terça-feira, 10 de março de 2015

TOMAZ DAS QUINGOSTAS


                                         1 – O homem


     Quando foi batizado na igreja de São Paio de Melgaço, pelo padre-cura João Durães, a 17/8/1808, puseram-lhe o nome de Tomás de Aquino; nascera dois dias antes, a 15/8/1808, no lugar das Quingostas. Tudo leva a crer que ele era o quinto filho do casal José Codesso e Maria Teresa de Castro, e talvez o mais novo. (1) Não lhe deram madrinha, e teve por padrinho o seu tio, Domingos José Codesso, do mesmo lugar. Os seus avós paternos chamavam-se Bento Pascoal e Maria Codesso, e moravam nas Quingostas; e os maternos eram Manuel António de Castro e Maria Meleiro, do lugar de Cavencas, todos da dita freguesia.
     A sua rebeldia é precoce, e começa pelo próprio nome, que ele rejeita! Onde quer que exista a sua assinatura, aparece Tomás Joaquim e não Tomás de Aquino! E pegou: todos o tratarão no futuro assim; até o padre, no seu assento de óbito, o designa por esse nome! Será que tem algo a ver com o facto de existir, por essa altura (nasceu em 1812), o jovem fidalgo da «Casa da Gaia», Tomás Joaquim da Cunha e Araújo? Mas então porque é que as suas três irmãs (Rosa Joaquina, Joaquina Matildes, Teresa Joaquina), vindas ao mundo antes dele, têm Joaquina no nome?   
     Embora tenha nascido numa casa de lavoura relativamente abastada, isto é, onde se produzia, em termos de alimentação, o suficiente para se viver todo o ano em desafogo, sem grandes carências, o seu espírito estava sempre agitado, desassossegado, revelando, segundo consta, desde cedo, uma invulgar dissemelhança das outras crianças. A sua vontade de saber, a sua curiosidade, levou-o à escola, talvez influenciado pelo primo padre (que mais tarde hostilizaria), onde aprendeu a ler e a escrever, coisa rara naqueles tempos, sobretudo nos meios rurais – basta lembrar que em 1779, para milhares de freguesias portuguesas, existiam apenas setecentas e vinte escolas do ensino básico, ou primeiras letras; no período miguelista encerraram-se muitas delas, chegando a calcular-se nessa altura 90% de analfabetos! Só em 1870 é que foi criado o Ministério da Instrução Pública! Em 1910, aquando da implantação da República, ainda tínhamos 70% de pessoas que não sabiam ler nem escrever!     
     Apesar de Melgaço, no século XIX, estar longe das grandes cidades, e politicamente nada valer, nem já como praça castrense, e São Paio ser apenas uma freguesia rural, com uma fidalguia em decadência, embora terra de uma beleza invulgar, um paraíso em miniatura, as agitações políticas, o ambiente de guerra, os boatos, deviam certamente chegar aos cantos mais recônditos do país – e São Paio não seria uma exceção! Tomás cresceu, pois, num Portugal em crise, numa instabilidade mórbida, que o acompanhou durante toda a sua curta e agitada vida.
     Mas, antes de continuar a falar-vos desta personagem tão polémica, vamos dar uma vista de olhos pela História dessa época.


                                       2 - Naquele tempo


     No princípio do século XIX Portugal tinha cerca de três milhões de habitantes. Lisboa albergava duzentos mil e o Porto cinquenta mil. Em 1807 reinava oficialmente em Portugal Dona Maria I, viúva de Pedro III. Como desde 1791 os médicos a consideraram doente mental, portanto incapaz de estar à frente dos destinos do reino, a regência passou para o filho, futuro João VI, visto o primogénito ter falecido. Em Julho desse ano de 1807 Napoleão, em guerra contra a Inglaterra, impõe o bloqueio continental. Em obediência a essa ordem todas as nações europeias deviam encerrar os seus portos aos navios britânicos. O príncipe português (tendo em conta a aliança que nos ligava à Grã-Bretanha, e o interesse nacionalbasta dizer que a frota britânica dominava os mares, e nós possuíamos colónias, logo, teríamos que estar de bem com eles, senão cerceavam-nos a passagem), não acatou essa imposição. O “pequeno corso” zangou-se connosco e assinou com a Espanha o tratado de Fontainebleau (27/10/1807), pelo qual o nosso país, incluindo as «possessões ultramarinas», seria repartido pela Espanha e pela França. É nessa ocasião que a Corte portuguesa escapa apressadamente para o Brasil (29/11/1807). Vai governo, vai tudo! Acontecem então três invasões: a 1.ª em finais de 1807 (graças ao auxílio dos ingleses, o general Junot manda retirar as tropas do nosso território em Agosto de 1808 – precisamente quando nasce o Tomás das Quingostas). A 2.ª invasão surge em 1809, comandada por Soult, saindo igualmente os franceses derrotados. A 3.ª e última invasão dá-se em 1810, desta vez comandados por Massena, tendo obtido a mesma sorte das anteriores, ou seja, saíram de Portugal humilhados, mas o nosso país ficou de rastos! Estas batalhas ficaram conhecidas por Guerra Peninsular.
     Era pressuposto, depois da espetacular e inesperada vitória sobre as tropas napoleónicas, a família real regressar a Lisboa. Mas não: por lá permaneceram! A rainha morreu em terras brasileiras em 1816 e sucedeu-lhe, sem quaisquer contestações, o filho, João VI. O regime monárquico continuava a ser hereditário e absolutista. O país estava na miséria, na banca rota, e o soberano continuava no Brasil. É nessa altura que se cria por cá um ambiente revolucionário, espalham-se as ideias liberais, combate-se a monarquia de caráter absolutista. Esses ideais vingam em 1820. A 24/8/1820 estala no Porto uma revolução, saindo triunfante. Fora preparada e dirigida por Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges, José Silva Carvalho, entre outros. A Junta Governativa (que geria o Estado em nome do rei) foi demitida e criada a Junta Provisória do Governo Supremo do Reino, ficando encarregada de convocar as Cortes Gerais, que deviam decretar uma Constituição, a qual viria a ser apresentada a 23/9/1822, jurada pelo rei, que entretanto regressara do Brasil (Julho de 1821). Nessa ex-colónia ficara o seu filho, Pedro, futuro imperador do Brasil e rei de Portugal (Pedro IV). Com o monarca viera a sua mulher, Carlota Joaquina, irmã do soberano espanhol, e seu filho segundo, Miguel (alguns anos depois Miguel I).            
     Em 1822 deu-se a independência do Brasil, ficando Miguel na expectativa de suceder a seu pai, visto seu irmão mais velho deixar de ser legalmente português.
     Miguel, com a ajuda preciosa da mãe, conspirava contra o regime liberal, tudo fazendo para derrubá-lo. A 27/5/1823, à frente de um regimento de infantaria, fez estalar a contra revolução em Vila Franca de Xira e proclamou o velho e caduco sistema. O rei adere, demite o governo, promete uma nova constituição, e nomeia Miguel chefe dos exércitos! Porém, ou porque simpatizasse já com o liberalismo, ou porque receasse a força do filho, tudo fez para contrariar os seus desígnios. Assim, Miguel, deu novo golpe a 30/4/1824, ficando conhecido na História por “Abrilada”. O rei refugiou-se num navio inglês que estava ancorado no Tejo; demite então o filho, que abandona o país.
     João VI morre (há quem afirme que foi assassinado pela esposa) a 10/3/1826. Enquanto não se resolve o problema da sucessão governou o país uma Junta de Regência, presidida pela filha do rei defunto, Isabel Maria. Logo depois, Pedro, ausente em terras da América do Sul, foi reconhecido pelo Conselho de Regência rei de Portugal. Como era imperador do Brasil, e não podendo acumular as duas coroas, abdica o trono de Portugal em sua filha Maria da Glória, mas nas seguintes condições:

a) - que tal abdicação só se tornaria efetiva quando a filha atingisse a maioridade (tinha então apenas sete anos de idade);

b) – que deveria casar com seu tio Miguel;

c) – que este juraria a Carta Constitucional que ele outorgara ao país, substituindo assim a Constituição de 1822;

d) – que Miguel ficaria como regente até à concretização do casamento (depois deste se efetuar ficaria sendo rei consorte).

     Miguel residia em Viena de Áustria; quando soube a notícia ficou radiante – a sorte sorria-lhe, batera-lhe de novo à porta. Regressa a Portugal, jura a Carta do mano, e assume a regência (Fevereiro de 1828). Já no poder, dissolve o Parlamento (Março de 1828). A 3 de Maio desse ano convoca as Cortes, segundo os velhos costumes. Estas, em maioria, proclamam-no rei absoluto. Este ato deu lugar à guerra civil. De um lado os liberais, defensores da Constituição, de governos eleitos, etc.; do outro, os miguelistas, também conhecidos por realistas e absolutistas, gente agarrada ao passado, verdadeiros ditadores.
       Pedro tinha que agir: abdicou, em 1831, a coroa do Brasil em seu filho Pedro de Alcântara. Em seguida, a fim de recuperar o trono de Portugal para sua filha, parte para França e Inglaterra onde, com portugueses e estrangeiros, organiza um pequeno exército, com o qual foi juntar-se aos seus partidários da Ilha Terceira. Em Junho de 1832 parte de São Miguel, Açores, à frente de uma expedição de sete mil e quinhentos homens; desembarca no Mindelo, perto de Leixões, a oito de Julho e entra no dia seguinte no Porto.

     Pedro acaba por ganhar a guerra em 1834 e expulsa do país seu irmão e coloca no trono de Portugal sua filha, Maria II. Ele, Pedro, morre logo depois, a 24/9/1834.          
                                      continua...


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