QUADRAS AO DEUS DARÁ
Por Joaquim A. Rocha
436
A
mentira e a verdade
Confundem-se
normalmente.
Mentem
por necessidade,
O
ignorante e o crente.
437
A
mentira piedosa
Nunca
fez mal a ninguém;
Não
me mintas, Generosa,
Quem
te roubou o vintém?
438
Cuidado
com a má-língua,
Sempre
pronta a fazer mal;
Do
seu dizer nasce a íngua,
E
mil pragas em caudal.
439
Namorei
com a tristeza,
Numa
noite sem luar;
Não
sei se tinha beleza,
Se
estava por pentear.
440
A
tristeza é muito bela,
Bonita
como a baleia;
Nesta
vida é caravela,
Fugindo
da vil sereia.
441
Eu
só gosto da tristeza
Por
ela gostar de mim;
É
um amor sem certeza,
Sem
princípio e sem fim.
442
O
Jesus veio à Terra
Ensinar-nos
a amar;
Em
Madalena aterra
Com
promessas de casar.
443
O
Jesus veio à Terra
Ensinar-nos
a sofrer;
Em
Madalena aterra,
Com
vontade de a ter.
444
Nascem
filhos, nascem netos,
Uns
são congos, outros bantos;
E
um dos seus tetranetos
Ama
belzebus e santos.
445
Não
há alegria em casa,
Foi
morar pra outro lado;
Vive
no inferno em brasa,
Chorando
meu triste fado.
446
Escrito
pelo destino,
Foi
a minha vida inteira;
Ainda
eu era menino,
Chupava
na chuchadeira.
447
Entre
a sorte e o azar,
Foi
correndo minha vida;
Sofri
na mata, no mar,
Nos
olhos duma atrevida.
448
Tive
madrinhas de guerra,
Umas
feias, outras não;
Umas
moravam na serra,
Outras,
no meu coração.
449
Hoje
é dia de São João,
Toda
a gente canta, dança;
Somente
o meu coração
A
tanto não se abalança.
450
A
Rusga de São Vicente
Traz
alegria a este povo.
É
orgulho desta gente:
Do
velho e do mais novo.
451
A
sua roupa colorida
Lembra
avezinhas do céu;
Tem
as mil cores da vida:
Exceto
no seu chapéu.
452
A
Rusga de São Vicente
Nasceu
pra alegrar o povo;
Canta
e dança, mui contente,
É
energia, sangue novo.
453
Ó
Redondo, redondinho,
Há
muito que não te vejo;
Quero
beber do teu vinho
E
dar às moças o pejo.
454
Já
tive cem namoradas,
E
nenhuma me agradou;
São
agora «águas passadas»
Um
filme que terminou.
455
Ai
que vontade eu tenho
De
chorar sobre o teu colo;
Não
sei porque me detenho,
Se
é por medo ou por dolo.
456
Não
sei contar anedotas,
Já
não faço rir ninguém;
Às
putas chamo-lhes potas,
Uísque
de Sacavém.
457
Fui
moço de sapateiro,
Mas
sapatos, nunca fiz;
Ai
se eu fora escudeiro
Na
corte de Dom Diniz.
458
Na
linda casa d’Orates
Toda
a gente vive bem;
Bebem
poemas de vates,
E
discursos de Belém.
459
Na
linda casa d’Orates
Nem
todos se tratam bem;
“Gil,
por favor, não me mates,
Não
sou carne do acém”!
460
Na
linda casa d’Orates
Vive
uma má feiticeira;
Assusta
a gente de Rates,
E
até a Terra inteira!
461
Na
estranha casa d’Orates
Mora
um rato e companheira,
Adoram
Baco e Penates,
E
uma vaca leiteira.
462
Na
negra casa d’Orates
Vivi
eu a vida inteira;
Tudo
eram malas-artes,
Piolhice,
bebedeira!
463
Na
farta casa d’Orates
Come-se
bem, à francesa:
Cebolas,
couves, tomates,
Morangos
e framboesa.
464
A
velha casa d’Orates
É
agora um pombal;
Lembra
montanhas de Gates,
Enferrujado
punhal.
465
Dai-me
carinho e amor,
Um
abracinho sem fim;
Dai-me
um beijo, uma flor,
Uma
rosa do jardim.
466
Nunca
lhe chamei papá
Àquele
que me gerou;
Sou
filho da besta má,
E
de mais ninguém eu sou!
467
Anda
aí vírus à solta
Matando
imensa gente;
É
a raiva, a revolta,
Que
ninguém quer nem consente.
468
Esses
pequenos bichinhos
Transtornam
a nossa vida;
São
magros e pequeninhos,
Mas
travam luta aguerrida.
469
Não
há como combate-los,
Não
temos armas para tal;
Não
há torres, nem castelos,
Que
nos livrem deste mal.
470
Não
há rezas, padres-nossos,
Que
evitem a infeção;
Chupam-nos
até aos ossos,
Matam
nosso coração.
471
Mas
unidos nesta berra
Dar-lhe-emos
luta sem fim;
Iremos
para outra era
Nas
asas dum serafim.
472
Treparemos
alta serra,
Para
o cimo da montanha;
Soldados
todos da Terra,
Munidos
de fera sanha.
473
O
ser humano é forte,
Filho
de Hércules, Sansão;
Quando
ele quer, vence a morte,
A
pantera e o leão.
474
Os
deuses são nossos pais,
Não
nos vão deixar morrer;
Somos
filhos de imortais,
Somos
a nata do ser.
475
Negros,
brancos, amarelos,
Vermelhos
e os mulatos,
Todos
com os seus martelos
Matarão
os vírus chatos.
476
Ai
que coisa tão bizarra:
Por
causa de um bichinho,
Já
ninguém toca guitarra,
Só
bebe malgas de vinho!
477
Fecharam
casas de fado,
Lojas
de roupa, cabarés;
Fecharam
em todo o lado,
As
tabernas, os Cafés.
478
As
ruas estão desertas,
Tudo
isto é um mistério;
Só
há farmácias abertas,
E
a porta do cemitério.
479
A
malta fechou-se em casa,
Com
medo do vírus mau;
O
bicho, que não tem asa,
Tem
a arte dum bisnau.
480
É
esperto, inteligente,
Anda
calado, não berra;
Tem
um plano na vil mente,
Dominar
toda esta Terra.
481
Bicharoco
de outro mundo
Não
nos faças muito mal;
Deixa
em paz o Edmundo,
Os
filhos de Portugal.
482
Respeita
a nossa grei,
Cultura
e património;
Estuda
bem nossa lei,
As
facetas do demónio.
483
Tenho
fígado de cão,
E
dentes de crocodilo;
A
cabeça é de leão,
As
asas são de um grilo.
484
Sou
uma espécie de gente,
Semelhante
ao chacal;
Não
sou deus nem sou semente,
Como
eu não há igual.
485
Todos
os anos eu cresço
Um
centímetro, ou dois;
Como
deus, não envelheço,
Sou
jovem como vós sois.
486
Eu
já fui a Trás-os-Montes,
Dia
treze, sexta-feira;
Visitei
o padre Fontes,
E
uma velha gaiteira.
487
Eu
já fui a Trás-os-Montes,
Numa
noite sem luar;
Encontrei
o padre Fontes,
De
joelhos a rezar.
488
Esconjurou
minha alma,
Cheia
de pecados mortais;
Disse-me
com muita calma
Que
eu matara mil pardais.
489
Atirei
pedras a cães,
Dei
pontapés a mil gatos;
Dei
paus a filhos das mães,
Limpei
sangue dos sapatos.
490
«Se
quiseres ir prò céu,
Terás
de rezar com fé;
Deixares
de ser incréu,
Ires
a Lurdes a pé.»
491
«Dares
esmolas aos pobres,
Amar
igreja e padres;
Respeitar
ricos e nobres,
Dormir
com freiras e frades.»
// continua...
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