MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
Por Augusto César Esteves
// continuação...
Cioso
como era da jurisdição real e porque de um abuso se tratava, não se admira a
rapidez de D. Dinis para cortar, ainda neste ano de 1307, de uma única
tesourada, não só nesta Vila, mas em todo o Alto-Minho, os voadouros do bispo
de Tui, nosso prelado de então. Porque e como o fez, sem apresentar protestos
nem trocar notas diplomáticas com o mitrado galego, di-lo esta pequena carta
régia da sua Chancelaria:
«D. Dinis, pela graça de Deus rei de Portugal e do Algarve, a
vós, juízes e justiças de Melgaço, e de Pena da Rainha, e da Terra de Valadares
e de Monção, e de todas as outras terras dos meus reinos, saúde. Sabei que eu
fui informado pelos meus tabeliões dessas terras de Melgaço e de Pena da Rainha
e de Valadares e de Monção que o bispo de Tui fez tal postura e tal constituição
em seu Conselho Geral que todos os clérigos dos meus reinos que pertencem ao
seu bispado, tanto os priores como os abades, como as abadessas, como todos os
outros prelados, sob pena de excomunhão se não fizessem cartas, nem prazos, nem
instrumentos, nem outras escrituras de servidão, senão pelo seu notário da
cidade de Tui, e que antes confirme os priores e os abades e as abadessas, e os
outros prelados que são dos meus reinos, fazem-nos jurar sobre os santos
evangelhos que não façam nenhuma das ditas escrituras senão pelos seus notários
de Tui. Porque ele, isto não podia fazer de direito e o faz contra a minha
jurisdição maiormente que os clérigos do seu bispado que são do meu senhorio
apelaram desse bispo para o papa sobre isto, e por outros agravamentos que lhes
fazia, porém mando e tenho por bem que as escrituras que os notários do bispo
de Tui fizeram não valham nem façam fé perante vós nem em todo o meu senhorio.
E mando a todas as justiças das minhas terras, sob pena dos corpos e dos haveres,
que guardem e façam guardar esta minha carta e que a façam publicar em seus
concelhos. E mando aos tabeliões que a registem em seus livros. Dada em Coimbra
no 1.º dia de Dezembro, el-rei o mandou, Martinho Lourenço a fez. Era M.CCC.XLV
anos.»
Não
andam nos livros de História grandes referências sobre as distracções
preferidas por D. Dinis e no entanto não deixaria de se apurar a sua propensão
para o jogo. Para essa monografia, dou eu uma achega sacada da história de
Melgaço. Ei-la: com os juízes e concelho de Melgaço, jogou ele o rapa, pois lhe deu por carta de 25/2/1312
a terra de Valadares como alfoz, mediante o pagamento de trezentas libras pelos
seus foros e direitos e em 1/6/1319 lha retirou da sua jurisdição por tal
avença só forjar questões, como ele o disse por estas palavras:
«E
eu vendo isto por partir contenda e demanda que entre eles havia por razão dos
juízes que o concelho de Melgaço havia a meter e irem todos a seu julgado pelos
direitos que haviam de tirar em essa Terra de Valadares fazendo-se aí uns aos
outros muitos agravamentos. Tive por bem de lhes fazer aí mercê e quitei aos de
Melgaço as ditas trezentas libras que me haviam de dar pela dita Terra de
Valadares e filhei-a em mim.»
Curto é este extracto e pena é, decerto - dirão alguns leitores – não se
publicar já na íntegra a última carta dionísia e, efectivamente, pena é, só
pelo que se mostra da grandeza do termo e deixa entrever do bairrismo dos
valadarenses, mas estes e os estudiosos do passado melgacense poderão ler no
Apêndice, entre outros, estes documentos da chancelaria de D. Dinis. // Mas
nestes muros há um grupo de pedras na mesma fila reunidas pelo destino, para
falarem à alma melgacense só do reinado de D. Afonso IV. Quatro são elas para
contar, cada uma, seu feito diferente. Uma parece dizer: - Eu sou velhinha, muito velhinha mesmo. Nesta face alisada pelo canteiro
o musgo de tantos séculos já me cavou rugas fundas e, à força de viver, já
também sinto o cansaço da memória; mas o melgacense pode ainda hoje reviver
comigo aquelas horas frenéticas de trabalho e frenéticas de entusiasmo, que
precederam a guerra com Castela.
Foi em princípios de 1336 que D.
Afonso IV fez o apelo no reino e Melgaço a ele respondeu. O concelho, segundo
as listas organizadas, convocou logo os cavaleiros vilãos, os lanceiros e,
quiçá, o corpo de besteiros do termo, tantos quantos devia fornecer à hoste e o
alcaide-mor preparou bem a resistência, aprovisionando a praça de munições e de
vitualhas, acabando por enchê-la com a sua gente de guerra. Rui de Pina não o
diz expressamente, porque os cronistas do seu tempo tanto não esmiuçavam, mas
pelas palavras da Crónica de el-rei D.
Afonso o quarto, isso se infere, como vereis:
«...logo com grande pressa foram cartas e mandados pelo reino
que todos com mais gentes que pudessem e com cavalos e armas se percebessem e
estivessem logo prestes até um dia certo, e assim mandou a todos os alcaides e
cavaleiros dos Extremos que logo com todo o mal e dano assim começassem a
guerra contra Castela e naturais dela, matando, roubando, e queimando, e cativando,
assim como contra inimigos mortais, porque por tais os tinha, e sobre isso mandou
logo velar e roldar (rondar) as suas Vilas e castelos, e acalmá-los, e
provê-los de mantimentos e armas e gentes, e de tudo o mais que cumprisse para
cercos e para quaisquer outras necessidades de guerra se lhe sobreviesse e logo
mandou...»
Diz outra: …
Tudo isto, anda nos livros;
questão é perscrutá-los com interesse e carinho. Foi no estio desse ano de 1336
que, à ordem de el-rei, o seu irmão D. Pedro, conde de Barcelos e autor do
nosso primeiro livro de linhagens, cobriu de tropas toda a fronteira do rio
Minho. Isso fez com as «gentes das comarcas de Entre Douro e Minho, e Trás-os-Montes»,
e como no termo daquelas se inclui esta vila tenham por certo estarem no grosso
das tropas reunidas em Valença, à volta do quartel-general estabelecido no convento
de Ganfei, toda a gente convocada nos começos do ano, ou quantos mais não
fossem, os reguengueiros de Melgaço, bisonhos, talvez, mas animosos e
preparados para a toda a hora entrarem pela Galiza a dentro. // E esse momento
chegou quando o arcebispo de Santiago, fronteiro da Galiza, e Rui Pais de
Bania, adiantado ([1])
galego, puseram o seu exército em marcha na esperança de encontrarem
desprevenido e despreocupado o capitão português. Avisado desta marcha, D.
Pedro vadeou as águas do Minho com sua hoste e foi ao encontro do inimigo:
poucas horas gastou para o encurralar no castelo da Entença e três dias lhe
chegaram para queimar e devastar toda a Galiza, desde La Guardia até Santiago, «…onde fez muito dano
com roubos, e mortes, e cativeiros de muitos que trouxe a Portugal com grande
honra, e bom nome que o conde Dom Pedro nesta frontaria ganhou, porque houve
nela resistências, e pelejas com o arcebispo de Santiago que era o fronteiro, e
com outros senhores daquelas partes, dos quais alguns desbaratou, e pôs em
fugida, e outros cercou com muito esforço, e preitejou ([2])
como quis.»
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