DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
Por Joaquim A. Rocha
cartas de um castrejo
26.ª - «Senhor Redactor: nem sempre, daqui, podemos dar louvores e
por isso é para nós da maior satisfação registar o procedimento da Guarda
Fiscal, deste e outros postos desta freguesia, abastendo-se de comparecer na
festa da Senhora da Vista, nas Cainheiras. Tudo na melhor ordem e harmonia, na
linda festinha – sem um senão, sequer. A música de Melgaço houve-se com tal
galhardia que as rochas da Anamão ainda hoje repetem os ecos dos seus acordes…»
(Correio de Melgaço n.º 211, de
13/8/1916).
27.ª - «Senhor Redactor: não há escola agora. // A Guarda Fiscal
tomou um aprumo louvável – decerto por imposição superior. // As searas estão
ceifadas pela foice inclemente do segador. // O calor aperta, mas não tanto que
nos torne as águas insalubres. // A Europa, ou melhor, o Mundo, convulsiona-se;
e o castrejo, através de uns vidros foscos, por não ter retina de águia, vê
estas misérias (…) e também vê as grandezas. E, como combatente rijo, duro,
áspero e infatigável, a favor da terra que lhe foi berço, aborda, muito de
mansinho, a próxima exploração duma mina (oh! que minas nós temos) de estanho,
para purificar. // Abraçamos com íntima satisfação o Comendador, de volta da
Ribeira. // O amigo Ventura foi para as Caldas de Monção.» (Correio de Melgaço
n.º 212, de 20/8/1916).
28.ª - «Senhor Redactor: foi o domingo passado, para nós, um
manancial de esperanças, e sabe V. que é da esperança que o homem vive: - desde
o imberbe que tem a sua namorada, de quem se julga adorado, até ao velho que,
conquanto a todo o momento busque, curvando-se, a sepultura, faz pela vida.
Bela e risonha esperança! Inconfundível sonho humano! É que os senhores Joaquim
Oliveira, deputado da nação, Dr. Amaro Oliveira, administrador e
ex-administrador do concelho, recebedor, Henrique Fernandes Pinto, José Durães
e António Esteves, aqueles o presente e estes o futuro, visitaram-nos. Daqueles
esperamos que, vistas as nossas reclamações, advoguem, no Congresso, as
justíssimas causas que desafiaram as nossas cartas, e que de viso avaliaram, a
propagação das nossas belezas horríveis – mas naturais e inconfundíveis… Destes
esperamos também e com foros de legalidade que, amanhã, quando forem os homens
a que aspiram, se recordem de que Castro Laboreiro, embora terra inóspita (…)
alberga dedicações e almas generosas e… que não são à moda das de lá de baixo,
rudes, mas belas na sua rudeza. Saibam, pois, S. Ex.ªs que nos confundiram com
amabilidades e a distinção que se alia sempre à educação e instrução: - nós
queremos escolas, pelas quais havemos sempre pugnado; nós não aspiramos ao
caminho-de-ferro, para já, mas as riquezas que contêm os nossos montados cá
no-lo trarão, ainda que não seja senão aéreo (…); nós não devemos pagar contribuições
(em estado normal, claro – que as da guerra teríamos a menos que no-las
dispensassem), porque, esta terra sáfara, precisamos regá-la com o próprio suor
dos filhos e das esposas, para nos dar pão para dois meses (…) Que mais dizer?
Só recordamos, que os olhos de V. Ex.ªs, mais argutos reconheceram das nossas
extremas necessidades. Saía-se da missa do dia, e a voz do Comendador,
autoritária e rija, convidou-nos a ir até às Lajes, à espera dos Ex.mos
visitantes. Fomos, como bom castrejo, assistimos ao discurso de apresentação de
S. Ex.ª, como às suas reclamações, promessas (milho e estrada), desfilamos
ordeiramente, na vanguarda de cavalgada, assistimos ao café, em casa do
Comendador, que precedeu o almoço, assistimos a este (…) ali mesmo junto à
ponte – note-se que, no local, destacavam-se o nosso regedor, a governante do
Comendador, este e eu. Depois dos últimos petiscos acompanhamos a simpática
caravana ao castelo, entramos pela porta falsa, e vigiamos que alguns dos
simpáticos moços e endiabrados nos não namorassem a querida moura que aquelas
vetustas muralhas nos hão guardado há tanto tempo… Castro Laboreiro,
24/8/1916.»
// continua...
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