QUADRAS AO DEUS DARÁ
Por Joaquim A. Rocha
833
No
sítio onde trabalhei
Dominava
um tiranete;
Julgava-se
duque ou rei,
Marquesinho
do sorvete.
834
Senhora
Lúcia Ribeiro
Não
gostei do que escreveu;
Conheço
a tinta p’lo cheiro,
E
o mar pelo escarcéu.
835
Não
perturbem minha guerra,
Deixem-me
lutar sozinho;
Eu
sou um lobo da serra,
Sem
família nem vizinho.
836
O
meu mundo solitário
Impressiona
muita gente;
Egoísta,
perdulário,
Mais
triste do que temente.
837
Não
aprendi a dançar,
Nunca
soube bem porquê;
Tudo
tem um começar,
Se
tiver par por mercê.
838
Nunca
frequentei bailes,
Na
ingente mocidade;
Não
tinha casaca, xailes,
Só
pudor da castidade.
839
O
meu cérebro volátil
Percorreu
o universo;
O
que levei é portátil,
Cabe
num humilde verso.
840
Não
vi deuses nem diabos,
Nos
meus sonhos de criança;
Não
vi as rosas nem cravos,
Nem
a arca da aliança.
841
Não
enxerguei Iscariotes
Nem
Jesus de Nazaré;
Só
vi o senhor Pinotes
A
falar com o Caré.
842
Vi
o “Pivão” altaneiro,
Com
seu metro e noventa;
Não
tinha ouro ou dinheiro,
Nem
estudos de sebenta.
843
Também
lobriguei “Caniça”
A
namorar com Joana;
Nas
mãos pequena salchicha,
Era
a festa, a gincana!...
844
A
cegonha traz bebés
De
França ou Inglaterra;
Percorre
mares, marés,
Ignorando
paz ou guerra!
845
Vim
no bico da cegonha
Dum
país assaz distante;
Crescido,
sinto vergonha
Por
ser um pobre atlante!
846
Não
me pareço contigo,
Sinto-me
um ser estranho;
Sou
fruto dum vil castigo,
Fui
expulso do rebanho!
847
Eu
sou bichinho do mato,
Vivo
só em pensamento;
Sou
pobríssimo regato,
No
meu leito há tormento.
848
Falam-me
em felicidade.
Nunca
soube o que isso era;
Fugi
do amor, da saudade,
Arredio,
como a fera.
849
Vivi
só, desemparado,
Perdido
na solidão;
Nunca
deixei ser amado,
Pedra
fui, sem coração!
850
Namorei
como um gaiato,
Um
rapazola qualquer;
Fui
tigre, lobo, um gato,
Desfolhei
jovem mulher.
851
Andei
pelo Cais do Sodré
Em
busca das andorinhas;
Miro
Bares, Cabarés,
Tabernas
e mil tasquinhas.
852
Toda
a noite a vaguear
Pelas
ruas da amargura;
Veem-se
vultos a fumar,
Sedentos
por levedura.
853
Luzes
semiapagadas,
Cheiros
maus, nauseabundos;
Palavras
grossas, facadas,
Outros
lugares, mil mundos.
854
Fugi
de Lisboa um dia,
Desiludido,
cansado;
Tudo
ali é correria,
Desespero,
triste fado.
855
Há
quem diga bem de ti
Ó
cidade borboleta;
Em
Lisboa ninguém ri,
Ajuizado
ou pateta.
856
Ruas
escorregadias,
Estacionamento
à toa;
Prédios
altos, porcarias,
Cheira
mal, cheira a Lisboa.
857
Ciganos
por todo lado,
Vendem
calças, camisolas;
A
Severa canta o fado,
Ao
som dumas castanholas.
858
Quebrei
a minha promessa,
Pois
agora bem me lembro;
Pagá-la
não era pressa,
Naquele
mês de Dezembro.
859
Fugiu
de mim o Cupido,
Levou
as setas douradas;
Eu
fiquei como esquecido
No
meio das vis manadas.
860
Passaram
meses, um ano,
Ela
do espaço voltou;
Montava
forte garrano,
Com
belas asas de grou.
861
Vinha
vestida de branco,
Com
a cor da virgindade;
Eu,
dentro de mim me tranco,
Roendo
tempo… saudade.
862
Vivermos
eternamente
É
um desejo profundo;
Quero
eu, quer toda a gente,
Não
partir prò outro mundo.
863
A
morte, essa maldita,
Leva-nos
contra vontade;
Vai
a Marta, vai a Rita,
Apesar
da sua idade.
864
Fala-se
em puro equilíbrio,
Em
desgaste natural;
Para
mim é um ludíbrio,
Um
desígnio sepulcral.
865
Fiz
tirocínio ubérrimo,
Em
escritórios-prisão;
Cada
dia mais paupérrimo,
Sem
escudo ou tostão.
866
O
deus escreve direito
Por
linhas estreitas, tortas;
Eu,
com juízo escorreito,
Escrevo
por linhas mortas.
867
Escrever
bem é uma sorte,
Privilégio
sem igual;
Eu
sou escritor do norte,
Não
escrevo bem nem mal.
868
Mandaste-me
um abraço
E
eu já retribuí;
Manda-me
agora o cachaço
E
também um bisturi.
869
Não
há machado que corte
A
vontade de viver;
Apenas
a feroz morte
É
capaz de nos vencer.
870
Ó
meu caro panaché,
Tanta
piada eu te acho;
Pouco
álcool, muita fé,
Mas
se te bebo emborracho!
// continua...

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