quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

POEMAS DO VENTO

Por Joaquim A. Rocha 



Já lá vai o Dom Quixote

Por esse mundo além;

Leva espada e chicote,

E no bolso um vintém.

 

Trava luta com moinho,

Que se movia a vento;

Percorre Castela, Minho,

Cheio de garra e tormento.

 

Leva com ele o “Pança”

Semidoido, sem abrigo;

No caminho canta, dança,

Ignorando o vil perigo!

 

Busca, em vão, namorada,

Uma dama da nobreza,

Não quer da corte a criada,

Só lhe serve uma princesa.

 

Livros de cavalaria

São comida preferida;

Lutas contra a mouraria,

Alimentam sonho e vida.

 

Descobre a sua amada

Num campo de trigo e milho;

Chama-lhe fada encantada,

Que o deus pôs no seu trilho.

 

Deu-lhe o nome Dulcineia,

A mais bela deste mundo;

Mostrava ares de plebeia,

Rosto grosso, furibundo. 

 

Mas o amor, a paixão,

Escondem realidades;

Os olhos do coração

Trazem à tona inverdades.

 

Venceu ventos e maré,

Na sua imaginação;

 Cavaleiros sem a fé,

No Jesus da salvação.

 

Morreu, pobre, amargurado,

Sem energia, sem sonhos;

O seu cérebro cansado,

Com pesadelos medonhos.

 

Despediu-se desta vida

Tal velho índio na serra;

A sua veia atrevida

Cedeu ao tempo, à guerra.

 


«São rosas, Senhor!», são rosas…

Diz a santa ao seu rei;

Eram versos, eram prosas,

Eram lendas, era a lei.

 

Restos de pão bolorento,

Para oferecer aos pobres;

Esmola largada ao vento,

Um gesto santo dos nobres.

 

Eram rosas do jardim,

Rosas de todas as cores;

Mais cheirosas que jasmim,

As mais ternurentas flores.

 

O rei há muito temia

Pelo seu belo tesouro;

Por ele até mataria:

Fosse cristão, fosse mouro!

 

A rainha, cautelosa,

Guardava-as no regaço;

Já decorara a prosa

Para iludir o madraço.

 

O rei não se importava

Que ela desse o pão duro,

Mas rosas, que ele amava,

 A seus olhos era impuro.

 

Ela era mulher santa,

Capaz de fazer milagres;

De trapo fazia manta,

De água suja, vinagres!

 

Transformava pão em rosas,

Tal como um ilusionista;

Os melros eram felosas,

O mudo era um fadista!

 

Morreu a santa rainha,

Levou a arte com ela;

O moinho faz farinha,

No mar segue caravela.

 

Essa treta dos milagres,

É mais antiga que a Terra;

São como vinhos agres:

Neles tormentos encerra!


// continua...

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