POEMAS DO VENTO
Por Joaquim A. Rocha
91
ODIVELAS
Odivelas, Odivelas,
vais subindo pelos montes,
como outrora as caravelas
em busca de horizontes.
Vais beber a outras fontes,
desfraldaste as tuas velas;
vais subindo pelos montes
na rota das caravelas!
Assemelhas-te a donzelas
em busca do seu amado:
como elas, hás sonhado;
hás partido, como elas!
3/11/1980
92
Criança feia…
o que te enfreia
o que te para?
Hás de ser homem,
não lobisomem,
não uma apara!
Sorri prà vida,
nunca esquecida
que és filho seu;
o mundo é duro,
é inseguro…
mas também teu!
Tens de lutar,
gemer, chorar,
perder às vezes;
hás de beber,
até às fezes,
mesmo sem querer,
o amargo fel;
e o doce mel
provarás;
amor terás,
e a tristeza.
A natureza
chorar-te-á
quando morreres.
Criança feia
esqueceste o velho
parte o espelho
e vem prà aldeia!
1980
93
CAMARADA MAO
Confia em nós ó grande camarada,
pois o povo grita já em uníssono;
desfila pelas ruas da alvorada,
valente, disciplinado, barítono.
Caminha seguro – não apressado,
em busca do pólen tão merecido;
bandeira rubra, braço arregaçado,
e nos seus lábios o hino querido.
Não busca o que lhe não é devido
(povo milenarmente humilhado
e agora de punho forte erguido).
Exige o pão – sempre recusado;
a paz, palavra que não tem sentido
para o explorador insaciado.
A habitação – promessa esquecida
pelos donos do poder inventado…
negando assim ao povo uma guarida!
A educação – eternamente adiada,
porque, na mão do povo, é soldado
que derruba a capitalista armada!
21/4/1979
94
CANSAÇO ESPIRITUAL
Tenho o espírito fragmentado,
tenho o meu eu fora de mim;
tenho o ânimo dispersado,
entre um princípio e um fim!
Deixo-me estar aonde estou,
sem um sopro de talento;
e se corro para o vento,
inda sou mais eu do que sou!
Julho de 1979
95
ELEIÇÕES
Por quê, povo português,
que de saber não rebentas,
negas a luz outra vez,
é a noite que
sustentas?
Eu não sei por que sebentas
estudas, aprendes, lês;
eu só sei que representas
este país ao invés!
De que te sonhos te alimentas?
Não de pão, que não o vês!
Que histórias doces inventas
se em histórias não crês!
Até a dor atormentas,
porque a dita não se fez
pra ser feliz nas tormentas,
pra ser lobo, se ela é rês!
Deixa de ser masoquista:
diz ao cérebro que veja
a legião parasita
que te suga, canga e peja!
9/10/1980
96
AQUELES OLHOS
Aqueles olhos que me olham
como nunca tivessem olhado:
grandes, estranhos, estranhados!
são olhos virgens de olhar;
são olhos esbugalhados
que olham pra não errar!
97
EUSÉBIO
Eusébio – grande jogador.
Foi enorme, mas já não é;
da Europa foi o maior.
Do mundo não: foi Pelé.
Era a negra pantera,
o terror do adversário;
era o vulcão, era a fera,
o pirata, o corsário!
A sua fama espalhou-se
pelos quatro cantos da Terra.
Morreu! O mito gerou-se:
eis o que a fama encerra!
1978
98
O PRINCÍPIO DA MUDANÇA
Tira o coco, milionário,
um enterro vai a passar;
é de um bravo operário,
filho da terra e do mar.
Morreu a noite passada,
cansado de trabalhar;
deixou a mulher sem nada,
filhos, de fome a chorar.
Foste tu quem o chupou,
quem o seu sangue bebeu;
foste tu quem o roubou,
quem no caixão o meteu.
Mas aguarda, milionário,
que teu fim está a chegar;
já se avista o proletário
de punho firme no ar!
10/10/1980
99
DÁ-ME, LARA
Dá-me Lara, os teus lábios,
para eu os poder beijar;
dá-me Lara, os teus peitos
para eu os poder trincar.
Dá-me Lara, o teu colo,
para nele eu repousar;
dá-me Lara, o teu leito,
para eu nele me deitar.
Dá-me Lara, o teu corpo,
para eu o saborear;
dá-me Lara, o teu fogo,
pra com fogo o apagar.
Dá-me Lara, a esperança
de tudo em ti disfrutar;
amar-te, na
madrugada,
ter-te em noites de luar!
16/4/1979
100
A DIALÉTICA DA VIDA
As águas saíram do seu leito!
O rio tornou-se mar!
Cobriu vales, planícies…
e galgou montanhas!
Lentamente, porém, regressou.
Hoje repousa, serenamente,
no seu antigo leito.
As terras podem, doravante,
ser semeadas.
Os frutos serão abundantes.
A dialética tornou-se ilógica!
19/12/1978
101
A DIOGO BERNARDES
(Horas breves de meu contentamento)
Diogo, Diogo,
teu ardor é fogo;
Bernardes, Bernardes,
no fogo que ardes,
também eu nele ardo!
E vê que não tardo,
porque ansioso,
não sou receoso;
nele me extingo,
e o sonho distingo
da realidade…
Há nisto verdade
ou impera a fantasia?
Mas o que é a agonia
que ambos sentimos?
Porque não fugimos
desta tal desgraça?
O tempo já passa
e nós permanecemos!
Será que morremos
neste fogo eterno?
Isto é o inferno
de todos nós!!!
Mas não estamos sós,
connosco há cem mil,
basta só o perfil
para os distinguir;
não adianta fugir
desse amor cruel,
porque ele é mel,
e por isso doce;
e se mais não fosse
só isso bastava,
e justificava
a nossa paixão;
feita de ilusão,
tornada tormento,
e a cada momento
matando em nós
o orgulho e a voz;
submetendo-nos,
sem qualquer pudor.
É ela o amor,
é ela o tormento,
que em cada momento,
com asas de vento,
vai fugindo de nós.
22/3/1980
102
QUERO SOMENTE O SILÊNCIO
Por quê aguardar aqui – sozinho –
e não busco, incansável, o teu corpo?
Por quê, inacessível, me escondo?
Cobardia, insensibilidade, resignação?
O mundo espera algo de mim: eu sei!
E fico. Como um porco no seu leito de mato!
Como um rato nos esgotos da cidade!
Tenho a pele dura e a cabeça.
Por quê incomodar-me? Os outros…
Os outros são sempre os outros!
Só nós contamos! Egoísmo?
Egocentrismo?
Eu já não caminho para a morte!
O Tempo não tem mais significado!
Mesmo que fique, nada aguardo.
Apenas permaneço. Incomodo?
É o meu espaço. O ar que respiro
volto a devolvê-lo ao ar;
os alimentos restituo-os à terra…
Até as palavras ingeridas eu vomito!
Nada me resta…
De vós, quero somente o silêncio!
Julho de 1979
103
Quero fazer-te um poema…
o mais lindo, o melhor;
não importa qual o tema,
não interessa seu rigor.
Mas não sei se saberei!
Humildemente o confesso.
Mil folhas já rascunhei,
um milhão já eu rasguei,
e até dinheiro já peço!
Tentativas, faço mil…
Outras tantas são fracasso;
como o talento é vil…
foi todo para Picasso!
O que eu vou fazer?
Desistir de tal ideia?
Antes prefiro morrer,
ou ir parar à cadeia!
Nem que esteja um ano a fio
a tentar tal proeza,
hei de acender o pavio,
manter sempre a vela
acesa.
E mesmo que os outros digam
que não o conseguirei…
Digam o que quer que digam
jamais eu desistirei!
Hei de fazer-te um poema
onde as rosas apareçam,
e os cravos floresçam,
para que algo valha a pena.
Hei de falar-te de amor,
entre os homens, entre as aves;
não vou falar-te de dor,
dessas coisas já tu sabes!
Quero fazer-te um poema
onde os espinhos se omitam;
e no qual surja este lema:
«a vida é bela –
persistam!»
Vou falar-te de canções,
daquelas de antigamente;
que derretem corações,
fazem dormir toda a gente.
Vou falar-te de avezinhas
construindo os seus ninhos;
vou falar-te de avozinhas
embalando os netinhos.
Vou falar-te das estrelas,
espalhadas pelos céus;
tão fulgurantes, tão belas,
parecendo os olhos teus!
Vou falar-te de tudo isso
e falar-te de muito mais;
e se algo quedar omisso,
serão por certo meus ais!
104
OS MUNDOS
O mundo, o universo,
está dentro de nós;
nós o concebemos,
nós o concretizamos,
nós o gozamos,
nós o odiamos,
nós o destruímos
e reconstruímos!
Há outros mundos:
os imaginários,
os impingidos,
os procurados,
os necessários,
os desnecessários,
os desmedidos,
os insuficientes,
os ausentes,
os superiores,
os inferiores,
os ordinários,
os extraordinários,
os ideais,
os irreais,
os reencontrados,
o mundo dos outros!
// continua...
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