OS NOVOS LUSÍADAS (...)
Por Joaquim A. Rocha
// continuação de 7/08/2023
83
Em
Angola nada era diferente:
Imensas
tribos de gente guerreira,
Orgulhosos
do chão e continente,
Usando
dialetos “chiadeira”,
Que
transmitiam ao seu descendente.
Corpos
sãos, viris, alma verdadeira.
Tinham
pátria, longos territórios,
Os
seus rituais, os seus purgatórios.
84
Tinham
chefes, guerreiros destemidos,
Capazes
de seu solo defender;
Tinham
pouca roupa, quase despidos,
Casas
não eram coisa de se ver.
A
natureza dava-lhes os vestidos,
Inúmeros
manjares para comer.
Tinham
imensa pesca, muita caça,
Para
beber tinham água e cachaça.
85
Tudo
muda ao chegarem os lusos,
Aventureiros
e conquistadores;
Cabeças
loucas, sem dois parafusos,
Fidalgos,
camponeses, pescadores;
Habituados
a praticar abusos,
Querem
ser de África os senhores.
Com
os negros iniciam a guerra,
Pela
posse dos corpos e da terra.
86
Será
luta longa, muito renhida,
Com
altos e baixos de ambas as partes;
Ali
a piedade não tem guarida,
Mata-se
com furor e várias artes...
Nenhuma
força se dá por vencida,
Todos
têm por seu chefe o deus Marte.
Artur
de Paiva e Paiva Couceiro
São
símbolo máximo do guerreiro.
87
Forçosa
campanha a do Bailundo,
Em
que brilhou Massano d’Amorim;
Tremeu
a terra, todo este mundo,
Sofreu
Manel, António, Joaquim,
E
até o transmontano Raimundo
Viu
chegar a sua vida ao fim.
A
seguir enfrentam-se cuamatas,
Caras
pintadas, assanhadas gatas.
88
Couceiro,
João Maria d’Aguiar,
Enfrentam-nos
com muita coragem;
Mosquetes,
canhões, balas pelo ar,
Espadas
compridas, sacanagem;
Ódio
e raiva, ordens para matar…
Corpos
bailando na leve aragem.
Tudo
na vil guerra é permitido,
Ai
do desgraçado que é vencido.
89
Alves
Roçadas dá golpe final,
Nos
ditos cuamatas angolanos;
O
seu génio e arte é-lhes fatal,
Não
lhes vale a fuga ou enganos.
A
sua derrocada é total,
Falecem
como se foram garranos.
Ai,
tanta vida ali se ceifou,
Tanta
palhota, capim, se queimou.
90
Devido
ao ultimato inglês
O
povo vibrava de indignação;
Acusava
o governo português
De
permitir essa aberração.
Desejava
o modelo francês,
A
monarquia não deseja não.
Revolta
de trinta e um de Janeiro
Serviu,
dizem, de ensaio primeiro.
91
O
monarca casou com Dona Amélia,
Filha
dos nobres condes de Paris,
Descendente
d’antiga «gens» Cornélia,
E
do monarca santo, Dom Luís.
Era
linda, como uma camélia,
Nas
unhas das mãos usava verniz…
Foi
fundadora do Museu dos Coches
Perfilados
na pista tal fantoches.
92
Criou
no nosso país sanatórios,
Permitiu
aos doentes assistência;
Evitando
assim muitos velórios,
Dando
ao vírus menos resistência...
Com
a ajuda dos santos Gregórios,
De
muito dinheiro e paciência.
Não
merecia aquilo que sofreu
Vendo
morrer marido e filho seu.
93
Dom
Carlos recebeu muita visita:
Eduardo
Sétimo, rei inglês,
Afonso
Treze, de face esquisita,
Loubet,
digno presidente francês,
Guilherme
Segundo, o rei da guita;
E
ainda um nobre escocês…
Era
um verdadeiro diplomata,
Agradando
a grego e croata...
94
Porém,
é severamente acusado
De
governar mal, esbanjar dinheiro;
Viver
como um rico potentado,
E
o povo como um aguadeiro;
Poucos
ricos, alguns remediados,
Fome grassava no país inteiro.
Os
progressistas, regeneradores,
Alimentavam
fraudes e favores.
95
O
rei devia dinheiro ao Estado,
Muitas
centenas de contos de réis;
Pedira-o
aos cofres emprestado,
Para
alimentar amantes e corcéis.
Tinha
o seu iate aparelhado,
Frequentava
tabernas e bordéis.
Bebia
que nem um grande camelo,
Comia
como esfomeado vitelo.
96
Lutava-se
no grave Parlamento,
Ninguém
acredita nas eleições;
O
dia a dia é um tormento,
Agitam-se
as almas, corações...
O
zé povinho julga-se jumento,
Carregando
no lombo ilusões.
Dom
Carlos diverte-se, vai à caça,
Ignora,
fecha os olhos à desgraça.
97
Tudo
isto é um regabofe,
Uma
farsa, autêntica orgia;
Coisas
que não cabem numa estrofe,
Nem
em bela peça de fantasia…
Mesmo
que o ousado autor nos mofe,
Numa sala do Porto ou Leiria.
Quem
me dera a mim estar presente
Para
correr do trono aquela gente.
98
Depois
de tanta coisa acontecer,
Depois
de tantos êxitos, vitórias,
Começa
quase tudo a morrer,
São
inglórias atrás de inglórias;
Monarquia
está a perecer…
Assuntos
para futuras histórias.
João
Franco governa em ditadura,
Mas
creiam, será sol de pouca dura.
99
Mil
novecentos oito, Fevereiro,
No
seu regresso de Vila Viçosa,
O
rei, sua mulher, filho primeiro,
Em
seu peito uma bonita rosa,
Chegavam
finalmente ao Terreiro,
À
espera, multidão ansiosa.
Tudo
corria às mil maravilhas,
Guerras,
tumultos, estavam a milhas.
100
Triste
dia, no Terreiro do Paço,
Quando
gaivotas cruzavam o ar,
Carlos
encostado ao doce regaço,
Janelas
abertas de par em par…
Um
assassino, cheio de bagaço,
Começa,
maluco, a disparar.
Morre
o rei e seu filho Luís,
Fica
cismado o povo, o país.
101
Ninguém
esperava cena assim,
Uma
morte tão cruel, violenta;
Como
se fora bandido, ruim,
Homem
zangado, prenhe de tormenta.
Teve
alegre vida, triste fim…
Como
a papoila, folha de menta.
Portugal
ficou de eterno luto,
E
o pobre coração devoluto.
102
O
seu filho segundo, Manuel,
Moço,
obviamente impreparado
Para
desempenhar esse papel,
Senta-se
no trono, mui acanhado...
Veste
a farda, monta no corcel,
Atira-se
ao mundo desamparado.
Pede
ajuda ao povo, aos partidos,
Mas
já estão derrotados, vencidos.
103
Tenta
fornecer bem o seu farnel,
Mas
sem experiência nem saber
Não
se pode produzir cera, mel,
Para
isso é necessário aprender.
Não
adianta ser bom ou cruel,
É
fatal ganhar guerras, não perder.
Partiu
chorando da sua cidade,
Morreu
no estrangeiro de saudade.
104
Em
África continua a campanha
Contra
os territórios dos Gambos,
Tribos
do Pocolo e Guanhama;
João
Almeida e Amorim, ambos,
Chafurdam-nos
a todos na vil lama...
Os
negros fogem, com os membros bambos.
Em
Moçambique, Angoche já cede,
Tudo
isso a borrasca precede.
105
A
monarquia está agonizante,
Ninguém
se entende na hora derradeira;
Vende-se
cordão de ouro, o brilhante,
Hipoteca-se
a quinta e a leira.
E
tudo estiola num instante,
Seja
no Douro, Minho, ou na Beira.
Cresce
o partido republicano,
Com
a propaganda de muito ano.
106
Cai
o antigo regime monárquico,
Ninguém
o lamenta, ninguém o chora;
Volta-se
ao velho tempo autárquico,
O
liberal foi levado pela nora
Para
os lados frios do antártico,
Comendo
tristemente sua tora.
Não
se critique o liberalismo,
Pois
foi melhor do que o absolutismo.
107
Mil
oitocentos vinte é História,
Orgulho
desta antiga nação,
Patriotismo,
garra, alta glória,
Nascimento
da constituição…
Promotores
fugiram da vanglória,
Lutaram
com certeza por paixão.
Tomás,
José Borges, Silva Carvalho,
Juntos,
provocaram o reviralho.
108
Tanta
coisa se podia contar
Deste
período tão agitado;
As
lutas, estórias de encantar,
Naufrágios
no bravo mar salgado...
Costumes,
namoricos ao luar,
Um
pequeno coração destroçado.
Falta-me
a tal veia criadora,
Uma
alma viva e sonhadora.
109
«Somos um povo de brandos costumes»,
Diz-se
por aí, mas sem qualquer razão;
Houve
três guerras civis, azedumes,
Assassínios,
a cruel inquisição…
A
maldade atingiu altos cumes,
Roubaram
ao nosso povo o pão.
Mesmo
assim somos gente com sorte,
Pois
temos belo sol de sul a norte.
110
Temos
muitas praias maravilhosas,
Um
país lindo, as ilhas, ar puro;
Temos
obras de arte graciosas,
Rico
vinho verde, e o maduro…
Temos
imensas árvores frondosas,
Belos
rios, a vida com futuro.
Também
temos alguns incendiários,
E
governos bastante perdulários.
111
Temos
o futebol e muito fado,
Turistas
de todo canto do mundo;
Alguma
pesca, fruta, algum gado,
Um
teatro cativante, fecundo...
Cinema
nasceu bem e mal fadado,
Mas
aguentou-se, não foi ao fundo.
A
ciência é nosso ponto forte,
Quer
no sul, ilhas, no centro ou norte.
112
Temos
o ótimo queijo da serra,
Sável
e lampreia do Rio Minho;
O
bom presunto da nossa terra,
A
doce ginjinha, o alvarinho…
O
cabrito está sempre na berra,
O
fiel amigo, o «cozidinho»…
Rica
feijoada à transmontana,
A
famosa sopa à Juliana.
113
Temos
saboroso queijo de cabra
Produzido
no Minho, em Melgaço;
Coisas
boas da Quinta do Seabra,
O
licor beirão, o rico bagaço…
E
para que a porta do céu se abra
Grelhe-se
do porco o seu cachaço.
E
por fim lampreia à bordalesa
Ficava
otimamente à mesa.
114
Junto
às praias, uma caldeirada,
De
peixe muito fresco e marisco;
Apetitoso
leitão à bairrada,
E
javali, agressivo, arisco…
Truta
marisca frita ou grelhada,
Apanhada
com amostra ou isco.
Tudo
servido com ótimo vinho,
Seja
branco, tinto, ou palhetinho.
115
Faltava
a rica sopa de pedra,
O
suculento bacalhau à Brás,
Que
até ressuscitaria Fedra,
Que
no reino de Perséfone jaz.
Tudo
com uma pitada de ajedra,
E
a bela pinga de Monsaraz.
Não
esquecer a canja de galinha,
Se
ela for do campo e bem gordinha.
116
E
por fim, tripas à moda do Porto,
Também
amêijoas à Bulhão Pato;
No
natal um peru bastante torto,
E
uma lebre caçada no mato…
E
depois de tudo ficar absorto,
Eu
nessa mesma tecla jamais bato.
Falemos
do famoso Barrigana,
Ou
das cartas de soror Mariana.
117
Regue-se
tudo com o nosso azeite,
O
melhor de todo o cosmos, talvez;
Azeitonas
pretas, verdes, são deleite,
Das
papilas do povo português…
Não
me peçam que mais a vós receite,
Se
não zanga-se o grego, o francês.
Não
esquecer a rica doçaria,
Feita
em Guimarães ou Trafaria.
118
À
sobremesa coma-se arroz doce,
Ou
deliciosos pastéis de nata;
Bolinhos
de jirimu, mais que fosse,
As
rabanadas, não muitas que mata…
Bolo-rei,
rainha, mesmo precoce,
Figos
maduros, pêssegos sem lata.
Para
finalizar um vinho fino,
Mas
pouco, para não perder o tino.
119
Depois
dum bom repouso a leitura,
De
lusos autores de preferência;
Os
bons livros trazem-nos a cultura,
Dão
ao cérebro mais resiliência…
Deles,
nem miséria nem fartura,
Se
não os há notamos sua ausência.
Devemos
ter algum à cabeceira
Repousarmos
em paz à sua beira.
120
Leiam
«Os Maias» d’Eça de Queirós,
De
Camilo, «Amor de Perdição»;
Os
contos de nossos pais e avós,
A
prosa de Ramalho Ortigão…
Leiam
em silêncio, os dois sós,
Ou ouvindo melódica canção.
Leiam
o vate, trovador Antero,
Pensador
profundo, muito austero.
121
Os
Sonetos d’Antero de Quental
São
obra de um artista sublime;
No
estrangeiro, ou em Portugal,
Quem
o lê a sua alma redime…
As
suas odes não têm igual,
Mesmo
que um verso coxo não rime.
Foi
filósofo, grande polemista,
Místico,
romântico, “socialista”.
122
Por
suicídio, buscou a morte,
Desiludido,
cansado, descrente;
Homem
boémio, sem paz ou sorte,
Na
vida sempre triste, descontente…
Caminhando
entre o sul e norte,
Num
mar de ideias, contra corrente.
Seu
espírito vive entre nós,
Consolando-nos
com a sua voz.
123
E
porque não ler Júlio Dinis,
Dramaturgo,
poeta, romancista;
Cuja
leitura nos torna feliz,
Faz
bem ao ego, não cansa a vista.
As
figuras, feitas a fino giz,
Surgem
num cenário são, bairrista.
Que
pena foi ter morrido tão novo,
Deixando
a chorar todo um povo.
124
No
teatro do nosso Gil Vicente,
(Cujas
peças nos convida a rir),
O
humor está aí sempre presente,
É
um jardim com rosas a florir.
Alegrou
a corte e demais gente,
Partindo
deste mundo a sorrir.
Criou
uma data de personagens,
Que
ainda vivem nestas paragens.
125
Suas
burlescas farsas e comédias,
São
sem qualquer dúvida obras-primas;
Tal
como na Grécia as tragédias,
Com
domínio da métrica, rimas…
Navega
em ondas altas e médias,
Para
as interpretar usava mimas.
A
obra do brilhante Mestre Gil
Jamais
será vetusta, ou senil.
126
O
Doutor Francisco Sá de Miranda
Trouxe
de Itália o soneto;
Descobriu-o
na longa demanda,
Duas
quadras e um duplo terceto.
Nada
disso consta por esta banda,
Apenas
brincadeiras de careto.
Trouxe
também comédia em prosa,
Fosse
ela negra ou cor de rosa.
127
«Menina
e Moça» de Bernardim
É
uma novela com mui valor;
Com
cheirinho a cravos, a jasmim,
Lê-se
com paixão e muito amor…
Nasceu
num canteiro de um jardim,
Após
um parto com alguma dor.
Os
deuses aconselham a leitura,
Porque
como esta não há fartura.
128
De
poetas e outros escritores,
Falaria
todo dia e noite;
Não
para receber fáceis favores,
Ou
para evitar o vil açoite…
Mas
porque são eles os meus amores,
Contradizer-me
ninguém se afoite.
Nos
versos e prosa me refugio
Quando
o meu ego está frio.
129
Na
aldeia tocam sinos a rebate,
Algo
de terrível aconteceu;
O
maior profeta, o maior vate,
Tombou
no duro chão, ali morreu.
Ninguém
o solte, ninguém o resgate,
Os
anjos levá-lo-ão para o céu.
Seus
poemas sulcarão universos,
Por
planetas e sóis serão dispersos.
130
Não
sei seu nome falso ou verdadeiro,
Nem
o nome de seus progenitores;
Se era médico, trolha, engenheiro,
Se
na vida teve muitos amores…
Sei
que era vate de corpo inteiro,
Escrevendo
mil versos redentores.
Não
deixou viúva, não deixou filhos,
Apenas
saudade e novos trilhos.
131
Legou-nos
seu fabuloso tesouro,
Suas
palavras sábias, eruditas;
Amava
o cristão, judeu e mouro,
Freiras
franciscanas e carmelitas…
Espalhava
pólen como o besouro,
Dormia
em grutas como os trogloditas.
Era
filho dum deus muito antigo,
E
duma mulher pobre, sem abrigo.
// continua...
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