ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
A FEBRE TIFOIDE E OS SEUS PROTAGONISTAS
I – EPIDEMIA
Ao longo dos séculos as doenças
infeciosas, que alastram como rastilho inflamado, foram surgindo no concelho
de Melgaço. Uma das razões principais era, sem quaisquer dúvidas, a falta de
higiene. No século XX duas epidemias levaram à cova centenas de melgacenses!
Vou tentar, através dos jornais da época, dar uma ténue ideia do que se passou.
Em Dezembro de 1913 escrevia o
correspondente do “Correio de Melgaço” em Castro Laboreiro: «Grassa com grande intensidade, no Rodeiro, o
tipo exantemático, que tem produzido numerosas vítimas. Morreram perto de vinte
pessoas e estão atacadas umas treze. O subdelegado de saúde já lá foi em
companhia da autoridade administrativa a fim de tomar as providências que a
gravidade do caso requer.»
No mesmo número do jornal noticia-se que
existe também a doença nos lugares de Teso e Campelo, não se sabendo ainda se
era o tifo. Desde o dia 11 até 18/12/1913 faleceram no Rodeiro onze pessoas de
diferentes idades, vítimas da moléstia. Era grande a quantidade de pessoas
atacadas por essas febres «de mau
carácter», receando-se que a maior parte acabasse por morrer, pois pouca
esperança havia em salvá-las. Lamentava-se o jornalista: «Dentro de pouco tempo ficarão muitas crianças órfãos de pai e de mãe,
sem terem quem as ampare, sem uma mão carinhosa que as guie nesta vida de
misérias.» Na reunião de 31/12/1913 a Câmara Municipal de Melgaço concedeu
10$00 para desinfetantes e medicamentos a castrejos afetados pelo tifo.
Contudo, só seriam concedidos esses benefícios «aos que apresentarem atestado de pobreza, passado pela Junta de
Paróquia, mas vindo as receitas à
Câmara para lhe ser posto o visto.» O correspondente do Correio de Melgaço
voltava ao assunto a 31/12/1913. Dizia que a febre tifóide continuava a invadir
toda a freguesia, tendo falecido já bastantes pessoas. O Dr. Vitoriano visitava
os doentes, fazia o que podia, mas os recursos eram escassos. Pode ler-se no
Correio de Melgaço n.º 82, pela pena do seu correspondente em Castro: «A terrível febre tifóide continua na sua
marcha destruidora, roubando todos os dias a esta populosa freguesia novas vítimas
que eram o amparo de suas famílias, ficando muitas criancinhas sem uma única
pessoa que se compadeça da sua triste situação. Desde o dia 31/12/1913 até hoje
(9/1/1914) faleceram mais sete pessoas,
entre as quais António Fernandes, do Rodeiro, que ainda há poucos dias sofrera
a perda da esposa, vítima também desta terrível epidemia. (…) Deixa três meninos de tenra idade, e um
deles, o mais novinho, que apenas conta quatro anos, está também atacado da mesma
moléstia, e entregue aos cuidados de seus tios.»
Na
sessão da Câmara Municipal, ocorrida a 10/1/1914, leu-se um ofício da Junta de
Paróquia de Castro, juntando cópia da ata da sessão extraordinária da mesma
Junta, levada a efeito a 6/1/1914, na qual se pede a ida permanente de um
facultativo, a fim de tratar os doentes atacados pelo tifo, que tantas vítimas
está causando naquela freguesia, e pedindo à Câmara medicamentos para os
doentes pobres. Esta resolveu fornecer medicamentos só aos pobres que
provassem, com atestado, passado pela Junta de Paróquia, a sua indigência, indo
as receitas à Câmara para serem visadas! Sobre a ida do médico, resolveram, os
vereadores, dar conhecimento ao Governador Civil para ele tomar as decisões
convenientes.
O Correio de Melgaço recebeu uma carta de
Manuel António Fernandes, natural de Castro, na qual contava os horrores que a
epidemia estava causando naquela freguesia. No mesmo jornal lia-se que na
sexta-feira, 16/1/1914, fora a Castro, em visita oficial, o administrador
substituto, Cícero Cândido Solheiro, acompanhado do subdelegado de saúde, Dr.
Vitoriano, a fim de conhecer as necessidades da freguesia e ordenar os meios
necessários para impedir a propagação da doença. (Não pensem os leitores que
eles iam de automóvel. Não! Iam de cavalo, mula ou burro, por Fiães, visto não
existir nenhuma estrada para Castro, isso só aconteceria muitos anos mais
tarde). Constava, na altura, que a epidemia estava localizada, existindo apenas
oito casos. Não era verdade, como teremos a oportunidade de verificar.
Na sessão da Câmara Municipal Melgaço de
21/1/1914 apresentaram-se Domingues Rodrigues e José Bento Monteiro, de Bico,
Castro Laboreiro, a pedir providências para debelar a epidemia que grassava
naquela sofredora freguesia. O vogal Aurélio Azevedo aproveitou essa sessão para
dar conta aos seus pares daquilo que presenciara na sua visita a Castro no dia
16, juntamente com Cícero Solheiro e o subdelegado de saúde, Dr. Vitoriano;
apresentou várias razões para demonstrar que os castrejos não cumpriam as
prescrições médicas. O administrador distribuíra esmolas aos doentes pobres, e
chamara a atenção das famílias dos enfermos para irem à vila de Castro a fim de
levarem os medicamentos e desinfetantes necessários. Até àquela data nenhum
doente pobre reclamara medicamentos, o que era de estranhar, segundo ele.
O correspondente do Correio de Melgaço em Castro escreve a 16/1/1914: «A febre tifoide, apesar de continuar na sua marcha destruidora tem, contudo, declinado bastante nos últimos dias. Desde o dia nove até hoje houve quatro casos fatais. Portanto, não está tão assustadora como para aí dizem! O Dr. Vitoriano tem visitado os enfermos, amiudadas vezes, tentando, por todos os meios, debelar esta terrível doença, sendo credor do reconhecimento dos castrejos. Não podemos deixar de o elogiar pelos serviços prestados. Entre os doentes achava-se Maria Rosa Afonso Alves, esposa de António José Rodrigues Alves, de Adofreire.»
Mas nem tudo eram tristezas. O mesmo
correspondente, diz-nos que Maria Augusta Esteves Monteiro, mulher de Delfim
Gonçalves, de Queimadelo, deu à luz, a 11/1/1914, uma criança do sexo
masculino, a quem deram o nome de José Luís. Conta-nos, também, que o mercado
do dia 15 estivera pouco concorrido. E como despedida segredava-nos: «Faz muito frio em Castro.»
No Correio
de Melgaço n.º 85, de 1/2/1914, lê-se: «A
instâncias da autoridade administrativa foi autorizada uma brigada da delegação
da Cruz Vermelha de Viana a partir para Castro Laboreiro, onde há tempos
grassa, com mais ou menos intensidade, a epidemia do tifo. Na passada
segunda-feira chegaram de automóvel (à Vila de Melgaço) o Dr. Francisco José Barbosa Gonçalves,
chegando depois o restante pessoal no automóvel do Sr. Cícero Solheiro,
administrador substituto, que os tinha ido buscar a Lapela (à estação do
caminho de ferro). Os primeiros seguiram
logo para o monte, indo os outros no dia seguinte acompanhados pelo administrador
do concelho, Dr. António Durães. O Dr. Barbosa visitou mais de cinquenta doentes;
dos quais trinta e cinco, atacados de tifo, tendo sido já organizados cinco
hospitais (de campanha) em diversos lugares,
onde os doentes são tratados com o maior desvelo. Não podemos deixar de frisar
o procedimento de todo o pessoal, que com uma abnegação rara em nossos dias
tanto se interessa pelo sofrimento alheio, sendo todo ele digno dos maiores
louvores, e em nome do povo de Castro Laboreiro aqui deixamos expresso o nosso
reconhecimento, especialmente ao Dr. Gonçalves, ao comandante do destacamento,
Sr. Túlio Augusto Morais da Mota, e
farmacêutico Jaime Silva, que deixaram os seus interesses da cidade para numa
humanitária obra se exporem às agruras da serra. Também é digno do reconhecimento
do povo castrejo o seu professor, comendador Matias Sousa Lobato, cujos
serviços foram bem apreciados pelo Dr. Gonçalves, que lhe teceu os maiores
elogios. E (…) foi o comendador
nomeado provisoriamente enfermeiro da Cruz Vermelha, sendo de crer que em breve
o seja definitivamente.» Mais à frente informa-se de que o Dr. Gonçalves
fora substituído pelo Dr. Francisco de Araújo.
Porque estávamos num período crítico da
política nacional, as intrigas surgiam aqui e ali, com alguma regularidade.
Lê-se no Correio de Melgaço: «Alguns mal-intencionados
riem-se por o distinto clínico, Dr. Barbosa Gonçalves, verificar ainda em Castro,
em trinta e cinco doentes, de febre epidémica, alguns casos de tifo abdominal,
quando o digno subdelegado de saúde tinha dito não haver casos novos de tifo
exantemático, que era a moléstia epidémica que ali existia até 20/1/1914, dando
assim a perceber que os dois médicos estão em contradição. Ora o subdelegado
participou aos seus superiores no dia 24 do mesmo mês a notícia de que não
havia já casos de tifo exantemático, mas sim casos de outras doenças. O Sr. Dr.
Barbosa Gonçalves verificou no dia 27 que havia casos de tifo abdominal,
moléstia também epidémica, mas diversa do tifo exantemático, portanto ninguém
tem que rir-se, porque as informações do subdelegado estão de harmonia com o
que verificou o Dr. Gonçalves.»
E quem é que ria?! – perguntará o
leitor. Na altura havia em Melgaço dois jornais: “Correio de Melgaço” e “Jornal
de Melgaço”. À volta desses jornais reuniam-se pessoas afetas a partidos
políticos. No Correio de Melgaço estava o grupo do Dr. António Augusto Durães,
jovem advogado; no Jornal de Melgaço estava João Pires Teixeira e o seu grupo,
que governou a Câmara Municipal de Melgaço desde Outubro de 1910 até 1926,
quando se verificou o golpe militar, que deu origem ao corporativismo-salazarismo.
Pois bem: as pessoas que escreviam nesses jornais atacavam-se mutuamente, como
de inimigos se tratasse, embora todos se dissessem republicanos, portanto
amigos do regime! Já não chegavam os monárquicos, tendo à cabeça o ativo Paiva
Couceiro, para incomodar a República, os próprios republicanos não se
entendiam!
O correspondente do Correio de Melgaço em Castro Laboreiro dá-nos a preciosa informação: «No dia 26 chegou a esta vila uma secção da Cruz Vermelha, de Viana, composta dos senhores: Dr. Francisco José Barbosa Gonçalves (médico); Jaime Silva (comissário, farmacêutico); Túlio Augusto Morais Mota (comandante de pelotão de maqueiros); Alexandre Martins Ramos, Luís do Nascimento e José M. Sousa Lima (enfermeiros); Sebastião M. Passos (ajudante de enfermeiro); António Rodrigues Alves (chefe de maqueiros); Alberto Luís Fernandes, Álvaro dos Reis, Óscar Pereira Rodrigues, José Francisco Barbosa (maqueiros); Hermenegildo Viana, Carlos Baptista Viana (serventes); Aurélio Hermógenes (clarim). Com o pessoal da Cruz Vermelha vieram o Dr. António Augusto Durães, administrador do concelho de Melgaço, e o subdelegado de saúde, Dr. Vitoriano… No dia 27, pelas oito horas, partiram em visita aos lugares atacados pela epidemia, tendo visitado todos os doentes, que são em número de trinta, segundo informou o Dr. Barbosa Gonçalves, mas não estando todos atacados de febre tifóide. O Dr. Barbosa Gonçalves e todas as pessoas que o acompanharam percorreram uma distância de 30 km, prestando toda a atenção aos enfermos, conversando com eles, o que deixou este povo muito satisfeito. Foi instalado um hospital na capela da Senhora da Boa Vista, Cainheiras, encontrando-se ali em tratamento sete enfermos. No Bico também foi instalado um hospital, na casa de Francisco Domingues, conhecido por “Senhorinho”. Talvez se venham a instalar mais alguns hospitais, segundo o que nos disse o Dr. Gonçalves. A farmácia ficou nesta vila, nos baixos da casa da escola. No dia 29 chegaram mais o Dr. Francisco Araújo, que veio substituir o Dr. Barbosa, o qual já retirou para Viana, e o enfermeiro Ernesto Fonseca. Desde o dia 23 até hoje só temos a registar um óbito.»
A seguir fala-nos de outras coisas: «… devido às grandes neves que têm caído nesta
região temos sido visitados pelos lobos, os quais têm causado bastantes estragos
nos rebanhos de cabras e ovelhas, vendo-se os pastores em sérios embaraços para
se defenderem desses temíveis animais.» O tempo estava a melhorar, trazendo
com ele a esperança. (Correio de Melgaço n.º 85, de 1/2/1914).
No Correio de Melgaço n.º 86, de 8/2/1914,
pode ler-se: «Comendador Matias Sousa Lobato. Foi nomeado enfermeiro de 1.ª classe das ambulâncias da Cruz Vermelha
de Viana, com um voto de louvor, e reconhecimento dos relevantes serviços que
em várias epidemias tem prestado, com grave risco da sua vida, aos povos de
Castro Laboreiro, sendo os seus serviços bem apreciados pelos facultativos que
têm tratado as mortíferas febres que por diferentes vezes lá tem grassado.»
O ofício a nomeá-lo é esclarecedor: «Viana, 31/1/1914. Senhor Comendador Matias
Sousa Lobato: tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que a Direcção da Delegação
Distrital da Sociedade Portuguesa da Cruz Vermelha, nesta cidade, em sua sessão
de ontem, e por proposta do Dr. Francisco Barbosa Gonçalves, resolveu nomear V.
Ex.ª enfermeiro de 1.ª classe das ambulâncias da mesma Delegação. Em virtude
das boas referências do nosso médico chefe para com V. Ex.ª quer com respeito
ao auxílio poderoso que prestou a todo o pessoal desta Delegação, quer na
prática do bem e no exercício da caridade para com os doentes, a mesma Direcção
resolveu exarar na acta um voto de louvor a V. Ex.ª pelo seu alto patriotismo e elevada benemerência. Saúde e
fraternidade. O presidente da Direcção – Gaspar de Azevedo Araújo e Gama,
General. O médico chefe das ambulâncias – Francisco José Barbosa Gonçalves.»
No dito número do jornal o correspondente
informava que a epidemia continuava estacionária, havendo a registar, de 1 a 5
de Fevereiro, mais cinco óbitos. A Cruz Vermelha enviara duas barracas hospitais,
pertencentes ao ministério da guerra, que se destinavam a hospitalizar cem
doentes, além de 200 enxergas, 200 lençóis, 100 cobertores e 10 capotes para o
pessoal da coluna que ali fazia serviço.
Na sessão da Câmara Municipal, de
11/2/1914, lê-se um telegrama do Governador Civil: «consta que o médico Pereira de Sousa está restabelecido devendo, nesse
caso, seguir para Castro Laboreiro.» Nessa sessão estavam presentes os dois
médicos municipais: Sousa e Vitoriano. Este último faz uma longa exposição da
epidemia, das providências que pediu à Câmara Municipal de Melgaço e às
autoridades superiores; das visitas que todas as semanas tinha feito àquela
freguesia serrana; das condições de limpeza e higiene em que vivia o povo castrejo
e finalmente afirmava que a verdadeira epidemia que podia vitimar não só o povo
dessa freguesia mas o do concelho inteiro – por ser contagiosa e muito
mortífera, tifo exantemático – já desaparecera, havendo ali atualmente várias
doenças endémicas próprias da região e para as quais entendia que
hospitalizando os doentes, com dois enfermeiros e duas enfermeiras, e com os
seus serviços clínicos uma vez por semana, facilmente desapareceriam essas
doenças. O Dr. Francisco Araújo confirmara-lhe essas declarações, ao mostrar um
boletim que nessa ocasião enviara ao Delegado de Saúde. E lembrou à Câmara que
a epidemia estava a ser aproveitada para fins pouco louváveis, quando era certo
que já não existia a tal epidemia de tifo exantemático, mas sim outras doenças
endémicas. Disponibilizou-se para continuar a fazer as visitas semanais a
Castro, ou as que fossem necessárias, mesmo com prejuízo da sua saúde, pois que
elas eram muito trabalhosas, atendendo a que os doentes se achavam muito
dispersos e a grandes distâncias, que era necessário vencer a pé, por entre a
neve! Dando por concluída a sua exposição, falou de seguida o Dr. Pereira de
Sousa. Disse que se no princípio da epidemia tivessem intervindo no assunto as
autoridades competentes, isto é, a classe médica do concelho, as autoridades
administrativas e a Câmara Municipal, não se teria dado a desordem existente,
como os vereadores ouviram da boca do seu colega, subdelegado de saúde. Era sua
opinião, tendo em vista que os lugares estavam distanciados uns dos outros, instalarem-se
na vila de Castro todos os enfermos, que poderiam ser tratados no quartel da
Guarda-Fiscal, na casa do antigo tribunal e da escola, não sendo precisas as
barracas da Cruz Vermelha. Que tudo o mais que se fizera e estava fazendo «são fantochadas»! O seu estado de saúde
não lhe permitia fazer serviços violentos, e avisava desde já que não contassem
com ele para se instalar em Castro. Depois de ter escutado com a máxima atenção
os dois médicos, a Câmara decidiu oficiar ao Governador Civil, informando-o de
que a epidemia já estava extinta e que apenas existiam doenças próprias da
região; que o subdelegado de saúde fizera e continuaria a fazer as visitas semanais
àquela freguesia, e que o Dr. Sousa não podia, devido a doença, seguir para Castro
Laboreiro.
O correspondente do “Correio” escrevia a
5/2/1914: «… o pessoal da Cruz Vermelha
tem sido incansável no tratamento dos enfermos; todos os dias percorrem os
lugares de Cainheiras, Bico, Corveira, Podre, Barreiro, Dorna, Bago, etc. –
onde existem doentes em tratamento. O trabalho que levam, extenuante, pela
razão dos doentes se encontrarem repartidos e não se poderem instalar
hospitais, por se acharem, todas as
casas desses lugares, afectadas; esperam-se com ansiedade as duas barracas
hospitais e mais material destinado à secção da Cruz Vermelha, para ver se se
pode evitar a propagação da epidemia aos poucos lugares que ainda existem sem
ela. O povo desta freguesia está deveras satisfeito (…) com os bons serviços que tem prestado toda a
coluna, pois além do fatigante trabalho em percorrer os lugares, no tratamento
dos tifosos, ainda ajudam a conduzir os cadáveres para o cemitério. Não podemos
deixar de exarar aqui os nossos mais sinceros agradecimentos e louvores a todo
o pessoal da Cruz Vermelha que aqui tem feito serviço e temos a certeza que
neste agradecimento e louvor nos acompanha o povo desta freguesia. A febre,
apesar de todos os esforços para a debelar, continua na sua marcha assustadora,
tendo vitimado desde o dia 1 até hoje mais cinco pessoas, entre as quais o Sr.
José Esteves Caneiro, do Rodeiro, que ainda há poucos dias tinha ido trabalhar
para Espanha, no ofício de pedreiro, onde se sentiu incomodado, tentando
regressar a sua casa; (…) a doença
atacou-o de tal maneira que veio a falecer no lugar de Corbelhe, paróquia de
Bande, Galiza. Este homem ficara há anos viúvo e era o amparo de três filhos de
tenra idade, tendo-lhe falecido em Dezembro último a filha mais velha!» E
remata: «Depois de termos gozado um sol
primaveril, vieram visitar-nos as chuvas, fazendo um frio insuportável.»
O médico da Cruz Vermelha, Dr. Francisco
Araújo, reagiu assim às palavras do subdelegado de saúde: «Tendo lido as declarações feitas pelo Dr. Vitoriano, na sessão
camarária de 11/2/1914, em abono da verdade tenho a dizer o seguinte, sobre a
epidemia de Castro Laboreiro: – existe ali uma epidemia de febres tifóides, não
sei desde que data, tendo eu ocasião de ver vinte e cinco casos, cujos nomes
passo a relatar, como já o fiz nos relatórios enviados à Cruz Vermelha, administrador
de Melgaço e Delegado de Saúde. Óbitos nos lugares de: Barreiro – Gertrudes Pires. Podre – Catarina Esteves, Ana
Domingues, Abílio Esteves, Maria Augusta Alves, Joaquina Alves, Augusto
Fernandes e Joaquina Fernandes. Dorna
– Rosa Fernandes, Rosa Rodrigues, António
Domingues e Francisca Domingues. Assureira
– Rosa Domingues. Corveira – José Gonçalves. Bico – Maria Gonçalves. Cainheiras (na capela) – Serafim
Rodrigues, Daniel Rodrigues Gonçalves, Joaquina Rosa Esteves e Deolinda
Domingues. Cainheiras (fora da
capela) – Maria Rosa Alves, Rosa Alves,
Manuel Afonso, Albino Afonso e Maria Rodrigues. Bagos de Baixo – Rosa Alves.
Com relação a tifo exantemático nenhum
caso encontrei; essa opinião pertence ao Dr. Vitoriano, que me disse terem
existido anteriormente. Viana, 19/2/1914. Médico da Cruz Vermelha.» (Correio de Melgaço n.º 88, de 22/2/1914).
Em sessão da Câmara Municipal de Melgaço,
de 18/2/1914, foram lidos dois telegramas enviados pelo Governador Civil,
lamentando que só agora se tivessem lembrado da hospitalização dos doentes em
Castro, e pedia para lhe dizerem se a coluna da Cruz Vermelha ali destacada
devia ou não retirar. O Dr. Vitoriano, que estava presente, informa que não
fora ele que requisitara os serviços da Cruz Vermelha, mas reconhecia serem ali
precisos. Sustentava a sua opinião sobre a epidemia, que classificava de
doenças próprias da região. O Dr. Sousa era de opinião que se devia consertar a
antiga casa do tribunal para ser utilizada para hospitalizar os enfermos.
Dever-se-ia, segundo ele, aproveitar o quartel da Guarda-Fiscal e a barraca de
campanha da Cruz Vermelha para hospitalização dos doentes. Entendia que o
pessoal da Cruz Vermelha devia ali continuar enquanto fosse necessário.
O administrador, Dr. Durães, confessou à
Câmara que fora ele que lembrara ao Governador a conveniência de ir para Castro
uma coluna da Cruz Vermelha devido às reclamações do povo daquela freguesia, e
tivera ocasião de avaliar essa conveniência quando fora informado pelo Dr.
Barbosa Gonçalves de que existiam 34
casos de tifo, alguns dos quais ele próprio vira, e tivera depois a confirmação
da notícia pelos relatórios que o Dr. Francisco Araújo lhe enviara, muito
embora esse médico apenas relatasse 25
casos. Elogiou os serviços prestados pela ambulância da Cruz Vermelha e disse
que o povo de Castro estava muito grato a todo o pessoal. Achava que deviam
continuar lá, até extirparem o mal, embora esse assunto dissesse mais respeito
aos médicos municipais. Informou os presentes de que o quartel da Guarda-Fiscal
fora cedido pelo capitão comandante da 3.ª companhia a fim de ser aproveitado
para hospital. Lembrava, mais uma vez, que estava pronto a prestar todo o
auxílio às autoridades sanitárias do concelho. Era de opinião que se devia pôr
de parte a ideia de reparar a casa do antigo tribunal, porque essas obras
levariam muito tempo a realizar.
A Câmara, depois de imensos alvitres,
resolveu informar o Governador de que se ia proceder à hospitalização imediata
dos doentes nas casas que estivessem em condições e na barraca da Cruz Vermelha,
e aconselhá-lo a que mantivesse a delegação da Cruz Vermelha na freguesia de
Castro.
Escrevia o correspondente do “Correio” a
19/2/1914: «A febre tifóide continua na
sua marcha, sendo raro o dia em que se não observam novos casos. O número de
doentes é cada vez maior, não escapando ninguém sem ser atacado, mais ou menos
gravemente, por esta terrível moléstia, que tanta vítima tem causado. No dia 15
chegou a esta vila mais pessoal da Cruz Vermelha para reforçar o que aqui se
encontra há tempos em serviço. Esperamos hoje a barraca que vai ficar instalada
junto ao quartel da Guarda-Fiscal, o qual já foi entregue ao pessoal da Cruz Vermelha
para nele ser instalado um hospital. Não podemos deixar de continuar a louvar
todo o pessoal aqui destacado pela maneira digna e altamente humanitária como
se tem dedicado ao tratamento dos numerosos doentes da epidemia, não deixando
um só dia de visitar os lugares onde os seus serviços são precisos, arrostando com as inclemências do tempo,
percorrendo esses lugares debaixo de chuva e neve, nada os fazendo recuar ou
esmorecer no sagrado cumprimento da caridade, pelo que o povo desta freguesia
lhes ficará eternamente reconhecido.» E depois de uma breve pausa, continuava:
«Tem aqui sido muito comentadas as
notícias, que alguns jornais publicam, de que não existe epidemia em Castro
Laboreiro, ou que já está debelada, quando é certo que desde o dia 5 até hoje
temos a registar mais sete óbitos.» E lamentava-se: «Antes fossem verdadeiras essas notícias, mas (…) não o são…»
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