domingo, 3 de março de 2024

 OS NOVOS LUSÍADAS (...)

Por Joaquim A. Rocha



// continuação de 10/11/2023.


Terceira Parte

(1910 a 1926)

 

1

  

O republicanismo em Portugal

Nasce, diz-se, com Henriques Nogueira;

Escreveu o evangelho principal,

O texto que terá honra cimeira…

Foi construído de pedra e cal,

Para ter vida longa e verdadeira.

Nele constam as ideias, princípios,

Que mudarão as leis, os municípios.

 

2

 

Defendia-a descentralizada,

Autêntica, quase socialista;

Honesta, culta, democratizada,

Popular, generosa, altruísta…

De gente simples, não empertigada,

Não utópica, viva, realista…

Aceitou ideias de Herculano,

Historiador culto e humano.

  

3

 

A República triunfara em França,

Anos depois na vizinha Espanha,

Dava novo alento, esperança…

Quem sabe se a aliada Bretanha!...

 Não há tempestade sem a bonança,

Não haverá teia sem a aranha.

Sonho transformado em realidade,

A monarquia não deixará saudade.

 

4

 

O são espírito republicano

Germina por todo este planeta,

Levado por milhafre, pelicano,

Pelos longos ares, veloz cometa;

Vai aumentando ano após ano,

Tal como no jardim linda roseta.

As monarquias vão enfim morrendo,

Num estertor ruidoso, vil, horrendo.

 

5

 

O socialismo foi abandonado

Pelos ideólogos republicanos;

O luso não estava preparado,

Seria preciso esperar anos…

E tudo ficaria esgotado:

Ideias, modelos, até humanos…

Escolheram outras prioridades:

Desenvolver as vilas e cidades.

 

6

 

O analfabetismo era uma praga

Neste país quase todo rural;

Fosse em Lisboa, Porto ou Braga,

Poucos sabiam ler em Portugal.

«Limpar este velho mal nem com draga»

Sentenciava, cru, Gomes Leal.

Faltava ao Estado condições,

Seus cofres apenas tinham tostões.

 

7

 

João Deus com Cartilha Maternal

Ajudou a melhorar o ensino;

Mas naquele mundo pobre, rural,

Cuidavam mais do gado asinino!

O saber aí não era principal,

Rende mais o trabalho do menino.

«Ser analfabeto não é vergonha,

É bem pior ser ladrão ou langonha

 

8

 

Outubro de mil novecentos dez

Vê a débil monarquia cair;

Para a defender, um ou outro maltês,

E Couceiro, sempre a resistir...

Herói de África, vero português,

Da realeza jamais quer desistir.

Levantou a monarquia no norte,

Condenada logo depois à morte.


9

 

Criou-se um governo provisório,

Presidido por Teófilo Braga,

O qual, sem vistoso foguetório,

E com a carteira bastante magra,

Sorridente, sem cara de velório,

Tenta trepar a gigantesca fraga.

A seguir nasce a constituição,

Que dará outro rumo à nação.

 

10

 

Arriaga é eleito presidente,

Desta República recém nascida;

Ficará quatro anos à sua frente,

A sua obra não será esquecida.

Reformar era crucial, premente:

O ensino, «bela adormecida»…

A sensível lei do inquilinato

Vestira o seu domingueiro fato.

 

11

 

Nasce novo hino «A Portuguesa»,

Tinha letra de Lopes de Mendonça,

Música é guerreira, sem beleza;

Luta contra a «amiga da onça»…

Invoca-se um roubo, sem certeza,

De terra selvagem, talvez esconsa.

Alguém lhe chamou mapa cor de rosa

Àquela zona árida, não formosa.


12

 

Mandaram costurar outra bandeira,

Onde vermelho e verde predomina,

Contudo o amarelo não se esgueira,

A linda cor azul também combina.

O escudo pátrio serve de esteira

À esfera armilar, doce menina.

 O escudo contém as cinco quinas,

Que lembram as batalhas afonsinas.

 

13

 

Os sete castelos, em amarelo,

Sobre a parte vermelha do escudo,

Simbolizam Cacela, por «Castelo»…

E outros, mas fico por ora mudo.

Com o tempo tornaram-se em farelo,

Mas nossa bandeira realça tudo.

Nas casas, barcos, aviões, flutua,

E um dia flutuará na lua.

 

14

 

O concílio de Trento vingou

Neste pequeno reino europeu,

Seu estilo, método, imperou

Como o amor em Julieta e Romeu;

Mas o republicanismo frustrou

Os desígnios do pai de Morfeu.

Leis justas, liberdade, são ora aves

Com asas mais potentes do que naves.


15

 

Impuseram o Registo Civil

A todos os cidadãos portugueses;

As Conservatórias eram mil,

E não chegavam a todos por vezes.

Tudo que havia era senil,

Cheirava quase tudo a fezes.

Igreja separa-se do Estado,

E o clero passa um mau bocado.

 

16

 

O divórcio passa a ser possível,

Deixam de ter títulos os fidalgos;

A reação dos lesados é terrível,

Reagem como cães, velozes galgos.

Dizem que o governo é falível,

Tem os olhos brancos como os salgos.

«Igreja católica é geral,

Deve permanecer em Portugal

 

17

 

Por fim vingaram os tais argumentos,

O catolicismo tornou-se forte,

Ergueram centenas de monumentos,

Espalharam-se pelo sul e norte. 

Vieram jesuítas com unguentos,

Doroteias com ervas de má sorte.

Reviu-se a Lei da Separação,

A fé domina de novo a nação.


18

 

O velho Instituto Industrial

Pula a Instituto Superior;

Trepa Instituto Comercial,

E nada disto era por favor...

Tudo se faz a bem de Portugal,

Por brio, dignidade, pundonor.

Escola Veterinária sobe,

  A de Agronomia também se move.

 

19

 

Estar no patamar da rica Europa,

A mais moderna, mais desenvolvida…

Comer presigo, não somente sopa;

Dar à nossa cultura guarida...

Beber, como eles, em bela copa,

Termos, como europeus, digna vida.

Mas para tal é preciso produzir,

Empresas e Estado bem gerir.

 

20

 

O conflito armado, Grande Guerra,

Começou mil novecentos catorze;

Fez tremer o mundo, toda a Terra,

Deu mui trabalho ao código «Morse».

Portugal não entrou logo na berra,

Talvez com receio da entorse…

A forte Alemanha e a Turquia

Têm ao lado Bulgária e Hungria.


21

 

A enorme Rússia e a França  

Têm por parceiros Sérvia, Itália;

Ingleses entram na macabra dança,

Corre muito sangue na antiga Gália.

Acabar com ela não há esperança,

Nem com ajuda do Zeus da Tessália.

Vai durar quatro longuíssimos anos,

Com muitas mortes, torturas e danos…

 

22

 

Nosso governo quer entrar na guerra,

Para proteger solos ultramarinos,

E ajudar a aliada Inglaterra…

Mas os ingleses, falsos e cretinos,

 Dizem que a nossa pobre terra,

Não tem guerreiros, só «boys», libertinos.

Costa provoca alemães num rompante,

Retém-lhe barcos da frota mercante.

 

23

 

Esses barcos estavam ancorados

Nos portos das ilhas e ultramar;

E os ingleses, necessitados,

Pediram para os requisitar.

Os germanos ficaram mui pasmados,

Nem queriam sequer acreditar.

«Como é que gente insignificante

Se mete com um colosso, gigante?!»


24

 

Os alemães, altivos, furiosos,

Declaram guerra ao nosso torrão;

Os portugueses, coitados, curiosos,

Embarcam numa louca ilusão.

A guerra não era para medrosos,

Os «boches» irão ver quem tem razão.

Nasce assim a «União Sagrada»

Entre partidos da vida airada.

 

25

 

Unionistas apoiam governo,

Dão o seu ámen os “socialistas”;

O povo, esse não está sereno,  

Uma guerra é para especialistas,

Não para gente a comer só feno,

Pão de milho, fruta e pataniscas.

Soldados estavam mal preparados,

Serviriam pouco aos aliados.

 

26

 

O futuro breve daria razão

Àqueles que nunca acreditaram;

«Tropa lusa é carne para canhão,

Morrerão em terras que não amaram

Gente jovem, na idade da ilusão…

Deviam ir lutar os que os chamaram.

Políticos… esses ficam de fora,

A olhar para a triste mãe que chora.


27

 

E com estapafúrdios discursos

Lograram o seu ousado intento…

Contaram armas, cavalos e ursos,

Convocaram Éolo, deus do vento;

Desviaram águas dos seus cursos,

Mergulharam lares em vil lamento.

«Todos para a guerra, combater,

Com pujança, lutar até morrer

 

28

 

Criaram força expedicionária,

Para brigar em África e França;

Criatura boa, não alimária,

Ia para longe, sem esperança…

Deixavam filhos: José e Rosária,

À espera da futura bonança.

E morreram tantos, tantos milhões!

E fizeram chorar tantos corações.

 

29

 

Norton de Matos foi herói e “santo”,

Realizou o «milagre de Tancos»;

De mangas arregaçadas, sem manto,

Com rapazes calçados de tamancos,

Provocou nos descrentes mui espanto,

Ao aprumar aqueles corpos mancos.

Souberam defender sua bandeira,

Nas letais lutas fora da trincheira.


30

 

Muitos deles ficaram prisioneiros

Em campos, em terreno alemão,

Deitados sobre colchões piolheiros,

Alimentados de água e pão...

Foram torturados por carniceiros,

Gente má e bruta, sem coração.

Adolfo Hitler combateu em França,

Contra os soldados da Aliança.

 

31

 

Dessa guerra tão cruel, tão sangrenta,

Ninguém regressou como antes era;

Qual é o ser humano que aguenta

O silêncio letal, longa espera?

Seu cérebro cansado afugenta

Lembranças da noiva, da primavera…

Vive permanentemente em terror,

 Mal suportando fadiga e dor.

 

32

 

Perguntou-se ontem, ainda hoje,

O que ganhou o país com a guerra?

Ninguém decide falar, tudo foge, 

Vou perguntar à montanha, à serra…

Não há coisa que a mim mais enoje

Do que o vil silêncio encerra.

Esse erro gigante, colossal,

Fez sumir o tesouro nacional.


33

 

Muitos perdem com o cruel conflito:

Feridos, mortos, muitos gaseados…

Uma bomba perto cai, forte grito,

Veem-se mil corpos estropiados…

Ambulâncias passam com seu apito,

Tentam salvar os pobres desgraçados.

Mas, recebem medalhas os chefões,

Empresas enchem cofres com milhões.

 

34

 

Em Fátima, no lugar de Aljustrel,

Concelho de Vila Nova de Ourém,

Onde nem abelhas produzem mel,

Cujas casas não chegavam a cem,

Nasceu Lúcia, forte como corcel,

Devota do bom Jesus de Belém.

Aí brotaram Jacinta e Francisco,

Que de letras, coitados, nem rabisco!

 

35

 

Os três eram primos e coirmãos,

Desde muito pequenitos pastores,

Pastavam ovelhas nos duros chãos,

Colhiam lindas, silvestres flores…

Por vezes picavam as suas mãos, 

Mas o sangue não lhes causava dores.

Eram crianças rudes, muito crentes,

Mal vestidas, grosseiras, fracas mentes.


36

 

Não perdiam catequese, doutrina,

Sabem de cor imensas orações;

 E a Lúcia, bronca, mas ladina,

Aproveita quaisquer ocasiões

Para mostrar ao homem da batina

Que aprendera suas lições.

O sacerdote fica admirado

Como ela tinha tal decorado.

 

37

 

Em mil novecentos e dezasseis,

Com apenas oito anos de idade,

Na boca sorrisos e doces méis,

Cai-lhe do céu um anjo da trindade:

- «Eu sou enviado do rei dos reis,

O deus bondoso, pai da caridade...

Não temais. Sou um anjo verdadeiro,

Vim do paraíso, sou recadeiro

 

38

 

Ensinou aos jovens a oração:

- «Meu Deus eu creio, adoro, espero...»

À Lúcia tremeu o coração,

Ficando em suave desespero,

Aumentando em si a ilusão,

Tal como a sacerdotisa Hero.

Mas nem o tal anjo era Leandro,

Nem havia a tocha prò malandro.


39

 

Na esteira dessa aparição,

No ano seguinte, na primavera,

Surge a Senhora da Conceição,

Mais linda do que a bela pantera,

Com um rosário na sua mão,

Deslizando suave como hera.

Tudo sucedeu na Cova da Iria,

Em treze de Maio, ao meio dia.

 

40

 

Pastora Lúcia e seus parentes

Guardavam zelosos seus rebanhos,

Despreocupados, mas diligentes…

Pais e irmãos andavam nos amanhos,

Lançando à terra fracas sementes,

Rostos secos, olhos rudes, tacanhos…

A senhora diz do seu pedestal:

- «Não tenhas medo, não te faço mal

 

41

 

- «Que lugar é o de vossemecê

Pergunta a catraia curiosa…

- «Sou do céu, do lugar que não se vê,

E onde só há gente amorosa…

Ali meu filho tudo antevê,

Se haverá crimes, coisa danosa..

- «O que vem fazer a este vil mundo

- «Não to digo», clama em tom profundo.


42

 

Depois, já com a voz muito mais calma,

Fala à assustada pastorinha:

- «Venho salvar a tua pobre alma,

 (A tua e a da tua priminha)…

Pois o demo, que a todos desalma,

Aproxima-se com sua foucinha

Nada disse da alma de Francisco,

Talvez por ser demente e arisco.

 

43

 

A moça perguntou-lhe pela guerra,

Se acabaria logo, ou breve,

Mas a visão, alta como a serra,

Mais branca do que cera, pura neve,

Diz, numa voz que a todos aterra:

- «Há-de morrer gente fina e leve…»

E continuou numa lengalenga,

Parecendo até da tribo senga.

 

44

 

A imagem depressa se sumiu,

Prometendo voltar mais vezes;

Um papa, o sucesso assumiu,

Isso era bom para os portugueses.

Uma simples capela lá surgiu,

 Fátima esqueceu os maus reveses.

Ergue-se perto uma catedral,

Onde outrora reinava milheiral.


45

 

Francisco e Jacinta morrem novos,

Com terríveis, atrozes, sofrimentos…

Choram as gentes, do mundo os povos;

Escutam-se longe gritos, lamentos...

Ouvem-se piar as aves nos covos,

Monges e freiras choram nos conventos.

Os dois irmãos sobem ao doce céu,

Onde a Virgem Maria os recebeu.

 

46

 

A Lúcia morou imensos anos,

Em conventos lusos e espanhóis;

Conheceu os galegos, castelhanos,

Dormiu em limpos e brancos lençóis…

Aprendeu muitos truques, mil enganos,

Comeu mil sapos, ratos, caracóis...

Mas não se arrependeu nenhum dia

De ter gerado Cova da Iria. 

 

47

 

Os três pastorinhos são santos,

Fizeram curas, milagres imensos;

Estão no céu, vestidos com seus mantos,

Acenando com seus níveos lenços…

Ouvindo dos castos anjos mil cantos,

Sarando feridas com divinos pensos.

Raras vezes vêm ao mundo sem siso

Levar as almas para o paraíso.


48

 

Fátima agora é altar do mundo,

Sede do universo católico;

Esqueceu o Rodrigo, o Edmundo,

O velho «Abóbora» alcoólico.

Ali o sentimento é profundo,

O cheiro é romano apostólico.

Recebe uns milhões de peregrinos:

Espanhóis, franceses e marroquinos…

 

49

 

Novecentos dezassete, Dezembro,

A revolução nacionalista,

Cujo chefe, Pais, se eu bem me lembro,

Milita no partido Unionista…

Morre três meses depois de Setembro,

Por ser ditador, exibicionista.

Fundou a dita «República Nova»,

A qual deu na «Velha» grande sova.

 

50

 

O severo regime sidonista,

Prendeu, escorraçou imensa gente,

Deteve políticos, um grevista,

Tornou-se deste país presidente…

Podemos chamar-lhe nazi, fascista,

Um radical, humano dissidente…

Foi morto na estação do Rossio,

Num dia chuvoso e muito frio.


51

 

Depois da morte de Sidónio Pais

Subiu a presidente Canto e Castro,

Almirante de mares, rios, cais…

Idoso, reformado, um emplastro.

Descendente de nobres, marechais,

Sempre no topo do vetusto mastro.

Estala no Porto a revolução

Que traz a monarquia à nação.

 

52

 

Republicanos organizam forças

Para lutar contra os revoltosos;

Do monte vieram cabras e corças,

Do inferno vieram os tinhosos;

Dos mares polares vieram morsas,

Todos eles com garra, corajosos.

Os tais monárquicos foram vencidos,

Numa guerra civil de atrevidos.

 

53

 

Da Alemanha volta o prisioneiro,

Magro, somente com pele e osso,

Com fato sujo, roto, piolheiro,

Com marcas dolorosas no seu dorso...

Dirige-se ao lar, ao seu palheiro,

Na tentativa vã de ficar moço.

Mas os efeitos da maldita guerra

Não os curará os ares da terra.


54

 

Na cama, lembrava-lhe a trincheira,

O estrondo dos malditos canhões,

Os ratos correndo à sua beira,

Em busca de carne e de feijões...

A cara bonita da enfermeira,

O renascer das velhas ilusões…

Ah! Meu pobre soldado lusitano,

Sofreste dia, noite, todo o ano.

 

55

 

Mas voltemos à República Velha,

Agora no período pós guerra;

Do frágil telhado restou a telha,

De rubro barro trazido da serra;

De dinheiro, nem uma só centelha…

Tal situação nossa alma aterra.

Ai, pobre governo, pobre Estado,

Quem te tornou assim tão decepado?

 

56

 

Em mil novecentos e dezanove,

No quente e lindo mês de Agosto,

Longe o xaile e o grosso robe,

Esquecendo o azar e o desgosto,

José de Almeida ao poder sobe,

Com transcendente sorriso no rosto.

Aguentou o lugar quatro anos

Apesar das perfídias e enganos.


57

 

Seguiu-se Manuel Teixeira Gomes, 

Equilibrando o barco dois anos;

 Escritor de personagens disformes,

Inimigo de reis e de tiranos,

Dos militares e seus uniformes,

Amigo de morenos africanos.

Não terminou curso superior,

Por falta de disciplina, rigor.

 

58

 

Eis de novo Bernardino Machado,

Ao leme dum navio à deriva;

Um pouco velho, calvo, corcovado,

Mas a esta luta não se esquiva.

Sábio, em Coimbra doutorado,

Um pensador profundo, alma viva.

Tenta levar barco ao seu destino,

Com a ajuda do seu deus bambino.

 

59

 

Sorte reserva-lhe cruel surpresa,

O demo está sempre à espreita;

Embora deus tenha farta a mesa

Surge de repente a vil maleita…

Do Baixo Minho vem uma surpresa,

Uma revolta militar perfeita!

Gomes da Costa, velho general,

Destrói a República, é letal.


60

 

O pobre homem, velho, tão cansado,

Desiste, pede sua demissão;

Leva com ele capote, cajado,

Um sonho truncado, desilusão...

Ficou com o seu peito coalhado,

Na sua boca uma oração. 

Dedicar-se-á à filosofia,

Até à morte, derradeiro dia.

 

61

 

A pátria, sua democracia,

Acabam agora e tristemente;

Será que ressuscitarão um dia,

Neste Portugal frágil e doente?!

Quem vai à forte luta, quem porfia,

Defenderá ilhas e continente?

É preciso calcar a ditadura,

Mandá-la para a funda sepultura.

 

62

 

Venham do Olimpo os seus titãs,

Da Bíblia venha David, Sansão…

Venham dos lagos e poços as rãs…

Tragam fisgas, setas, lanças na mão,

Untados com óleo de avelãs,

Couraças a proteger coração.

Ajudem-nos nesta tarefa nobre,

Limpar a dor, o luto que nos cobre.


63

 

Esquecia-me de Gago Coutinho…

Do amigo Sacadura Cabral;

Ambos amantes do mundo marinho,

O primeiro inventor genial.

Navegando em navios de pinho

Percorreram mares e areal.

O aparelho chamado sextante

Tornou nossos voos menos errantes.

 

64

 

Gago Coutinho chegou a almirante,

Cabral era tenente da marinha;

Sobre o Atlântico, feito gigante,

Voaram até ao Rio, asinha...

E ajudados pelo deus «tronante»,

Subiram ao Olimpo de escadinha.

Heróis deste mundo, do universo,

Cantá-los-ei em prosa e em verso.

 

65

 

Estes homens ficaram na História

Pelos bons feitos que realizaram;

Jamais serão apagados da memória

Deste povo que eles sublimaram…

Venceram, vitória a vitória,

Todas as tentativas que encetaram.

Bem merecem uma bela estátua,

Mesmo que seja leve, oca, fátua.


 // continua...

Sem comentários:

Enviar um comentário