POEMAS DO VENTO
Por Joaquim A. Rocha
Já lá vai o Dom Quixote
Por esse mundo além;
Leva espada e chicote,
E no bolso um vintém.
Trava luta com moinho,
Que se movia a vento;
Percorre Castela, Minho,
Cheio de garra e tormento.
Leva com ele o “Pança”
Semidoido, sem abrigo;
No caminho canta, dança,
Ignorando o vil perigo!
Busca, em vão, namorada,
Uma dama da nobreza,
Não quer da corte a criada,
Só lhe serve uma princesa.
Livros de cavalaria
São comida preferida;
Lutas contra a mouraria,
Alimentam sonho e vida.
Descobre a sua amada
Num campo de trigo e milho;
Chama-lhe fada encantada,
Que o deus pôs no seu trilho.
Deu-lhe o nome Dulcineia,
A mais bela deste mundo;
Mostrava ares de plebeia,
Rosto grosso, furibundo.
Mas o amor, a paixão,
Escondem realidades;
Os olhos do coração
Trazem à tona inverdades.
Venceu ventos e maré,
Na sua imaginação;
Cavaleiros sem a fé,
No Jesus da salvação.
Morreu, pobre, amargurado,
Sem energia, sem sonhos;
O seu cérebro cansado,
Com pesadelos medonhos.
Despediu-se desta vida
Tal velho índio na serra;
A sua veia atrevida
Cedeu ao tempo, à guerra.
«São rosas, Senhor!», são rosas…
Diz a santa ao seu rei;
Eram versos, eram prosas,
Eram lendas, era a lei.
Restos de pão bolorento,
Para oferecer aos pobres;
Esmola largada ao vento,
Um gesto santo dos nobres.
Eram rosas do jardim,
Rosas de todas as cores;
Mais cheirosas que jasmim,
As mais ternurentas flores.
O rei há muito temia
Pelo seu belo tesouro;
Por ele até mataria:
Fosse cristão, fosse mouro!
A rainha, cautelosa,
Guardava-as no regaço;
Já decorara a prosa
Para iludir o madraço.
O rei não se importava
Que ela desse o pão duro,
Mas rosas, que ele amava,
A seus olhos
era impuro.
Ela era mulher santa,
Capaz de fazer milagres;
De trapo fazia manta,
De água suja, vinagres!
Transformava pão em rosas,
Tal como um ilusionista;
Os melros eram felosas,
O mudo era um fadista!
Morreu a santa rainha,
Levou a arte com ela;
O moinho faz farinha,
No mar segue caravela.
Essa treta dos milagres,
É mais antiga que a Terra;
São como vinhos agres:
Neles tormentos encerra!
// continua...
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