domingo, 11 de fevereiro de 2024

SONETOS DO SOL E DA LUA

Por Joaquim A. Rocha 





MORTE NO CAMPO

(152)

 

// continuação de 27/11/2023. 

 

Numa tarde de ténue nevoeiro,

Caim, roído de ódio e inveja,

Leva ao reino do pardal, da narceja,

O pastor Abel, seu irmão inteiro.

 

Mata-o, como quem mata carneiro,

Sem dó, nem piedade que se veja,

Um suspiro de dor, leve que seja,

Com a crueldade de carniceiro. 

 

A essa hora está Javé dormindo,

Num sono profícuo e profundo,

A sua santa mente divertindo…

 

Quando acorda vê o moribundo.

A seu lado, o assassino rindo,

Achando-se vingado neste mundo.


 

APENAS UM SONHO

(153)

  

Ontem à noite sonhei com Jesus,

Carregando às costas pesado fardo,

Na cabeça coroa feita de cardo,

Caminhando para a maldita cruz.

 

Seus olhos faiscavam ódio e pus,

Por se sentir como um vil petardo,

Lançado por um imundo bernardo

Às ordens dos infernais belzebus.

 

Pesava toneladas, o madeiro,

O sangue escorria pelas veias,

Sofre em prol da perenidade…

 

Nesse dia, pra ele o derradeiro,

Ouviam-se ao longe as sereias,

E eu cantei hinos à eternidade.

 

 

ABREM OS TEMPOS…

(154)

  

Abrem os tempos brechas nos castelos,

Põe verdete nas faces dos metais,

Derrubam as árvores colossais,

Devoram tinta de painéis tão belos!

 

Mas os deuses usaram tais desvelos,

Prendas, atrativos, dons naturais,

Em rostos femininos, que jamais,

Tempo há de sumi-los, esquece-los!

 

Apenas a morte vai um dia desfazer,

O trabalho das divinas criaturas,

Obra-prima do viril universo.

 

Vai exibir seu infindo poder…

Restarão os ossos, frágeis esculturas,

Para o vate cantar num frugal verso.

 

Este soneto foi inspirado num outro de Ribeiro da Silva (ver Notícias de Melgaço n.º 369, de 26/9/1937).  


// continua...

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