quinta-feira, 5 de março de 2015

A CIDADE


      Para mim, que vivi imensos anos na província, a cidade foi como que o descobrir do mundo! As palavras liberdade, civilização, cultura, estavam ausentes do meu parco vocabulário. Eu era livre e não me apercebia; eu era civilizado e esse estatuto foi-me, mais tarde, retirado.
     Por quê? Porque a cidade tem a sua civilização! Tem as suas regras, as suas refinadas etiquetas. E eu, no meio desse labirinto de preconceitos, para mim estranhos, vi-me, de repente, mergulhado nas trevas do saber.
     Chamei-lhe nomes – feios, alguns – mas, com o decorrer dos anos, fui sendo cativado pelo sabor dos seus mil e um encantos: pelas luzes, pelas maravilhosas montras, pelas gentes apressadas. Senti-me alguém no meio dessa multidão compacta. Senti-me protegido.
     Agora a minha liberdade, pressentia-o, era total – eu passava despercebido!
      Não me chocava o buzinar forte dos automóveis; não me poluía os pulmões esse ar expelido por sujas chaminés de fábricas; não me enojava o quente cheiro dos óleos queimados.
     Estava ali na cidade, onde a natureza não é chamada a participar. O Homem tinha vencido: construíra a cidade! A sua cidade. Irreal? Fantasmagórica? Talvez. Mas, a cidade total. A cidade auto-suficiente.

     E, quando lembro o outro eu, é apenas para confrontar as duas vidas: uma dependente da natureza; a outra, dependente do humano, das suas realizações.

                                                                                    Joaquim Rocha


Sem comentários:

Enviar um comentário