sexta-feira, 6 de março de 2015

AUGUSTO CÉSAR ESTEVES

 MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS

 1807-1814

 APRESENTAÇÃO


1

          «Não há bela sem senão», diz o povo, e de certo modo tem algum fundamento este provérbio. No fundo, lá bem no fundo, significa que não há perfeição absoluta naquilo que o ser humano faz. A bela é a coisa e o senão é o defeito.
            A “bela” aqui é esta obra do Dr. Augusto César Esteves; impressa em 1952 e recheada de preciosa informação, de história melgacense e até nacional. É quase uma enciclopédia abreviada deste nosso amado concelho do Alto Minho. É também um hino ao orgulho concelhio, tão frágil e arredio em muitas mentes autóctones, mais propensas à indiferença e à crítica superficial e mordaz do que à realização.
            O tema principal, aliás consignado logo no título Melgaço e as Invasões Francesas: 1807-1814, serviu ao autor de pretexto para divagar sobre esse controverso e agitado período (1807-1811) da nossa História e da História da Europa, e divulgar ideias e documentos que foi adquirindo ao longo dos anos.
O autor pretendeu, de facto, exteriorizar esses saberes acumulados, chamar a atenção para o seu querido torrão natal, tão carente de protagonismo desde a Idade Média, tão desprezado por sucessivos governos, quer fossem da Monarquia ou da República!
 Para cúmulo, em muitos mapas nem sequer aparecia o nome Melgaço! Portugal “começava” em Valença, quando muito em Monção! A prová-lo existia o facto de o comboio ter parado no concelho vizinho – Melgaço não existia! E isto – quer se queira ou não admitir –, causou complexos de inferioridade aos melgacenses.
Acresce ainda o facto de não terem surgido ao longo dos tempos muitas pessoas que se destacassem nos diversos ramos do saber: ciências, artes, etc. Que nós saibamos, somente três melgacenses, ou pouco mais, andam nas enciclopédias nacionais.
Um deles, o franciscano frei António de Santa Maria dos Anjos Melgaço, nasceu aqui em 17/6/1718 e faleceu em Vila do Conde a 14/8/1780. Doutorou-se em 1743 em Teologia, na Universidade de Coimbra. Foi professor de Filosofia e Teologia nos Estudos do Convento de Mafra, fundados por D. João V. E também foi escritor.
Outro, o frei Francisco «religioso da Ordem de São Bernardo, nascido em Melgaço (quando?). Escreveu diferentes obras religiosas, que não se imprimiram, e os manuscritos conservam-se na livraria do Convento de Alcobaça.» (ver Dicionário Histórico, Biográfico, Bibliográfico, Heráldico, Corográfico, Numismático e Artístico. João Romano Torres – Editor. 1903, p. 960).   
Ainda outro, o padre Aníbal Bernardo Vasconcelos Mourão Rodrigues Passos, filho do médico Passos, natural de Paços (daí o apelido), nasceu na Vila a 23/12/1866 e faleceu no Campo Grande, Lisboa, a 8/1/1934. Jaz no cemitério do Lumiar. Como notável orador sagrado ganhou fama o sermão «A Cruz», por ele composto e pregado em Matosinhos a 7/5/1899. Foi redator de O Melgacense, propriedade de José Cândido Gomes de Abreu, de O Século e de A Pátria. Colaborou no Jornal de Notícias, Jornal de Viagens, Zé Povinho, Revista das Escolas, etc. Exerceu funções de Chefe de Gabinete do Dr. Alfredo de Magalhães, Ministro nos dois Governos do Presidente Sidónio Pais (1917-1918). Escreveu Tragédia de Lisboa – A Política Portuguesa, logo após o regicídio de 1/2/1908. Foi nomeado sócio ordinário da Sociedade de Geografia de Lisboa.
            Não sendo historiador, na verdadeira acepção da palavra, apenas um curioso, divulgador e amante da história local, o Dr. Augusto César Esteves legou-nos um acervo valioso nessa área, e acima de tudo estimulou outros a prosseguirem o caminho por ele iniciado. Foi pioneiro destas coisas em Melgaço e, por isso, só modelos alheios lhe poderiam servir de guia. Não sabemos se os utilizou, mas sabemos que buscou (sem se deslocar do seu local de residência e de trabalho) documentos em vários Arquivos nacionais e espanhóis, que incluiu em seus livros sem adoptar, por desconhecimento compreensível, as regras da crítica histórica (apelográfica e diplomática). Antes dele ninguém, pelo menos que nós saibamos, se interessara pela nossa história como um todo. Somente fragmentos, salpicados de lendas, caso da Inês Negra e Frei Tecla, atabalhoados e/ou incoerentes, saíam em jornais da região, quase todos mais vocacionados para a política.
     O “senão”, porque ele existe, pode ser identificado com a pouca harmonia do texto. Praticamente não há um fio condutor, um plano rigoroso. Salta-se de um século para outro, violando todas as regras elementares da ciência histórica, misturam-se temas e lemas com um à-vontade espantoso. Um exemplo apenas: por que inserir a vida e feitos do Tomás das Quingostas no livro, se este bandoleiro nasceu em 1808, por conseguinte a sua atividade criminosa só se efetuará muitos anos mais tarde, quando já estavam quase esquecidas as invasões francesas? Serviu para encher páginas e certamente para ensaiar uma biografia, que nunca escreveu, sobre esse famoso bandoleiro miguelista e não só!
           Por outro lado, esta obra baseia-se num facto que não se verificou – Melgaço nunca foi invadido pelas tropas francesas! O próprio autor o confessa. No entanto, e apesar do seu isolamento crónico, não nos devemos esquecer que Melgaço também faz parte do país, logo o que acontece na parte acontece no todo. Além disso, vários melgacenses lutaram contra os soldados de Napoleão e alguns deles deram, nessa altura, a vida pela Pátria. Outro inconveniente é o facto de o texto ter várias passagens em latim, língua que hoje praticamente ninguém domina, apenas alguns eruditos, ou religiosos que a aprenderam nos seminários. Essa dificuldade afasta potenciais leitores, contrariando assim o objetivo principal, que era levar a história do concelho a casa de todos os melgacenses. Também o emprego do português arcaico e inúmeras abreviaturas impediam uma leitura fácil e agradável. E mais: o tipo de letra, raquítica e muito junta, não convidava ninguém a ler o livro. 
                                                Armando Malheiro da Silva/Joaquim Rocha

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