’outrora;
hoje sinto-me descrente,
a minha alma chora, chora!
Almas que choram,
corações que riem;
almas que imploram
lhes encurtem o fim!
Corações doentes,
cansados de viver;
almas dementes
de tanto sofrer.
Só me sinto feliz
quando, na escuridão,
falo com a saudade,
responde-me o coração.
Oh! Imensa felicidade!
1968
81
PRIMAVERA
Quando chegava a primavera
vinha com ela a alegria;
desaparecia a tristeza,
punham-se flores no altar,
punham-se flores na mesa.
«Aleluia, é Páscoa,
aleluia.»
Comiam-se amêndoas, o folar,
ouviam-se pássaros no jardim
e cantavam raparigas assim:
«viva a primavera
cheia d’alegria,
viva a fantasia desta juventude;
viva a mocidade, viva o nosso tempo,
viva a natureza, viva a nossa idade.»
Eram outros tempos, outra era!
82
CACILDA
Venenosamente alastram em teu peito
a inveja, o ódio, a raiva e o despeito!
Amaldiçoaste o meu destino
como quem poderes tem para o fazer
mas
quanto mais mal me queres mais eu me animo
a lutar contra ti e todos, e vencer!
Furiosamente me detestas
com todas as forças do teu malvado ser
mas
não me acertarão tuas venenosas setas
tenho um escudo d’indiferença a me proteger!
Tenho um fim nobre a alcançar
e nem tu, nem ninguém, o impedirá
de, com êxito e firmeza, o realizar:
quanto mais difícil for mais nobre será!
1971
83
POBRES
Pobres dos pobres que o são.
Pobres dos que não o sendo
ao mundo parece que são
porque à fome vão morrendo
havendo em seu celeiro pão!
Dizem que os olhos castanhos
são os que mais encantos têm;
os teus, rasgados, tamanhos,
são belos olhos de harém.
Quando fito os olhos teus
doce chama se acende
no meu peito incandescente
e meus olhos não são meus!
Tu roubaste o meu sossego,
já não durmo descansado;
levanto-me manhã cedo
estando ainda acordado!
Ah! Se pudesses olhar
no meu peito o interior
verias o que é amar
porque esta chama é amor!
Esses teus olhos gaiatos,
sorridentes, atrevidos,
fazem perder a noção
do tempo… e da razão
aos homens mais destemidos!
Os teus olhos de mulher
dão-me esperanças sem fim;
eles sabem o que é querer,
vem docemente para mim!
Os teus olhos me disseram
Que muito amor tu me tinhas;
Teus atos o desdisseram
- se é amor, inda gatinha!
Tenho ciúmes do passado,
tenho ciúmes do presente;
ando sempre amargurado,
ando sempre descontente!
Só me resta a saudade
daqueles tempos felizes;
adeus querida mocidade
que o futuro não predizes!
85
CRUEL
Sinto-me, como o barco, à deriva.
Solitário no oceano das paixões:
ondulante! Até no amor sou parco!
A minha vida é um engano: mudo
de sentir num breve instante.
Para quê viver assim, cruel e
solitário? Tudo em mim é ruim:
sou vil e até falsário!
Sou como as estrelas que de dia
se escondem; sou como as rosas
que apesar de belas têm espinhos;
sou como as nuvens no céu
parecendo corcéis!
Tudo em mim é mentira, supérfluo,
sem sentido. Tudo é fantasia…
até a mim hei mentido!
Não mereço piedade, nem a peço:
para quê? Tudo em mim é crueldade:
tanto mal faço… porquê?!
Destruí tantos corações
de almas puras, sadias…
sem atender a quaisquer razões;
fiz delas tristes, sombrias!
Enganei todo o mundo
e a mim próprio talvez!
Com um sentido profundo
jurei amar só uma vez.
Fiz desta vida uma luta
e nem sempre a venci;
foi um jogo, uma disputa…
e só venci quando morri!
// continua...
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