ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
MELGAÇO E O SEU FERIADO CONCELHIO
«É decorrido cerca de um ano após o
feriado concelhio de Melgaço, que se verifica a 5 de Maio de cada ano. Em todas
as terras da província os feriados concelhios coincidem com festas religiosas e
pagãs que todas as cidades e vilas promovem em benefício do seu turismo, do seu
comércio, das suas indústrias, numa palavra, de tudo quanto contribua para o
progresso material e moral de um povo que tenta progredir e quase sempre o
consegue, porque o querer é uma força. Quem inicia uma viagem, vindo do Porto,
através deste jardim sempre florido e encantador que é o Minho, constata esse
facto animador. Famalicão, onde se realizam todos os anos grandiosas festas e
feiras francas, que dá (?) o cartaz berrante de um povo cheio de vitalidade.
Braga, com o seu São João, agora à porta, festas magníficas e pomposas, com a
sua reputação feita por milhares e milhares de forasteiros que aproveitam essa
excelente oportunidade para visitarem a cidade dos arcebispos, sempre velha e
sempre nova. Barcelos, da minha particular afeição, móvel e ridente cidade que
o Cávado banha com carícias de apaixonado… Festas das Cruzes. Garridice e
bulício – todo um povo de noventa e cinco freguesias (salvo erro) a deslocar-se,
nesses três dias de coração à larga, para a sua linda cidade, a gozar, a
divertir, e – o que é melhor – a gastar. Barcelos! Terra formosa entre as
formosas. E perdoem-me, se o elogio em boca própria é vitupério, como alguém já
afirmou. Depois começa a subida para o Alto Minho. Viana do Castelo – a cidade
feiticeira pelos encantos com que a natureza, sempre pródiga, a dotou. A
Senhora da Agonia, a lembrar ao povo que nem tudo são tristezas nesta vida.
Festas, também, de reputação feita. “Lindos frisos” de mulheres bonitas (que os
trajes regionais mais fazem ressaltar aos olhos de um mundo fascinado por tanta
beleza e harmonia…) Um pouco mais para cima, Caminha, toda fresca e lavadinha,
ali às portas de Espanha, como que a mostrar a estranhos que em Portugal é tudo
assim – a recender frescura. Santa Rita, festa grande do concelho. Um pouco de
vida movimentada na monotonia provinciana. Depois, mais para cima ainda, Cerveira,
Valença, Monção, todas à porfia a ver qual delas faz melhor de ano para ano.
Nos tempos que vão correndo, a concorrência é tudo. Até nas festas! Chega-se a
Melgaço e pronto, senhores: somos duchados por um jacto de água fria que nos
enregela a sensibilidade! Peço mil desculpas aos melgacenses que sempre me têm
acolhido com a maior benevolência. Mas a verdade é só uma, e a verdade é esta:
em Melgaço dorme-se em demasia. Vive-se como que numa ilha deserta, desprovida
de T.S.F. que nos ligue (peço licença para falar no plural) com o mundo actual, a vida que passa – uma vida toda feita
de saltos bruscos, rápidos e contínuos, mexida e febricitante, a estimular os
nervos, as energias e as vontades de quem não deseja ficar pelo caminho… No dia
5 de Maio concedeu-se feriado no concelho. Melhor fora que o não tivessem
concedido. O trabalho, ao menos, distrai. Uma banda de música e uma procissão é
pouco, mesmo muito pouco, para que tal regalia seja concedida, onde [dela]
alguém se aproveite. Qualquer coisa que se parecesse com uma festa, sim; e isso
não era difícil, mesmo nestes tempos calamitosos de crise. O ponto era que
todas as pessoas da terra, e até estranhos que nela vivem, com
responsabilidades morais, acordassem do sono letárgico em que permanecem. A Câmara
Municipal, Comércio, Indústria e Povo, tudo devia congregar-se para um mesmo
fim. Atrair o forasteiro por todas as formas ao seu alcance. Não deviam
desprezar a data do feriado concelhio, realizando as festas do concelho. Não
eram precisas pompas desmedidas. Bastava que os brios da terra não fossem apoucados.
E isto, repetimos, não representa nenhum bicho de sete-cabeças. A menos que,
para propagandear a terra, julguem mais do que suficiente a acção benéfica e
miraculosa das Águas do Peso, deixando à sua reputação esse trabalho que a
todos, sem excepção, pertencia.»
Baltazar Benfeito (Notícias
de Melgaço n.º 152, de 5/6/1932).
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