QUADRAS AO DEUS-DARÁ
Por Joaquim A. Rocha
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736
São
Cristóvão, o gigante,
Era
a bondade em pessoa;
Do
bem-fazer era amante,
Da
boa pinga e da broa.
737
São
Cristóvão não é santo,
Queimaram
seu pedestal;
Perdeu
o direito ao manto,
Ao
cajado e bornal.
738
São
Cristóvão morreu virgem
Como
a Santa Maria;
Nem
em sonho, ou vertigem,
Soube
o que era a folia!
739
Nunca
alcancei alta fama,
Por
causa da timidez;
Por
ter nascido na lama,
Dum
coito bruto, soez.
740
Fugi
da fama um dia,
Vinha
linda, sedutora;
Olhou
para mim, sorria,
Eu,
tolo, mandei-a embora!
741
Quem
me dera viajar,
Percorrer
o universo;
No
lombo dum jaguar,
No
coração de um verso.
742
Quem
me dera viajar,
Percorrer
o mundo inteiro;
Fazer
versos, declamar,
No
alto monte ou outeiro.
743
Conheci-te
por engano,
Naquela
noite de inverno;
Tomaste-me
por garrano,
Um
demónio do inferno!
744
Fugiste
de mim, eu sei,
Por
ser baixo e gordinho;
Ai
se eu fora duque, rei,
Tratavas-me
com carinho!
745
Já
morei na Mouraria,
Em
rua estreita e suja;
A
noite parecia dia
Com
os gritos da maruja.
746
Gramei
três anos fardado,
E
dois deles na Guiné;
Nunca
passei de soldado,
Recebendo
fraco pré.
747
Nunca
ousei emigrar,
Não
me sorriram os francos;
Nem
palhotas habitar,
Calçar
botas e tamancos.
748
Andei
descalço em pequeno,
Calcei
sapatos depois;
Comi
cardo, comi feno,
Pevides
e caracóis.
749
Fala-se
em resiliência,
Sejam
fracos, sejam fortes;
O
que falta é ciência
Para
evitar tantas mortes.
750
Os
milagres dos santinhos
São
invisíveis, discretos;
Estão
velhos, mui velhinhos,
Tal
como alguns decretos.
751
Entre
a espada e parede
Estamos
nós nesta vida;
Somos
artistas sem rede,
Na
hora da despedida.
752
Quem
dera voltar atrás
Aos
tempos da juventude;
Correr
a todo o gás,
Beber
vinho no almude.
753
Naquela
maldita guerra
Havia
muito bisnau;
Cortavam
como uma serra,
Quebravam seixo calhau.
754
A
cidade de Bissau
Era
pequena e feia;
Com
forma de bacalhau,
No
tamanho era aldeia.
755
Tinha
poucos habitantes
A
cidade de Bissau;
Os
brancos eram pedantes,
Os
negros eram cacau.
756
Eu
não sou pobre nem rico,
Apenas
remediado;
Na
tropa fui maçarico,
Simulacro
de soldado.
757
O
que se perdeu, perdeu…
Já
nada se recupera;
É
como casa que ardeu,
O
rolar de uma esfera.
758
Percorri
caminhos ínvios,
Tortuosos,
lamacentos;
Canejas
de pobres índios,
Causando-me
mil tormentos.
759
As
putas ganham dinheiro
Nicando
a toda a hora;
Tem
sangue o mealheiro
E
a vida muita borra.
760
Incendiários
malditos,
Bestas
reles, sanguinárias;
Seres
“humanos” proscritos,
Feras, monstros, alimárias.
761
Ouvem-se
gritos ao longe,
Muitos
lobos a uivar;
Morreu
a freira e o monge,
Muitos
santinhos d´ altar.
762
As
chamas sobem ao céu,
Fica
tudo avermelhado;
Linda
floresta morreu,
Ao
som de um triste fado!
763
Ai
quem me dera chorar,
No
teu colo amoroso;
Pedir
amor, implorar,
Chamar
a mim todo o gozo.
764
A
toupeira tem maus olhos,
Mas
vê mais do que a gente;
Evita
males, abrolhos,
Anda
no mundo contente.
765
A
toupeira fecha os olhos
Pra
não ver o mal do mundo:
Desastres,
guerras, rastolhos,
O
terror, medo profundo.
766
Dom
Quixote, Sancho Pança,
Fizeram-me
rir a valer;
Entre
sonho, esperança,
Várias
mortes sem morrer!
767
Combateu
moinhos de vento,
Namorou
moças a fingir,
Às
injustiças estava atento,
Queria
seu povo brunir.
768
Quando
era jovenzito
Carregava
uma taleiga;
Agora
nem galo ou “pito”,
Cinco
quilos de manteiga!
769
Dizem-me
constantemente
Que
não gosto de animais;
Quem
diz isso muito mente;
Adoro
melros, pardais...
770
Adoro
a liberdade,
Espaço
limpo, decente;
Ah!
Como eu tenho saudade
Das
serras de antigamente.
// continua...

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