OS NOVOS LUSÍADAS
(tentativa de continuação de «Os Lusíadas» de Camões)
Por Joaquim A. Rocha
Introdução
Este ciclópico trabalho tem como balizas a
chegada a Portugal de Vasco da Gama, finais do século XV, mais concretamente em
1499, e o 25 de Abril de 1974. Camões serviu-se das crónicas, de relatos de
alguns marinheiros experimentados, da riquíssima mitologia, dos deuses e deusas,
retirados dos panteões grego e romano sobretudo, para compor os seus versos; eu
também recorrerei à mitologia, mas em pequena escala, em pequenas doses, pois
os tempos são outros, as mentalidades mudaram, ninguém pode parar a história,
as divindades dormem agora sossegadas nos seus leitos celestiais. O que ontem
foi sério e agradável, tornar-se-ia ridículo em nossos dias. Já quase ninguém
acredita em seres imateriais, pairando sobre as nuvens, cavalgando estrelas imaginárias.
O materialismo, a ciência, apoderou-se das nossas mentes, mudou os nossos
hábitos, fez-nos ver as coisas por outro prisma. O regime capitalista domina o
planeta já há alguns séculos, o consumo é o objetivo principal da humanidade.
Todos desejam ardentemente ter carro, casa na cidade e na praia, gozar férias
no estrangeiro, todos os bens e vícios possíveis e imaginários, quantos deles
inúteis e até perniciosos.
Estes “Novos Lusíadas” do século XXI serão
marcados pelo confronto entre as histórias oficiais. Tudo aquilo que alguns
historiadores nos impingiram será posto em causa. A história não é, nunca será,
uma crença, mas sim uma objetividade. Os factos aconteceram, ninguém o pode desmentir,
mas a maneira de os narrar é muitas vezes diferente de historiador para historiador.
A história é desde há séculos uma ciência, rege-se por padrões diferentes da
poesia, pura arte, mas nem a ciência nem a arte podem inventar a verdade, esta
surge por si mesma, apesar de mascarada, ou dormindo no enigmático limbo. De
qualquer modo, os Lusíadas, quer os de Camões ou os meus, jamais serão
história, mas a descrição de um tempo, de uma época, vivida, ou ensaiada, pelos
naturais de um país chamado Portugal. É certo que nem todos os portugueses
foram heróis, cientistas, ou “santos”; a maior parte deles foram sobretudo
mártires de regimes ditatoriais, da fome, doenças e vários infortúnios. Nunca
foi fácil ao povo singrar, quer na monarquia (absolutista ou liberal), quer na
primeira república, muito menos na ditadura militar ou no regime corporativista
de Salazar e Caetano, ou seja, no auto designado Estado Novo. O povo inculto,
trabalhador, quase escravo, sobreviveu ao longo dos séculos quase nos limites.
Foram recrutados para os chamados descobrimentos, para as diversas guerras, quer
em África, quer em vários países desta velha Europa, para os trabalhos duros e
mal remunerados do campo, da fábrica, das obras públicas e privadas, mas nunca
para se sentar na mesa dos poderosos. Alguns, poucos, foram trepando, à custa de
muito engenho e arte, tornando-se, quase todos (?), autênticos carrascos,
vingando-se desse modo dos tempos de pura miséria.
A guerra colonial foi terrível para o
nosso país; treze anos de lutas intensas, várias mortes e milhares de feridos,
doenças do foro psiquiátrico, eis o balanço desses malditos, tenebrosos treze anos.
Salazar e Caetano, sobretudo o primeiro, poderia ter evitado o conflito; mas
não quis. Não sei se mal aconselhado, ou agindo subjetivamente, provocou, com o
seu acto irrefletido, no país, uma onda gigantesca de terror e medo, obrigando
imensos jovens a fugir para o estrangeiro, deixando muitos concelhos quase só
com idosos. Quanto a mim, na História de Portugal deve figurar como um
criminoso, da mesma estirpe de Franco, Mussolini e Hitler, entre outros
terríficos ditadores. Nunca lhe teria passado pela cabeça que mais cedo ou mais
tarde as colónias portuguesas obteriam a independência, tal como as colónias de
outros países? Mumificou, o homem! Ou pensava que os negros, por terem essa
cor, eram parvos e inócuos? O 25 de Abril de 1974, o derrube do regime do
Estado Novo, a independência das colónias, veio arrumar a Casa Portuguesa. Portugal
Continental, as Ilhas dos Açores e da Madeira, são o nosso verdadeiro país.
Falta-nos, é certo, Olivença, desde 1801 em poder da Espanha, mas se calhar
agora já é tarde para a recuperarmos ou mesmo para a reivindicarmos.
Uma das
coisas que quero chamar a atenção do leitor é para o facto deste poema ter
apenas cerca de metade das estrofes de «Os Lusíadas». A epopeia de Camões
contém mil cento e duas estâncias (oito mil oitocentos e dezasseis versos), metade delas relacionadas com a mitologia grega e romana.
Eu adoro mitologia, mas penso que no século XXI não faz muito sentido
utilizá-la com a mesma pujança com que Luís Vaz a usou.
Prólogo
Cantarei
de novo os portugueses,
Ilustrarei
seus actos grandiosos,
Sem
os defeitos que quantas vezes
Surgem
aos olhos de outrem odiosos;
Não
tomarei como exemplo ingleses,
Nem
tão pouco outra raça d’orgulhosos.
Exaltarei
o brio da nossa gente,
Seja
forte, alegre ou dolente.
2
Cantarei
escritores, cientistas,
Médicos,
enfermeiros, enfermeiras,
Os
camponeses, os retratistas,
Os
operários e lavradeiras…
Não
cantarei os malvados farsistas,
Nem
as odiosas alcoviteiras.
Cantarei
o povo são, verdadeiro,
Excluindo
o mau, o desordeiro.
3
Os
empregados de mesa, bancários,
Todos
que trabalham honestamente;
Cozinheiros,
os bons funcionários,
Povos
das ilhas e do continente…
Não
cantarei os reles mercenários,
Os
parasitas sem alma nem mente.
Cantarei
os músicos, os pintores,
Artistas
de cinema, varredores.
// continua...
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