domingo, 27 de outubro de 2024

POEMAS DO VENTO 

Por Joaquim A. Rocha


 




Estou no mundo, silencioso…

como as pedras no fundo dos mares;

porque ao ter lançado ao céu uma prece

ficou pairando por sobre os ares!

O vento não a quis levar

a quem a devia ouvir;

e eu, impotente, fiquei a lamentar

a dor de ficar sozinho a chorar

com estes olhos que imploram amor.

Minha alma vive só... 

sem carinho, sem ternura,

seus apelos causam dó!

Ninguém escuta estes gritos alucinantes?

Repartam comigo uma migalha, um resto,

de um amor por mau que ele seja.

Quero carinho e dão-me rancor;

quero afeto e dão-me indiferença!

Não haverá no mundo alguém

que minha voz entenda?

Serei egoísta e mesquinho,

vil e ambicioso,

ou sou um pobre solitário

desamparado e tímido?

São heranças de menino

estes complexos que tenho.

Mocidade sem amor,

sem juventude, sem…

Adulto e criança

sem nunca ter sido bebé!

Sem jamais chegar a ser adulto!

Lar sem mim e eu sem lar…

Sem pai; e sem mãe quase!

Que espero da vida?!

Solidão. Solidão e nada mais!

 

78

 

NÃO QUERO SER DIFERENTE

 

Adolescência ingénua,

olhos cerrados, passos incertos.

Quero um lar. Quero um pai e uma mãe

- como todos!

Não quero ser diferente.

Quero que o meu apelo seja ouvido;

quero que do meu coração brote

uma fonte inesgotável de amor!

Quero que todos me abracem como amigo.

Quero que dos meus olhos rolem, finalmente,

lágrimas – mas, desta vez, de alegria!

Não quero compaixão; não quero perdão

 De um mal que não cometi.

 Quero somente que gosteis de mim:

- como eu gosto de vós!

 

79

 

COMPROMISSO

 

Minha noiva, a solidão,

minha mulher, a tristeza;

minha amante a ilusão,

minha fortuna, a pobreza!

Sou filho da honestidade,

sou irmão da esperança;

sou amigo da verdade…

apologista da bonança.

Minha força é vontade,

minha vontade é vencer;

minha arma é a humildade,

meu escudo é o saber!

  

80

 

FELIZ ANTES

 

Já fui feliz certamente

em belos sonhos d’outrora;

hoje sinto-me descrente,

a minha alma chora, chora!

 

Almas que choram,

corações que riem;

almas que imploram

lhes encurtem o fim!

 

Corações doentes,

cansados de viver;

almas dementes

de tanto sofrer.

 

Só me sinto feliz

quando, na escuridão,

falo com a saudade,

responde-me o coração.

Oh! Imensa felicidade!

  

1968

 

81

 

PRIMAVERA

 

Quando chegava a primavera

vinha com ela a alegria;

desaparecia a tristeza,

punham-se flores no altar,

punham-se flores na mesa.

«Aleluia, é Páscoa, aleluia

Comiam-se amêndoas, o folar,

ouviam-se pássaros no jardim

e cantavam raparigas assim:

«viva a primavera cheia d’alegria,

viva a fantasia desta juventude;

viva a mocidade, viva o nosso tempo,

viva a natureza, viva a nossa idade

 

Eram outros tempos, outra era!

  

82

 

CACILDA

 

Venenosamente alastram em teu peito

a inveja, o ódio, a raiva e o despeito!

 

Amaldiçoaste o meu destino

como quem poderes tem para o fazer

 

mas

 

quanto mais mal me queres mais eu me animo

a lutar contra ti e todos, e vencer!

 

Furiosamente me detestas

com todas as forças do teu malvado ser

 

mas

 

não me acertarão tuas venenosas setas

tenho um escudo d’indiferença a me proteger!

 

Tenho um fim nobre a alcançar

e nem tu, nem ninguém, o impedirá

de, com êxito e firmeza, o realizar:

quanto mais difícil for mais nobre será!

 

1971


83

 

POBRES

 

Pobres dos pobres que o são.

Pobres dos que não o sendo

ao mundo parece que são

porque à fome vão morrendo

havendo em seu celeiro pão!


 OS TEUS OLHOS

 

Dizem que os olhos castanhos

são os que mais encantos têm;

os teus, rasgados, tamanhos,

são belos olhos de harém.

 

Quando fito os olhos teus

doce chama se acende

no meu peito incandescente

e meus olhos não são meus!

 

Tu roubaste o meu sossego,

já não durmo descansado;

levanto-me manhã cedo

estando ainda acordado!

 

Ah! Se pudesses olhar

no meu peito o interior

verias o que é amar

porque esta chama é amor!

 

Esses teus olhos gaiatos,

sorridentes, atrevidos,

fazem perder a noção

do tempo… e da razão

aos homens mais destemidos!

 

Os teus olhos de mulher

dão-me esperanças sem fim;

eles sabem o que é querer,

vem docemente para mim!

 

Os teus olhos me disseram

Que muito amor tu me tinhas;

Teus atos o desdisseram

- se é amor, inda gatinha!

 

Tenho ciúmes do passado,

tenho ciúmes do presente;

ando sempre amargurado,

ando sempre descontente!

 

Só me resta a saudade

daqueles tempos felizes;

adeus querida mocidade

que o futuro não predizes!

 

85

 

CRUEL

 

Sinto-me, como o barco, à deriva.

Solitário no oceano das paixões:

ondulante! Até no amor sou parco!

A minha vida é um engano: mudo

de sentir num breve instante.

Para quê viver assim, cruel e

solitário? Tudo em mim é ruim:

sou vil e até falsário!

Sou como as estrelas que de dia

se escondem; sou como as rosas

que apesar de belas têm espinhos;

sou como as nuvens no céu

parecendo corcéis!

Tudo em mim é mentira, supérfluo,

sem sentido. Tudo é fantasia…

até a mim hei mentido!

Não mereço piedade, nem a peço:

para quê? Tudo em mim é crueldade:

tanto mal faço… porquê?!

Destruí tantos corações

de almas puras, sadias…

sem atender a quaisquer razões;

fiz delas tristes, sombrias!

Enganei todo o mundo

e a mim próprio talvez!

Com um sentido profundo

jurei amar só uma vez.

Fiz desta vida uma luta

e nem sempre a venci;

foi um jogo, uma disputa…

e só venci quando morri! 


// continua...

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