A MINHA RELIGIÃO E OUTROS ESCRITOS
Por Joaquim A. Rocha
A EMIGRAÇÃO E OS EMIGRANTES
Estamos em Agosto de 2005. Todos os anos
neste mês, a maioria dos emigrantes, naturais do Alto Minho, vêm visitar a sua
terra natal. Os da primeira geração, quando partiram, nos anos sessenta do
século XX, levaram na sua bagagem apenas um naco de pão e uns chouriços, ou
umas fatias de presunto, e a vontade enorme de amealhar. A França, a Alemanha,
o Luxemburgo, entre outros países europeus, além do Canadá, mais raro, era o
seu destino. O franco e o marco eram moedas fortes e eles estavam dispostos a
sacrificar-se ainda mais para juntarem alguns contos de réis. Não sabiam
gastar, por isso a poupança era fácil nesse tempo. O objetivo era construírem
na sua terra uma casa e adquirirem mais uns campos de cultivo – estavam fartos
de serem pequenos agricultores ou caseiros. No início cozinhavam para eles
próprios, tratavam da roupa, residiam em barracas, os chamados bidonvilles.
Compravam nos talhos a carne de terceira categoria, as miudezas, aquela que os
naturais rejeitavam. Vestiam sempre os mesmos trapos, roupa grosseira, somente
ao domingo tomavam banho e mudavam a sua fatiota. Pessoas humildes, habituadas
a um trabalho duro, quer no campo quer nas obras, mãos calejadas, estômago atrofiado,
logo se adaptaram ao ritmo daqueles países; o mais difícil foi aprender aquelas
línguas esquisitas, mas até isso superaram, inventando uma espécie de dialeto.
Alguns deles tinham apenas a quarta classe da instrução primária, muitos outros
eram analfabetos. Línguas não dominavam nenhuma, nem a sua própria. A sua cultura
geral era muito rudimentar. A maioria deles nunca tinha saído da sua freguesia
ou do seu concelho. O “salazarismo” regime político que vai de 1933 a 1974 (não
levando em linha de conta a ditadura militar que o precedeu, bastante
influenciada pelo professor conimbricense), mostrava pouco interesse em promover
a cultura dos portugueses; quanto menos estes soubessem melhor seria para os
governantes - dessa maneira podê-los-iam controlar mais facilmente. Salazar,
simpatizante do fascismo italiano e do nazismo alemão, apoiante ativo de
Franco, soube contudo conduzir a política externa portuguesa de molde a não se
comprometer com ninguém. Dava uma no cravo e outra na ferradura, e assim ia
levando a água ao seu moinho. Quando terminou a segunda guerra mundial, em
1945, esperava-se que o regime caísse estrondosamente, mas os americanos, por
motivos estratégicos, seguraram o ditador. O que este concedeu em troca aos
ianques toda a gente sabe. Para os americanos pouco importava que os cidadãos
lusos sofressem na pele uma ditadura feroz e demoníaca, o que eles queriam, e
conseguiram-no, era colocar em solo português algumas bases militares. Os
embaixadores da América do Norte tornaram-se quase os donos do nosso país.
Ainda hoje não sei por que deixaram concretizar-se o 25 de Abril de mil
novecentos e setenta e quatro. No entanto, não permitiram, e ainda bem, que o
PCP tomasse conta do poder. Eu, que morava na altura no Bairro da Mouraria, em
Lisboa, tive virado contra a casa onde habitava um canhão instalado num vaso de
guerra americano! Mas voltemos ao princípio: os emigrantes foram-se, pouco a pouco,
adaptando a esses países ricos, dinâmicos, com regimes democrático-burgueses,
aos quais deram toda uma vida de trabalho. Eles, que já quase tudo tinham
sacrificado ao país, recebendo em troca umas côdeas de pão de milho e um bocado
de toucinho rançoso, começavam agora a ver a cor do dinheiro. Em concelhos como
Melgaço, Arcos de Valdevez, Ponte da Barca, etc., os camponeses auferiam uns
míseros escudos por dez ou doze horas de trabalho diário, e ainda por cima eram
tratados pelos médios e grandes proprietários como bestas de carga, quase como
escravos ou servos de gleba. Os seus direitos eram praticamente nulos e a
prepotência e ameaça eram constantes e pertinazes. Ai daquele que ousasse
enfrentar o cacique da terra – era de imediato acusado de comunista, de
desordeiro, e a Pide e a GNR logo tratavam dele. O Chefe, com a ajuda dos seus
apaniguados, tinha a máquina bem montada, nada lhe escapava. Da capital do
país, escondido na sua toca beneditina, tudo dominava. Não contou, porém, com a
ousadia dos estudantes africanos. Amílcar Cabral e Agostinho Neto, entre
outros, acharam que era altura de baterem o pé ao ditador. Desejavam a
autonomia das colónias, liberdade, desenvolvimento económico. O presidente do
conselho de ministros, em lugar de os escutar, mandou-os perseguir. Resultado:
guerra colonial. Eu, que estive na Guiné-Bissau durante dois longos anos, sei o
que isso nos custou. E é sobretudo por causa dessa maldita guerra, em três
frentes: Angola, Guiné e Moçambique, que milhares e milhares de jovens fugiram
de Portugal. Mais tarde mandaram ir as esposas, os pais, os irmãos… A maioria
das freguesias, sobretudo as rurais, ficou sem vivalma. Só os velhos ali
ficaram. O fenómeno da emigração já se verificara antes; que eu saiba, no
século dezanove, e até nos séculos anteriores, embarcaram para o Brasil algumas
centenas de portugueses, mas como esta jamais acontecera. E o ditador perdeu a
guerra, porque os cidadãos lhe viraram as costas; mesmo aqueles que residiam
nas chamadas províncias ultramarinas, não apoiaram abertamente as suas decisões
– preferiam que tivesse havido uma negociação séria, um caminhar lento, mas
seguro, para a independência. O mal está feito, não podemos voltar atrás, e por
causa disso morreram e ficaram feridas muitas pessoas, quer de raça branca,
quer de raça negra, destruíram-se imensos lares, adiaram-se sonhos alcançáveis.
E também por causa das asneiras do filho de Santa Comba temos hoje no país
centenas de milhar de africanos desadaptados, com problemas sérios, quase
apátridas.
Neste mês de Agosto saibamos nós, os que
ficaram, receber de braços abertos os nossos emigrantes. Não os estigmatizemos
devido à sua pronúncia ou dos seus modos, dos seus novos hábitos, pois quarenta
ou mais anos de estrangeiro são muito tempo, uma vida, e que vida!
Artigo publicado no jornal «Frontera
Notícias» nº 14, de 6/8/2005.
Fraterno, Dr. das letras, Sr. Rocha, obrigado pelo conteúdo e preciosidade da narrativa sobre os Imigrantes. Sou casado com Rosa Maria Cordeiro Gama, uma filha de um Imigrante do século IXX, que viveu no Norte do Brasil, e por lá ficou pra eternidade. Já estivemos em sua casa em 2015, quando nos recebeu muito bem: obrigado! Estamos cá novamente em Braga, agora para ficar com um Imigrante Inverso do século XXI.Os bons filhos/as sempre regressão a querida terra natal lusa. Estamos a planear certo dia visitá-lo, para convosco desfrutar do seu sempre fraternal acolhimento e, de partilha de conhecimento. Estamos a residir na rua de São Geraldo, 66, Cividade. Para vossa atualização histórica, informamos que o Sr. Alberto Cordeiro, que residia em Penso, e sua prima Izabel Cordeiro, em Belém do Pará (para onde a família Cordeiro imigrou no século IXX), já estão em outro plano espiritual. Obrigado por vosso ensinamento e atenção. Do: Theodomiro Gama Jr, marido de Rosa Maria Cordeiro Gama.
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