ENTRE MORTOS E FERIDOS
romance
Por Joaquim A. Rocha
// continuação...
- A que se refere concretamente? – pergunta o jovem, algo perturbado.
- Refiro-me aos africanos das antigas
colónias. Muitos deles, milhares, depois da descolonização e independência,
refugiaram-se em Portugal e por aqui vão permanecendo, desenraizados. Em Lisboa
e arredores: Almada, Amadora, Odivelas, Sacavém, Loures, eu sei lá bem, e até
um pouco por todo o país, instalam-se em barracas e habitações degradadas,
desta maneira aumentando incomensuravelmente as dificuldades dos municípios em
termos de habitação e segurança, não falando já na estética. Vieram também gerar
inúmeros problemas sociais: são as escolas, os centros de saúde, os hospitais,
que vêem em pouco tempo aumentar o número de utentes; são os empregos que
faltam; o crime que cresce dia a dia; são os seus costumes que chocam, colidem,
com os dos autóctones; o problema da língua, pois a maioria não falava, por
incrível que isso pareça, português. Por outro lado, as mulheres africanas dão
à luz um filho praticamente todos os anos e durante vários anos. Isso significa
que dentro de vinte ou trinta anos Portugal não terá capacidade económica para
assegurar a toda a população um nível de vida adequado. E a Segurança Social?
Aguentar-se-á com tanta despesa?
Será novamente a emigração, a
debandada para outros países mais ricos? Mas como, se as novas tecnologias
reduzem o número de operários? Será que a Alemanha, a França, a Suíça, precisam
de mão-de-obra portuguesa?! Qualquer dia nem o Canadá, ou os Estados Unidos,
necessitarão de operários estrangeiros.
- O meu amigo Cândido é um pessimista.
Traça e prevê um futuro apocalíptico, catastrófico, para Portugal. Não acha que
os portugueses poderão um dia emigrar para esses novos países africanos? Eles
vão precisar de mão-de-obra especializada, de tecnologia, de engenheiros e
arquitectos, de professores, de médicos, enfermeiros…
Cândido não se dá por vencido com
esse argumento:
- Só o amanhã o dirá, só o amanhã o
dirá… Mas não te esqueças de que outros países mais poderosos do que o nosso,
tais como a China e o Japão na Ásia, os Estados Unidos na América, a
Inglaterra, Alemanha e França na Europa, Rússia etc., com outros recursos, quer
científicos, quer tecnológicos, aguardam com extrema paciência, e perspicácia,
a oportunidade para entrarem com armas e bagagens nesses territórios africanos,
recentemente elevados a Estados.
- Haverá lugar para todos. O Cândido
revela uma pontinha de racismo!
- Não! De modo algum. E penso que o
povo português, de uma maneira geral, também não o é. A prova disso consiste no
facto de diariamente: nos transportes públicos, nos centros comerciais, nos
cinemas, em todo o lado, convivermos com indivíduos de outras raças não os hostilizando.
Além disso, o nosso Governo e a nossa Assembleia da República nunca legislaram
no sentido de expulsar estrangeiros do solo pátrio, mesmo aqueles que o mereciam.
Mais: já começa a ser vulgar vermos rapazes negros a namorar com raparigas de
raça branca, e vice-versa. Olha que no continente africano é quase um fenómeno
assistir-se a isso. Crê-me: reconheço que era difícil a esta gente permanecer
em Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné e cabo Verde, depois da
descolonização.
- Posso saber por quê?
- Por duas razões fundamentais: a
primeira porque muitos deles estavam demasiado ligados, de uma forma ou de
outra, ao regime salazarista para não virem a sofrer retaliações, represálias,
por parte dos Partidos que ascenderam ao poder; a segunda, porque os restantes,
não quiseram participar num conflito entre irmãos, ou seja, na guerra civil (casos de Angola e Moçambique). Quanto a
Cabo Verde, como sabes trata-se de um país muito pobre, sem grandes riquezas no
subsolo, sem chuvas normais, pouco desenvolvido. Quando conseguirem, com a
ajuda da tecnologia estrangeira, tornar a água do mar potável, então sim, esse
arquipélago poderá crescer economicamente. Enquanto aguardam essa ajuda terão de
viver quase exclusivamente da emigração.
- O meu amigo Cândido omitiu o povo de
Timor. Também temos alguns timorenses em Portugal.
- Sim, ia-me esquecendo deles. De
qualquer modo, o seu número não é significativo e pelo que tenho observado logo
que lhes seja possível regressarão à sua pátria. Por outro lado, estão muito
próximo da Indonésia e da Austrália, pelo que a influência desses países
far-se-á notar de imediato, e eles, pouco a pouco, irão esquecendo Portugal.
// continua...
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