QUADRAS AO DEUS DARÁ
Por Joaquim A. Rocha
// Continuação de 19/12/2023.
386
São
João veio ao Minho
Em
busca do bom presunto;
Bebeu
tigelas de vinho,
E
batizou um defunto.
387
São
João chamou-me tolo
Por
não ter religião;
Dei-lhe
vinho, comeu bolo,
Chamou-me
logo irmão.
388
Eu
não sou enciclopédia,
Não
tenho todo o saber;
Há o drama e comédia,
E tudo o mais é lazer.
389
Já
nadei no rio Minho,
Numa
tarde de verão;
Usava
calção de linho
Para
chamar a atenção.
390
***
391
O
Trouxa é mariconso,
Tem
um sorriso atrevido;
O
seu rabo muito tonso,
Delicia
o seu “marido”.
392
O
Adão nasceu dum sopro,
A
Eva de uma costela;
Agora
nem com escopro
Nasce
lobo ou gazela.
393
Eu
nasci no vil esgoto,
Enrolado
em flanela.
Cresci
no chão do desgosto,
E
tudo por causa dela!
394
O
tempo e a distância
Mataram
nossa amizade;
Resta
o odor, a fragrância,
Dos
anos da mocidade.
395
Roubei
ao tempo as horas,
Ficou
triste, a chorar;
Perguntei-lhe:
porque choras?
-
«Sem elas vou soçobrar»!
396
À
Senhora da Agonia,
Em
Viana do Castelo,
Vai
o Manel e Maria,
Até
vai lá o “Martelo”!
397
Vivi
dois anos na guerra,
Aprendendo
a sofrer;
Tal
como lobo da serra,
Matei
para não morrer.
398
Vivi
na guerra dois anos,
Vi
sofrer imensa gente;
Tantos
males, tantos danos,
Por
causa da vil serpente.
399
Eu
nasci numa estrumeira,
Numa
cama com piolhos;
Deitados,
à minha beira,
Ressonavam
mil abrolhos.
400
Eu
não sou enciclopédia,
Nem
de perto, nem de longe;
Só
tenho cultura média,
Como
frade, como monge.
401
Não
sei cultivar morango,
Nem
sequer a couve-flor;
Só
sei dançar o fandango,
Agarrado
ao meu amor.
402
A
gente da minha terra
Não
me ama, nem me estima;
Seja
da vila, ou da serra,
Não
gosta da minha rima.
403
A
gota cai da torneira,
Lentamente,
sem parar;
Ninguém
liga, «é porreira»,
Até
a casa alagar.
404
Da
torneira, gota a gota,
Sai
suave pinga d’água;
É
como a vida, já rota,
Sem
alegria, nem mágoa.
405
Nasci
envolto em bruma,
Pertinho
da estratosfera;
Em
volta terra nenhuma,
Sou
filho da vil quimera.
406
Ando
no mundo perdido,
Sem
saber de onde vim;
Anda
meu nome esquecido,
Ninguém
se lembra de mim.
407
Jesus
Cristo tem dois pais,
E
eu não tenho nenhum;
Sou
filho do «Nunca Mais»,
Nascido
em Cafarnaum.
408
«Vão-se anéis, fiquem os dedos»,
Já
diziam meus avós;
Mas
não se vendem os medos,
Que
vivem dentro de nós.
409
«Vão-se anéis, fiquem os dedos»,
Gritava
o senhor Fu;
Eram
apenas brinquedos,
Escondidos
no baú.
410
«Vão-se anéis, fiquem os dedos»,
Dizia
a triste “Loló”;
Mas
não se compram segredos
Pisados
na velha mó.
411
«Vão-se anéis, fiquem os dedos»,
Dizia
o poeta pobre;
E
com mil sorrisos ledos
Mostrava
os anéis de cobre.
412
- O senhor é paneleiro?
Quantas
panelas já fez?
-
Fiz uma ao brasileiro,
Outra,
a um português.
413
Faço
canecas e tachos,
Ponho
fundos a regadores;
Vendo
martelos e sachos,
Dou
beijos aos meus amores.
414
Há
quem diga que sou burro,
Sem
cabeça pra pensar;
Mas
muita cabeça esmurro,
Que
pensa que está a dar!
415
Há
quem diga que sou burro,
Sem
cabeça pra pensar;
Eu
sou como o sussurro,
Não
preciso de gritar.
416
Quando
vou à tua adega,
Olho
a malta de soslaio;
Aquela
parece pega,
Aquele
parece gaio.
417
Senhora
Dona de Farda,
Armada
em importante;
Tens
as quintas na Guarda,
E
sextas em Amarante.
418
Sou
uma pessoa humilde,
Cultivo
a simplicidade;
Casei
c’ a pobre Matilde,
Uma
velha sem idade.
419
Dizem
tão mal da má morte,
«Que mata só por vingança,
Percorrendo sul e norte
Até encher sua pança».
420
Se
a morte não existisse,
Vivíamos
eternamente;
Ninguém
gosta da velhice,
Nem
o tolo, ou demente!
421
Dai-me
vinho, dai-me vinho,
Que
água não posso beber;
Tenho
um desgosto fresquinho,
E
bebo para esquecer.
422
Quando
esta carta recebas,
Recebes
meu coração;
Ele
pede que lhe escrevas,
Pra
manter esta paixão.
423
Em
Portugal há bom vinho,
Ninguém
o pode negar;
Dos
Açores até ao Minho
É
sempre Baco a reinar.
424
Eu
não sou religioso,
Não
acredito em nada;
Sou
egoísta, vaidoso,
Sou
o fado da má fada.
425
Quando
Cristo ao céu chegou
Disse
a seus divinos pais:
-
«Não me mandem mais à Terra,
Para junto dos chacais.»
426
«Eu, lá, fui crucificado
Por gente reles, ruim;
Matam por um cruzado,
Um anjo, um serafim.»
427
Acusam
de agitador,
-
Sem haver nenhuma prova -
Este
ser que é só amor,
Que
lhes dá a boa nova.
428
Prefiro
morar na herdade,
Comendo
azeitona e miga;
Não
me deixem na cidade,
Onde
só reina a intriga.
429
Prefiro
morar no monte,
Mais
mil anos, uma vida;
Beber
no rio, na fonte,
Comer
saudável comida.
430
Prefiro
morar na herdade,
Para
sempre, uma vida;
Onde
só reine a verdade,
Sem
sanha vil, atrevida.
431
Não
sei viver na cidade,
Cheia
de gente e de cães;
Nas
ruas… só sujidade,
E
grandes filhos das mães.
432
Há
carros por todo o lado,
Nas
ruas e nos passeios.
O
peão está tramado:
Vive
cheio de receios.
433
Não
confio em ninguém,
Só
vejo falsos amigos.
Pela
frente, tudo bem;
Nas
costas são inimigos.
434
Esta
vida são dois dias:
Podem
ser curtos ou longos…
Têm
tristezas e alegrias,
Muitas
frases, dois ditongos.
435
Esta
vida são dois dias:
Um
é curto, outro longo;
Têm
tristezas, alegrias,
Muitas
frases, um ditongo!
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