FERREIRA DA SILVA
Por Joaquim A. Rocha
Lê-se
no Notícias de Melgaço n.º 1518, de 12/7/1964: «PERGUNTAR NÃO OFENDE. // A
propósito do mutismo de que se envolvem os melhoramentos e conservação dos bens
públicos da nossa Vila, fizemos no último número deste semanário algumas
perguntas inocentes, sem intenção reservada ou objeto de censura, simplesmente
como esclarecimento de todos nós munícipes interessados e, ainda, como
incitamento das entidades responsáveis à sua imediata e breve resolução. Temos
o convencimento de que as quatro perguntas formuladas constituem outras tantas
interrogações que bailam no pensamento dos melgacenses com uma persistência e
teimosia de obcecados. Os motivos da sua ansiedade são evidentes e por várias
vezes os temos expostos em linguagem corrente e em termos acessíveis a todos os
interessados, seja qual for o grau de entendimento e instrução. A experiência
ensina-nos que em Melgaço a execução dos melhoramentos programados fica-se… nas
tintas do papel de escrever se não houver quem espicace, anime e incite, as
pessoas ou entidades a quem compete a sua realização. Isto de obras públicas
não vai apenas com boa vontade, excelentes desejos e melhores intenções: exige
movimento, dinamismo, energia, alor e decisão. Não basta programar, necessita
de espírito de realização, certo como é que entre o pensamento e a execução
medeia uma larga distância por vezes difícil de percorrer. Continuamos, aliás,
como prometemos, a enunciação de mais algumas interrogações que registamos na
ordem das realizações possíveis, já estudadas e de urgente execução. Sabemos
que foi solicitado superiormente o empréstimo para a realização do saneamento e
abastecimento de águas potáveis, em ordem a beneficiar da comparticipação do
Estado e do subsídio prometido por Sua Excelência o Senhor Ministro das Obras
Públicas, na sua última visita ao nosso concelho; e também sabemos que a Câmara
tem há muitos anos um anteprojeto dessa importantíssima obra de salubridade
pública indispensável à valorização física da população e ao arejamento civilizador
da nossa terra. Não conhecemos o estudo e anteprojeto dessa urgentíssima obra
pela qual tanto nos temos batido, mas natural é que precisem de ser atualizados
já porque desde então as condições técnicas e económicas evoluíram, já porque a
mão-de-obra se modificou na oferta e no preço. Poderemos saber o estado atual
deste momentoso problema, que consideramos como o primeiro, o mais instante e o
mais premente da escala dos problemas locais?! Consta-nos que a construção da
casa dos magistrados encravou, sem que conheçamos a natureza e a extensão da
avaria de engrenagem que paralisou o bom andamento desta útil e inadiável obra
para a qual o Cofre dos Funcionários do Ministério da Justiça já havia
transferido para aqui uma verba relativamente importante. À realização desta
urgente obra está ligada a construção do novo mercado municipal visto que o
antigo terá de ser objeto de demolição e ainda bem; o que para aí está, a que
indevidamente se chama mercado, é um autêntico estábulo, cuja traça parece ter
obedecido à ideia de construir um cortelho destinado a proteger e guardar gado,
e jamais de ali expor à venda géneros e artigos frescos de consumo, indispensáveis
à alimentação do povo. Trata-se de um velho, inestético e anti-higiénico
barracão, sobre o comprido e sem outra aplicação que não seja a de recolha de
animais nos dias ensolarados e quentes de verão, ou frígidos e chuvosos de
inverno! Que se passa, então, acerca da casa dos magistrados cuja construção
esteve em vias de ser iniciada?! Já se pensou no local destinado ao mercado
municipal, uma vez que por disposição legal não é permitida, felizmente, a sua construção
no terreno anexo ao recreio das novas escolas, no qual se haveria pensado,
certamente, para completar o jogo dos disparates em que vivemos de há muito, em
matéria de obras, nesta linda terra melgacense?! E não será tempo de encarregar
alguém de elaborar a planta e projeto do novo mercado, e de pensar na verba e
comparticipação ao mesmo mercado destinadas?! Finalmente, que se passa quanto à
construção do silo, câmara de decantação, etc., da obra destinada a receber e a
tratar os lixos e os restos inúteis da Vila que tanta falta faz e as mais
elementares regras de higiene reclamam?! Perguntar não ofende. E nós, munícipes
pagantes, salvo o devido respeito pela opinião dos centuriões, temos o direito
de saber.» // F.S.
*
No
Notícias de Melgaço n.º 1519, de 19/7/1964, lemos: «INDÚSTRIA AGRÍCOLA: //
Produziu grande celeuma na lavoura a oficialização do que se considera erro
nefasto, de reduzir a agricultura à categoria de “indústria”. Nos jornais e nas
revistas da especialidade, espíritos desempoeirados de lavradores e de economistas,
têm como sofístico o processo de separar no complexo agrícola o proprietário do
rendeiro, armando este em industrial. A definição fiscal de “indústria
agrícola” é tida como locução de objetivos mal desenhados, dentro do conceito
que atribui à propriedade agrícola o processo evolutivo de uma indústria sã.
Vejamos o que se passa quanto à propriedade e sentido do palavrão oficializado
pelo novo regime tributário. Em economia política a palavra “indústria”
significa genericamente todas as operações que tendem à produção de valores e,
no sentido mais geral, o conjunto de tudo o que o homem realiza para produzir ou
fazer circular as riquezas. O seu desenvolvimento efetua-se pela divisão do
trabalho. No seu sentido mais lato “SAY” classificou de extrativas as
indústrias dos produtos da terra e “DUNOYER” dividiu e corrigiu a classificação
do “SAY”, separando a agricultura das indústrias extrativas e definindo de
indústrias agrícolas as que produzem substâncias da terra por meio de
metamorfoses que o homem conhece pelas leis da vida animal e vegetal. Em última
análise, a indústria agrícola pode sintetizar-se na que visa a modificar e
aumentar a produção animal e vegetal. Por isto, não nos parece que a designação
de “indústria agrícola” empregada no novo regime tributário, que tantas reações
provocou nos órgãos representativos da lavoura e continua a ser objeto de diálogos
apaixonados e veementes, mereça a estranheza e o sobressalto dos seus
opositores. No prosseguimento da reforma fiscal publicou-se o decreto-lei n.º
45104, de 1 de Julho do ano findo, que insere o Código da Contribuição Predial
e do Imposto sobre a Indústria Agrícola". Por estes diplomas separou-se do
complexo agrícola a renda fundiária do lucro da exploração tornando passíveis
aquela, de contribuição predial rústica, e esta, de imposto sobre a indústria
agrícola quando ultrapasse o rendimento anual de trinta contos. Considerou-se,
assim, a renda como parte do produto atribuível ao capital fundiário (prédio
rústico), de lentas variações, e o lucro do capital investido na exploração, de
consideráveis e inconstantes variações anuais. Na tributação separada de
proprietários e rendeiros não se verificará o fenómeno que a lei e todos os
economistas repelem, da “duplicação do imposto”?! Teoricamente parece que tal
fenómeno não se verifica visto que ao rendimento coletável do prédio é abatido
o lucro do cultivador. Porém, na prática, o problema tem aspetos curiosos se
atendermos a que, o rendimento teórico (rendimento efetivo) é agravado de mais
ou menos 10% respetivamente, nos anos de má ou boa produção. Regressemos à
questão prévia da definição fiscal que constitui o tema destas ligeiras
considerações. Desde longa data que a agricultura é tida como uma indústria no
âmbito da economia política, muito embora entre nós, mesmo no aspeto da
exploração, semelhante designação a consideremos imprópria se tivermos em atenção
os seus princípios, leis e finalidades. Na realidade, a definição fiscal de
“indústria agrícola” constitui uma expressão mal soante e uma inovação sem
sentido tradicional, talvez porque se considerou utópica a ideia de separar
radicalmente a renda fundiária do lucro da exploração agrícola, de se tornar
difícil organizar um processo aceitável para o cálculo do lucro das culturas
multianuais e, finalmente, porque carece do dimensionamento, organização,
disciplina, contabilidade e modernização, ao menos aparente, das empresas
industriais e comerciais. Esta questão para as pessoas menos versadas pode
parecer de “lana caprina” (*); para nós, tem um sentido profundo e inculca-nos
a ideia de que a agricultura se manterá fiel ao conceito da “arte de empobrecer
alegremente”. /// (*) Coisa sem importância.
*
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1520, de 26/7/1964: «ILUMINAÇÃO
PÚBLICA. // Não há ou não pode haver, com justiça, duas opiniões discordantes
sobre a distribuição e intensidade da iluminação pública do núcleo populacional
da Vila. Pode afirmar-se com toda a afoiteza e verdade que a Vila, considerada
nos seus limites urbanos, está muito bem servida e, pelo que conhecemos, é uma
das localidades mais bem iluminadas do país, dentro da sua classe e ordem de
classificação administrativa. Porém, fora do núcleo central, nas áreas
periféricas constituídas pelos percursos Vila-Convento-Orada-Carpinteira-Prado,
a iluminação pública parece irmã siamesa das lamparinas do Valverde que Deus
conserve à sua guarda, em bom lugar, mas longe de nós. E não só no que respeita
à intensidade luminosa nas lâmpadas, mas também ao número das que se mantêm
acesas naqueles percursos, nomeadamente em alguns que desde tempos recuados
gozam da preferência dos melgacenses para os seus passeios higiénicos depois do
jantar – digamos, o trecho Calçada-Nossa Senhora da Orada. Sobretudo nesta
quadra do ano em que o citado percurso ao longo da formosa estrada da Orada (?)
é frequentadíssimo por grupos de interessantes melgacenses, em amena cavaqueira
e boa disposição, sorvendo gostosamente a fresca aragem que ali sopra e os faz
olvidar a temperatura asfixiante da caloreira do dia; nesta estação calmosa
dizíamos, o sistema nada recomendável do 29-30, espera aí que eu já vou, da
iluminação com lâmpada sim, lâmpada não, carece de qualquer justificação ou
razão de ser e diminui o encanto do agradável e belo passeio naquela estrada. A
quem pertence a responsabilidade ou a culpa desta falha tão fácil de remediar?
À concessionária? Não. A concessionária cumpriu a sua obrigação contratual,
dispondo ao longo dos percursos mencionados, em número suficiente, os postes e
armaduras com as competentes lâmpadas de iluminação. Simplesmente, cremos que
por economia, a Câmara mandou desligar, alternadamente, as respetivas lâmpadas,
deixando sem luz longos espaços que se tornam em temerosos e escuros trajetos,
quando se funde, ou por qualquer motivo se avaria alguma, ou algumas lâmpadas,
o que é frequente. Por outro lado, a intensidade das lâmpadas de iluminação,
nos percursos periféricos referenciados, é apenas de 25 watts, portanto
insuficiente considerando a altura a que estão colocadas as armaduras nos
respetivos postes e a área do espaço a iluminar. É evidente que esta
insuficiência do poder iluminante das lâmpadas necessita de ser remediada
urgentemente, dentro do que dispõe o caderno de encargos e constitui obrigação
da concessionária. Vejamos: Nos termos do artigo 7.º do contrato da concessão,
6.º período, as lâmpadas de iluminação pública cuja potência não deverá ser
inferior a 40 watts… Ora se não podem ser de potência inferior a 40 watts como
se explica que se tenham instalado lâmpadas de 25 watts? Note-se que enquanto o
poder iluminante em velas coincide com a potência em watts até 25, o mesmo não
sucede com as de 40 watts cuja equivalência é de 50 velas. Desta forma, a
iluminação dos percursos periféricos acha-se desfalcada duplamente, em potência
iluminante e em número de lâmpadas instaladas mas propositadamente não acesas!
Tudo isto por medida económica?! Não está certo. Não pode ser. O que se passa é
ilegal e atentatório dos direitos e interesses dos munícipes. Quanto à
instituição do pé-coxinho, 29-30, espera aí que já lá vou, poderia admitir-se,
a título excecional, nos meses não considerados de estiagem, nunca nesta época
em que o percurso da Orada é o favorito, mais atraente e frequentado pela
população melgacense. É indispensável que a Câmara dê o exemplo do respeito
pelos legítimos direitos dos munícipes e pela lei, que é a letra do contrato de
concessão. De resto, são os consumidores de energia elétrica quem pagam a
iluminação pública, com o contingente gratuito que a Câmara recebe da concessionária,
equivalente a 50% do volume da energia faturada ao preço do 1.º escalão das
tarifas I e II, acrescido de 25% do volume da energia faturada ao preço do 2.º
escalão das mesmas tarifas. Será que as coisas que interessam a Melgaço, ou aos
seus habitantes, constituem matéria proibida, por força do arbitrário índice da
imitação fraudulenta da “Syllabus” que, para uso interno, foi decretada por
quem carece de autoridade e poder para tanto?!
// F.S.
*
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1521, de 2/8/1964: «PLANTIO DA VINHA.
// Temos notícia de que uma grande parte das propriedades aráveis adquiridas
por compradores de terrenos rústicos, próprios para a cultura de cereais (milho
em especial), têm sido adaptadas à cultura da vinha, sem atenção e sombra de
respeito pelo que está determinado legalmente sobre o condicionamento e plantio
de videiras. Este desvio da cultura de cereais para a cultura da vinha vem
agravar a crise gravíssima que os nossos lavradores atravessam, assistindo
aterrados de ano para ano ao aviltamento do preço do vinho de consumo da sua
produção. É evidente que na medida em que aumenta a produção vinícola no nosso
concelho, de consumo restrito, diminui o preço da venda, a ponto de se
aproximar de limites aviltantes em que o custo da cultura se nivela,
sensivelmente, com o apuro da venda. Tenha-se em vista que, se não fora a
destilação, os nossos vinhos vender-se-iam a rastos de barato, não cobrindo a
despesa de mão-de-obra, enxertia e tratamento fungicida e inseticida. E por
mais que se reclame contra a alta de preços dos adubos e produtos químicos de
tratamento e da mão-de-obra, de oferta cada vez menor e mais cara, resultante
do êxodo da nossa população rural para terras gaulesas, e ainda das medidas
governativas quanto à eliminação dos excedentes sobre o consumo, dia a dia mais
reduzido por falta de consumidores, estabelecendo instalações de queima, o
certo é que a produção necessita de ser limitada com base nas melhores castas
regionais, tratamentos e cuidados de fabrico, em ordem à obtenção de boas
qualidades em paladar, acidez e grau alcoólico. Ao contrário da escolha e
preferência pelas castas regionais recomendadas oficialmente, a partir de
estudos enológicos muito aturados e da maior utilidade, os nossos produtores
inclinam-se para as castas estranhas, de grande produção, como o garnacho,
grand-resir, mancia e produtores diretos, fabricando autênticas zurrapas, de
caraterísticas inferiores que nem como água-pé se recomendam. Revertendo ao
caso da adaptação das terras aráveis, próprias para a cultura de cereais, ao
plantio de vinha, chamamos a atenção dos nossos leitores para o decreto-lei n.º
38525, de 23/11/1951, pelo qual se procurou modificar o condicionamento de
plantio de videiras em ordem a melhorar a qualidade dos vinhos e a evitar os
prejuízos de ordem económica e social. Na nossa região são proibidas, sob penas
de multas pesadíssimas, as plantações de vinhas contínuas (bardos) não devendo
sair-se das plantações em bordadura nos limites “caraterizadamente” materiais
dos campos de cultura, com as castas tradicionais. Os produtores diretos,
rigorosamente proibidos, apenas são permitidos em ramadas ou parreiras sobre
terreiros, logradouros, poços, tanques junto das casas de habitação, com o fim
ornamental ou para sombra. O plantio da vinha é passível de licença, na qual se
indica o número de pés para o consumo dos casais e casas agrícolas, não
carecendo de licença as plantações nas bordaduras dos campos (como já
referimos) e ainda em bordadura de outras terras intensamente exploradas com
culturas herbáceas ou pomareiras, destinadas à produção de uva de mesa. Nestas
condições, é preciso ter o maior cuidado nas plantações, a que muitos dos
nossos lavradores e simples proprietários de prédios rústicos procederam e
estão a proceder para não sofrerem o desgosto do arranque das videiras e a
aplicação de coimas elevadas. Aconselhamos a que consultem o Grémio da Lavoura,
os Serviços Agrícolas, ou a Direção de Fiscalização dos mesmos Serviços, antes
de procederem ao plantio de videiras nos terrenos ou em condições que a lei
proíbe e formalmente condena. O que para aí está a fazer-se é arriscado e não
prescreve com o tempo após o início da plantação.» // F.S.
*
NOTA:
no Notícias de Melgaço n.º 1522, de
9/8/1964, o senhor Ferreira da Silva não publicou qualquer artigo em virtude de
se encontrar no gozo de férias em Vila Praia de Âncora.
*
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1523, de 16/8/1964: «FESTIVAL DE
FOLCLORE. // Realizou-se no passado dia 9 do corrente mês, em Santa Marta de
Portuzelo, sob o alto patrocínio de Suas Excelências os Ministros do Interior,
das Corporações e de outras distintas entidades oficiais, o X Festival
Internacional de Folclore, ao qual deram a sua colaboração a Espanha, França,
Itália, Alemanha, Suíça, Holanda, Polónia e Israel, ao lado de quase todas as províncias
portuguesas do continente, Cabo Verde, Angola e Goa. O produto deste brilhante
festival foi destinado ao Movimento Nacional Feminino para a família dos nossos
soldados e reuniu no vasto recinto muitas centenas de pessoas que tributou aos vários
grupos folclóricos as mais vibrantes aclamações. Foi um lindo, colorido e
apoteótico espetáculo no desfile e exibição curiosa dos grupos representativos
das regiões etnográficas apresentadas neste interessante festival. Depois das
palavras de esclarecimento e louvor pronunciadas pelo Diretor do Festival, Dr.
Sousa Gomes, foram hasteados os pavilhões nacionais dos países concorrentes e
toque dos respetivos hinos, seguindo-se a apresentação e saudação às bandeiras.
Na 1.ª parte do programa marcou logo uma posição de notável destaque, que
conservou até final, o Israel Folklore by “Hora” (Dance Groupe de Jerusalém)
constituído por um grupo de gentis jovens e seus respetivos pares, o qual
apresentou danças em conjunto de belo efeito coreográfico e admirável originalidade.
A leveza e conceção dos bailados no estilo árabe, da música e das canções,
produziu na assistência um frémito de agrado e entusiasmo que se traduziu em
considerável ovação. O entusiasmo da assistência redobrou e quase atingiu o
delírio quando este curioso e notável grupo folclórico apresentou a dança de
roda portuguesa “Rosinha” cantada na nossa língua após um ensaio e aprendizagem
de um período escasso de dez minutos! Depois deste excelente agrupamento
etnográfico a nossa preferência recaiu no “Groupe Folklorique Polónia de
Sochaux” que sobressaiu pelo contexto espetacular das danças de conjunto
impecavelmente ensaiadas. Os restantes agrupamentos estrangeiros e nacionais
não desmereceram e completaram a exibição folclórica, tornando-a num espetáculo
movimentado, cheio de cor e de ineditismo, imprevisto e sedutor que despertou a
curiosidade e os aplausos da numerosíssima assistência. Entre os grupos
nacionais distinguiram-se os Ribatejanos, Douro Litoral, Minho e do Ultramar.
Não há dúvida, porém, que o maior realce e agrado do público recaiu sobre o
grupo do Estado de Israel, pela originalidade, leveza e cadência de movimentos,
bizarria do contexto, singularidade de trajes e figuração coreográfica, tendo
merecido, com justiça, fartos aplausos e grande ovação. Os organizadores deste
belo espetáculo merecem os melhores encómios quanto à seleção dos grupos
concorrentes e pena foi que não lhes tenha sido possível preparar razoavelmente
o acesso ao local da exibição e um parque aceitável para o estacionamento dos
centenares de autos dos assistentes. Notamos ainda, com infinito prazer, a
presença do nosso conterrâneo, distinto melgacense Dr. António Durães, que ali
foi enriquecer a sua valiosa e numerosa coleção, filmando as exibições de todos
os agrupamentos, sendo de esperar que qualquer dia, quando o julgue oportuno,
facilite a sua passagem no Salão Pelicano para que os melgacenses possam
apreciar os grupos atuantes deste grandioso e belo Festival Internacional de
Folclore.» // F.S.
*
Lê-se
no Notícias de Melgaço n.º 1524, de 23/8/1964: «EMPRÉSTIMO MUNICIPAL. // Por
despacho recente de Sua Excelência o Ministro das Finanças, foi autorizada a
Câmara Municipal deste concelho a contratar com a CGDCP o empréstimo de
quatrocentos e cinquenta contos de réis destinado ao abastecimento de águas e
rede de esgotos da nossa Vila. Finalmente a nossa Câmara terá à sua disposição
uma verba relativamente volumosa para iniciar as obras daqueles importantes e
urgentes melhoramentos, pelos quais nos vimos batendo com denodo e com fé e que
consideramos fundamentais à saúde da população. O montante do empréstimo
concedido, aumentado da verba de trezentos contos de réis, oferecida por S.
Ex.ª o Ministro das Obras Públicas na sua última visita ao nosso concelho, elevado
ao dobro pela comparticipação oficial, atingirá o valor de mil e quinhentos
contos, verba que permitirá ordenar os trabalhos e a execução das obras em
grande extensão. O resto virá por acréscimo do produto de dádivas e
comparticipações sucessivas na medida em que estes grandes melhoramentos se
concretizem nos seus elementos essenciais de execução. Não há que recear quanto
à falta de verba para o acabamento total desta obra importantíssima, visto que
outras autarquias se viram em idênticos embaraços e que saibamos nenhuma delas
deixou de as completar. Torna-se preciso, isso sim, iniciar imediatamente as
obras e dar-lhe andamento consecutivo até ao esgotamento total da verba arrecadada,
certos de que o empreendimento não ficará a meio e acabará por se concretizar
objetivamente em toda a sua conceção e projeto. Não é de mais relembrar o que
tantas vezes temos dito e de novo insistimos quanto à atualização do estudo e
projeto elaborado em tempos e existente no arquivo municipal relativo ao
saneamento da Vila. É natural ou mais propriamente, é quase certo, que o estudo
e projeto referidos tenham de sofrer alterações, mais ou menos profundas,
quanto à conceção, localização, custo, programa de trabalhos e prazo de
realização. Por isto mesmo nós lembramos e voltamos a insistir, pela
necessidade de chamar os técnicos a fim de que, novamente, se pronunciem sobre
os trabalhos de gabinete e externos correspondente adaptação aos locais de
execução. Temos de considerar que na rua do Rio do Porto já existe uma conduta
central de despejo a qual terá de ser prolongada até às câmaras de decantação e
acética, a construir em sítio apropriado do regato; os ramais individuais das
casas de habitação e de uma forma geral dos prédios urbanos da citada rua terão
de obedecer à situação da conduta existente e à circunstância desta vir a ser
um nó do coletor dos despejos das moradias implantado desde a estrada e do
bairro do Rio do Porto. O nosso propósito neste caso, como no de tantos outros,
é incitar as autoridades responsáveis a andarem depressa, a abandonar o
imobilismo que tanto tem prejudicado a nossa terra e os seus interesses, que
lhes cumpre respeitar e defender. Não devemos ficar à espera de milagres; há
que agir e agir, enérgica e diligentemente, em ordem a resolver os pequenos
problemas iniciais dos melhoramentos a realizar: elaboração técnica de estudos
e projetos, sua aprovação pelas estações (deve ser repartições) oficiais
competentes, sua discussão e aclaração quanto à localização e programa de
trabalhos, prazos de execução, resistência, qualidade e caraterísticas dos
materiais a empregar, mapa das redes, locais de visita e ligação, etc. Há um
sem número de estudos prévios a fazer antes do início dos trabalhos e, por
agora, é a eles que nos queremos referir e pretendemos ver efetuados. Sem a sua
resolução não é possível começar as obras, e tudo quanto represente
retardamento refletir-se-á na execução, acabamento e concretização do
saneamento e consequentemente na eliminação dos asquerosos cheiros e emanações
pestilentas das ruas da Vila.» // F.S.
*
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1525, de 6/9/1964: «CORTEJO ETNOGRÁFICO.
// Enquadrado na castiça e tradicional festa da Senhora da Agonia realizou-se
na linda princesa do Lima, capital do nosso distrito, o cortejo etnográfico do
povo das bacias hidrográficas dos rios Lima e Minho. As festas de Viana sempre
se impuseram pela grandiosidade, afluência de forasteiros e caráter
estritamente minhoto, e no seu enquadramento destacam-se a tourada (!),
representação etnográfica e festa do traje, que constituem grandes atrativos e
brilhantes números do respetivo programa. Neste ano alguns dos números do seu
cartaz decorreram com o habitual brilhantismo, especialmente a Festa do Traje,
espetáculo sensacional e único, só possível em Viana, e do fogo-de-artifício,
variado, feérico e numeroso, a projetar-se nas águas remansosas do rio Lima. O
certame da Festa do Traje realizado a meio da tarde com extraordinária
concorrência de (forasteiros), nacionais e estrangeiros, recebeu uma grande
ovação de apreço e justificada admiração, à medida que as freguesias desfilavam
chamadas por ordem alfabética de nomes. Bem merecidos foram os aplausos da
assistência perante a riqueza, policromia e colorido do traje à (…), com as
modalidades introduzidas nas diferentes aldeias em obediência aos atos em que
são representados – mordomas, noivas e trabalhos rurais. Este número das
festas, possivelmente o mais belo e sumptuoso, é sempre um acontecimento
atraente e causador de admiração geral, tanto quanto ao traje como quanto à
exposição de objetos de ouro: cordões, medalhas e outras joias de valor real,
ostentadas galhardamente pelas lindas moçoilas em seus bustos constelados. A
serenata e fogo-de-artifício no rio Lima constituiu um número de grande atração
pelo seu ineditismo e pela profusão, beleza e artifício das suas peças,
colorido, e efeitos de luz sobretudo, nos numerosos bouquets queimados e da apoteose
final. Não diremos o mesmo quanto ao cortejo etnográfico que continua a merecer
os nossos reparos quanto à abertura carnavalesca dos gigantones, cabeçudos, Zés
Pereiras, e gaitas-de-foles, mais próprios de números das caraterísticas
folionas do carnaval do que de uma representação séria e curiosa das atividades
do povo do distrito. Na verdade, a abertura do cortejo provoca a mais
desagradável impressão e reduz o interesse que deveria merecer, justamente, a
vasta e admirável representação etnográfica da linda e afanosa região de entre
Lima e Minho. Depois de um carro da cidade, representativo de uma nau dos
velhos e gloriosos navegadores (com canhões indevidamente colocados abaixo da
linha de flutuação) seguiram-se vários carros representativos das atividades
rurais das freguesias, servidos por figurantes que bastas vezes usaram de
propósitos e atitudes apalhaçadas que reputamos menos próprias da austeridade
de um cortejo etnográfico mas que, no fim e ao cabo, estiveram em perfeita
correspondência e ao nível da censurável abertura carnavalesca dos gigantones e
cabeçudos. Após os carros, entremeados por bandas de música, seguiam
representações de costumes e trajes das freguesias representadas, oferecendo um
motivo curioso e dando uma nota muito interessante e agradável. Desejaríamos
que os nossos ligeiros comentários chegassem aos ouvidos dos promotores de futuros
cortejos etnográficos a fim de eliminar tudo quanto nele constitui ramboiada e
folia carnavalesca e de substituí-las por representações sérias e dignas de
serem mostradas e admiradas pela assistência.» // F.S.
*
Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 1526, de 13/9/1964: «PERIGO DE
INCÊNDIO. // Sob o título Soldados da Paz dissemos em artigo de fundo no número
1488 deste semanário, de 20 de Outubro, do ano findo: “O que neste concelho está
a passar-se em matéria de prevenção e extinção de perigo de incêndio revela uma
imprevidência criminosa, da qual só daremos conta quando tivermos de enfrentar
um sinistro sério e extenso. Será, então, tarde; não conseguiremos debelar o
inevitável”. O problema da prevenção e extinção de incêndios continua na ordem
do dia a apresentar-se como uma ameaça terrível sobre as propriedades urbanas
melgacenses, completamente expostas ao perigo de fogo, sem possibilidades de
auxílio e de meios técnicos quanto à sua extinção. Neste capítulo das
necessidades preventivas de Melgaço, estamos em piores condições do que as
existentes há meio século pois que, naquele recuado período, não havia meios
técnicos, mas não faltava dedicação e heroísmo em caso de sinistro ou de incêndio
declarado. Os tempos eram outros, os prédios primavam pela construção em
sólidas paredes de alvenaria exterior e interiormente, e os perigos de incêndio
restringiam-se ao chão das lareiras e de simples combustão na fuligem das
chaminés. Os melgacenses mais enraizados ao seu cortiço, e não contaminados
pela corrente emigratória, acorriam prontamente, à compita, para debelar os
sinistros, num admirável espírito de compreensão, de solidariedade e de humanidade.
Presentemente os utensílios domésticos de transporte de água não constituem
meios eficientes para debelar e extinguir fogos; os prédios estão mais sujeitos
em virtude das matérias comburentes das tintas e plásticos, dos perigos de
curtos-circuitos e outros, e do êxodo resultante da emigração, que arrastou
para longe a população ativa e válida ou criou hábitos egoístas e sedentários,
em que a solidariedade e a humanidade parecem não ter lugar. Temos um edifício
que, ao que se diz, é a sede social dos BVM mas que na realidade está adaptado
à realização de bailaricos, exposições e a garagem de particulares. Bombeiros
voluntários de Melgaço?! // Onde estão os bombeiros?!
Porventura alguém trata ou já tratou da organização de um corpo ativo que reacenda a chama da ética do bombeiro, criando-lhe o espírito de sacrifício, de abnegação e humanidade? Não! Em Melgaço não há bombeiros e, como não há bombeiros, é evidente que não há material de ataque a incêndios; não há escadas, não há manga, não há bombas, não há… nada! É, ou não, isto, verdade?! Imaginemos um incêndio na vila, de certo vulto, em prédio apalaçado ou de andar nobre. Na primeira fase do incêndio, e na melhor das hipóteses, assistiremos à gritaria barulhenta de algumas mulheres de boa vontade que, a par de impressionantes gritos de socorro, se prestam a ser aguadeiras, transportando diligentemente a água em cântaros e em baldes de uso doméstico. Quem despeja os baldes nos andares superiores sem meios de acesso? O fogo continua a destruir edifícios e recheios até que alguém se lembre de pedir, telefonicamente, auxílio aos soldados da paz da vizinha vila de Monção. Os monçanenses acorrem com o seu material e quando chegam ficam paralisados perante as ruínas fumegantes que um percurso de 24 quilómetros, demoras e paliativos não puderam evitar! Limitam-se a auxiliar a remoção do triste rescaldo da destruição total causada pelo sinistro que um pequeno corpo de bombeiros local poderia evitar. Ainda há dias no lugar dos Bouços, da freguesia de Prado, ardeu totalmente um edifício pertencente ao guarda-rios Manuel Augusto Gonçalves, cujo incêndio foi provocado por uma caseira ocupada na imprudente desinfeção de um poleiro de galináceos por meio do fogo! Salvo o gado, não se recuperou mais nada! Arderam todos os cereais, vinho e outros produtos da colheita. O edifício era de andar e a água não chegou à parte superior. Entretanto, da muralha da avenida que circunda a vila, grande multidão assistiu, curiosa, ao desenvolvimento do fogo! Lembra-nos o episódio do incêndio da velha Roma, provocado propositadamente pelos escravos do feroz tirano que passou à história com o nome de Nero, para que este sanguinário imperador (matricida?), assassino cruel, e ao que consta marido de todas as mulheres e mulher de todos os maridos, pudesse deleitar-se com o espetáculo inédito, e imponente, de ver uma cidade transformada em braseiro e os seus habitantes em fuga louca com medo de serem calcinados.» // F.S. // continua...
Sem comentários:
Enviar um comentário