sexta-feira, 13 de março de 2015

TOMÁS DAS QUINGOSTAS

                                                                     ...continuação


     Escreveu Augusto César Esteves: «Francisco António Rodrigues era um franco-atirador e exercia o latrocínio isoladamente e sem ligações com o grupo do Tomás das Quingostas.» E a seguir: «Não era partidário desta minha opinião, e lá teria as suas razões justificativas do modo diferente de pensar, o comandante das patrulhas de São Gens, na Galiza, porquanto afirmou (…) pertencer o castrejo à guerrilha do Tomás e ir-se-lhe escapando descalço quando estava postado com a sua gente para o prender – porque ele foi preso na Galiza e até ficou na memória duma testemunha presencial estas palavras pronunciadas pelo ferreiro no acto da captura: “e você me prende em Galiza por andar a favor de Dom Carlos.» (“Melgaço e as Lutas Civis”, p. 144/5).
     Da Galiza veio para a cadeia de Melgaço e desta foi enviado para a de Monção, sede da comarca. No ofício, assinado pelo administrador Cunha Araújo, escreveram: «… o dito preso é um desses monstros de nova raça, que infelizmente tanto perturba a boa ordem e sossego (…), sendo na realidade um ladrão público, salteador de estradas e reinos e como tal deve ser punido com todo o rigor da justiça, porque o ficar impune para vir perpetrar novos crimes, como fez logo que foi solto das cadeias desse julgado, para onde tinha ido preso em Julho de 1836, em tal caso melhor seria não se capturarem e menos estar o Governo a mandar prostrar tropa neste local e os povos a sofrer tantos vexames e sacrifícios. // Melgaço, 6/4/1837(obra citada, p. 145).
     Francisco António Rodrigues, que teve farda mas não se atreveu a usá-la, «foi julgado nas audiências gerais (…) e condenado a degredo perpétuo para os rios de Sena, com pena de morte se voltar a estes reinos(obra citada, p. 146).
     Deve ter ido trabalhar para as pedreiras, junto ao Sena. Este tipo de acordos entre países dava jeito, pois tinham assim muita mão-de-obra por uma tigela de caldo e uns feijões guisados.
     No seu processo ficou registado que «foi condenado por os jurados darem como provados, por unanimidade, o facto de não ser ele temente às leis divinas e humanas e, por simples maioria, o roubo de umas vacas de nove moedas a António Bernardes, o de roupas, centeio, potes, mantas, e o de um boi no valor de 60$000 réis a Manuel Rodrigues, de Formarigo, e ainda o facto de com a sua prisão haverem cessado os roubos em Castro Laboreiro(obra citada, p. 146).
     Em 14 de Abril de 1837 o coronel comandante da 4.ª divisão militar, em ofício, participa que a quadrilha do salteador e rebelde – Tomás das Quingostas – fora inteiramente dispersa pela força do comando do major Frazão, sendo presos alguns deles e entregues às autoridades judiciais, e outros mortos, e os poucos restantes tinham fugido para a Galiza com o chefe, constando que tinham ido unir-se a uma guerrilha carlista nas imediações de Lugo.   
     Em Maio de 1837 já o Quingostas se encontrava em Portugal. Vinha com dois criados, os quais foram detidos: um galego e um africano! (11). Depois de habilmente interrogados, as autoridades conseguiram obter deles informações sobre a rede de protetores e cúmplices em Melgaço, Valadares e Castro Laboreiro.
     Em Junho de 1837 os comandantes dos regimentos em operações na região informavam o Governador da Província de que cerca de quarenta guerrilheiros tinham sido presos ou mortos nos últimos quatro meses, e que o bando do Tomás se encontrava, na prática, extinto.
     Apesar dessas baixas, não conseguiam apanhá-lo! Tiveram que mudar de tática. Resolveram, pura e simplesmente, assassiná-lo! Para tal fim serviram-se do “Cotinho”, que se prestou a trair o chefe, mas o Tomás apercebeu-se do golpe e refugiou-se na Galiza, onde se entregou às autoridades, pedindo que lhe fosse concedido um perdão. O Comando Geral da Galiza, por incrível que isso nos pareça, aceitou, mas com a condição do Tomás não abandonar a província de Ourense. Claro que ele não respeitou o combinado, e em breve o viram na freguesia de Paderne. Poder-se-á especular sobre o caso, dizendo, por exemplo, que ele tinha grandes amigos na outra margem do rio Minho, de contrário seria entregue de imediato à tropa portuguesa. Tomás jogava com um pau de dois bicos, era um perfeito malabarista. Estou convencido de que muitos “trabalhinhos” sujos lhe eram entregues, mediante futuros favores. Mas como nada é eterno, certamente que iria cair na teia que ele próprio tecera.
     A 14/7/1837 deu-se a «revolta dos marechais», terminando a 20/9/1837, com a assinatura da Convenção de Chaves. Dum lado, o marechal Saldanha, Duque da Terceira, apoiados por Mousinho da Silveira; do outro, o conde de Bonfim, Barão de Almargem, Sá da Bandeira, e Visconde das Antas. Os primeiros defendiam a Carta; os segundos a Constituição. Foi uma mini guerra civil e venceram os constitucionalistas. Tomás aproveitou essa ocasião, a sorte que o destino lhe entregava de bandeja, para se infiltrar no “setembrismo”. Nos últimos dias da campanha, apercebendo-se que as armas favoreciam os adversários da Carta, sai de Melgaço e põe-se em contacto com o Visconde das Antas (General Comandante da Divisão de Observação nas Províncias do Norte), e dele consegue um talismã, datado de 22/12/1837, que lhe abriu a porta da casa dos políticos: «uma simples e reles guia».
     Ainda hoje se coloca a questão da validade dessa guia. Não teria sido forjada? Além dele foram indultados outros elementos da quadrilha: Manuel Joaquim Dias, etc.
     A verdade é que em 1838 «as portas das casas dos grandes estavam abertas para ele, que sem receio andava em plena liberdade por todos os sítios…» (obra citada, p. 171).               
     Melgaço inteiro quase esqueceu os crimes que ele cometera. Agora encontrava-se do lado da lei! Referindo-se a esta época, escreveu mais tarde o Dr. Lira: «… naquele tempo o Tomás das Quingostas estava em correspondência com o comandante da linha, tenente-coronel Manuel António Pereira, cuja casa frequentava, oficiando a ele e às mais autoridades e prestando-lhe, estas, tropas e gente para diligência (isto é, para perseguição); finalmente figurava de um general pequeno do Alto Minho, andando fardado, mandando e passando ordens, a que todos obedeciam(obra citada, páginas 171 e 172).
     Contudo, os ladrões continuavam ativos. No mês de Abril de 1838 alguém denunciou uns quantos ao Governador interino da Praça de Melgaço. Este escreveu ao juiz ordinário: «Tendo-me sido denunciado que uma quadrilha de ladrões e salteadores de estradas e reinos se tinham dirigido na noite de sete do corrente para a freguesia de Castro Laboreiro, a fim de perpetrar ali vários roubos, fiz marchar naquela mesma noite parte do destacamento aqui estacionado a fim de se postarem nos sítios que me foram indicados e por onde deviam passar os referidos ladrões quando regressassem dos roubos e, com efeito, seriam oito para nove horas da manhã do dia 8/4/1838 foram encontrados Francisco Nóvoa, espanhol, e um João, denominado “Coxo”, de Prado, com vários objetos roubados, os quais, no ato da prisão, aqueles ladrões confessaram terem roubado na dita freguesia de Castro, confessando terem deixado mais objetos roubados escondidos no sítio do monte do Queijeiro, São Paio, pelo que o comandante da força mandou uma escolta levar os (…) presos até ao dito monte a fim de mostrarem os (…) objetos ali escondidos e conduzirem os (…) ladrões para esta Vila, e chegada que foi a escolta com os (…) presos ao dito sítio e achado o (…) roubo, apareceram à mesma escolta dois indivíduos, os quais julgo serem sócios daqueles ladrões, em cujo ato o (…) preso, João Coxo, lançou a fugir e a escolta lhe fez fogo, do qual morreu, conduzindo ela o outro preso e todos os objetos que lhe encontraram e sendo-me declarado pelo preso Francisco Nóvoa o nome de todos os ladrões que tinham ido àquele roubo de Castro (…), bem como outros vários, passei as ordens necessárias para serem capturados…» (obra citada, p. 177/8).
     A um dos larápios, António José Rodrigues, de São João de Longos Vales, a morar no Barral, São Paio, do roubo de Castro só lhe tocara «uma manta de lã»! No entanto, o tribunal condenou-o à morte por enforcamento! O Nóvoa, por ter somente dezassete anos de idade, foi entregue às autoridades espanholas para estas decidirem sobre a pena a aplicar-lhe. O Manuel Bento, alfaiate, de Paderne, foi condenado a trabalhos forçados.    
     Tomás prendia e matava, mas agora em nome da lei. A morte do “João Branco” (João Manuel Domingues, casado com Maria Rosa, moradores na Peneda) é quase inexplicável. O filho da vítima, Joaquim, contou que «… fora preso por Tomás das Quingostas (…), no Largo do Templo de Nossa Senhora da Peneda, depois do toque das trindades, na noite de 31/8/1838, em companhia de seu irmão, António José, em cujo ato, e sem haver a mínima questão, o dito Tomás deu um tiro no pai dele (que era presidente da Câmara Municipal do Soajo), do qual se finara poucos momentos depois; e que ainda hoje ignora o motivo que deu causa não só à prisão dele e irmão, como à morte de seu pai.» (“Melgaço e as Lutas Civis”, p. 174).
     O motivo fora, segundo o Tomás, a prisão, a 29 de Agosto, na Bouça dos Homens, de cinco soldados de infantaria 18 pela guerrilha de Guillade, e alguém os denunciara. A isso respondeu o tal Joaquim: «… andando ele guardando gado lanígero e cabrum naquele dito dia e no sítio da Bouça dos Homens, ali chegara o dito Tomás em companhia de uma pouca de tropa portuguesa e espanhola e lhe perguntara se sabia para onde tinha passado Guillade com sua gavilha, ao que ele respondera que os vira passar com direção para a Peneda; e tendo ele ficado naquela noite naquele lugar da Bouça dos Homens, assim como outros vários pastores, soube na manhã do dia 30 que aqueles ditos cinco soldados tinham pernoitado em uma choupana, que é de António Fernandes, aonde dormiu um criado deste, por nome Manuel Domingues, e que por este foram denunciados os ditos soldados, em razão destes o terem espancado(obra citada, p. 175).       
     A história estava mal contada, pois segundo João Batista Soares, soldado n.º 34 da 1.ª Companhia, comandada por Luís de Sousa Gama, o tal Joaquim chegou com mais de vinte guerrilhas do Guillade, os quais os prenderam e os conduziram à presença do cabecilha, indo com eles o dito Joaquim Domingues. Comenta o Dr. Augusto César Esteves: «é o crime nitidamente político de um miguelista infiltrado no partido setembrista…» (obra citada, p. 176). E sugere que Tomás cumpria ordens superiores.
     Mas as coisas começaram a correr mal ao bandoleiro. Em finais de 1838 José António de Castro, administrador substituto de Melgaço, recebe um ofício do Administrador-Geral do Distrito, no qual lhe coloca as seguintes questões:    

1.ª - Quem nomeou Tomás das Quingostas comandante da Guarda Volante do Alto Minho?

2.ª - Que qualidade de indivíduos militares, ou paisanos, a compõem?

3.ª - Que lei, ou ordem, a autoriza para ser tolerada?

4.ª - Em que serviço se tem empregado atualmente semelhante guarda?

     A resposta à quarta pergunta deu-a o quadrilheiro quando na noite de 26 para 27/11/1838 o bando procurou o secretário da administração do concelho, indo «chamá-lo a casa que viesse à administração para (…) serviço e vindo aí encontrou presos, no meio da quadrilha, o padre António e João Pires, de Tangil, dizendo-lhe o Tomás que trazia aqueles homens presos em consequência de lhes achar sabão galego em casa(“Melgaço e as Lutas Civis”, p. 188/9).  
     É óbvio que o Tomás andava à caça de carlistas e miguelistas, e de armas, mas desta vez só encontrou sabão! O «Periódico dos Pobres», jornal editado no Porto, afeto aos defensores da Carta, atira-se ao governo: «é assim que o Alto Minho goza os frutos do Governo Constitucional, é desta maneira que são tratados dois cidadãos portugueses num tempo em que se diz haver liberdade! Santa liberdade como és linda debaixo do influxo do Sr. Tomás das Quingostas(“Ler História”, p. 144). Para os do “Periódico”, o Tomás era o «bei» da região.
     Escreveu Augusto César Esteves (“Melgaço e as Lutas Civis”, p. 189): [Foi a última proeza do Tomás na senda vergonhosa do crime a prisão do padre António José Alves, que tentaram roubar, e a de João Pires Faria, de Modelos, Tangil, que nesse mesmo ato ao secretário da administração «pediu se lhe chamava um cirurgião, que vinha muito mal tratado de pancadas, que aqueles da quadrilha lhe deram…» E tão maltratado chegou que no dia seguinte apareceu morto onde se deitara – numa pobre cama da estalagem de Maria Helena Pereira Novais, da Rua da Calçada.]

     O governo ainda o defendia, alegando que ele, Tomás, prestara relevantes serviços, como guia nas ásperas montanhas de Castro Laboreiro, em busca de espanhóis afetos a Carlos, e de desertores do exército português, a maior parte dos quais se colocava, depois, ao serviço dos carlistas.

                                                                                         continua...

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