LEMBRANÇAS AMARGAS
(romance)
Por Joaquim A. Rocha
![]() |
desenho de Rui Nunes |
As vias sinuosas encaminham-nos para o cais
Apercebi-me, embora
tardiamente, que a minha jovem namorada mudara o seu comportamento para comigo.
Várias pessoas já sabiam nessa altura que ela e o Artur iriam casar; eu, porém,
tudo ignorava, e nem sequer queria acreditar nessa possibilidade. «Cândido, meu pobre amigo, tu eras, nessa
altura, um triste poeta, um sonhador.» Sejam ousados e aproximem-se:
- Bera, não sei o que se passa contigo, não tens aparecido, ias à
minha oficina todos os dias, a tua tia também já não vai com tanta frequência,
a tua prima Guida já não me fala como antes, o que está a acontecer?!
- Nada, é impressão tua, escusas de estar preocupado, tenho tido
muitíssimo trabalho, agora tenho ido com a minha mãe vender, praticamente não
me sobram tempos livres, só nos fins-de-semana, mas até neste domingo tive de
trabalhar, desculpa não ter aparecido, temos muito tempo para estarmos juntos,
uma vida inteira.
- Pareces-me diferente, fisionomia carregada, a tua alegria
contagiante desapareceu, nota-se em ti imensa preocupação, passa-se alguma
coisa ruim, anda lá, diz-me, conta-me tudo, confia em mim.
- Estás a imaginar coisas, sou a mesma, só que ando maçada, temos
de sair cedo de casa, a minha mãe anda outra vez grávida, já não se esperava
este filho, a vida complica-se, mais uma boca para comer, já sabes como é, só
preocupações.
- Correm por aí uns rumores, eu não acredito, estava bem arranjado
se ligasse a tudo que dizem, eu em ti confio, pudera! Não havia de confiar
naquela que vai ser a mãe dos meus filhos, a companheira de muitos anos, até
parecia mal.
- Deixa essa gente falar, não têm nada para fazer, se tivessem não
lhes sobrava tempo para se meterem na vida dos outros, olha que a tua mãe
também anda a dizer coisas de mim, mas essa, coitada, é com a pinga, se não
fosse o vinho já não diria esses disparates, que ela a mim não pode apontar
nada, devia-se olhar no espelho, mas eu não lhe ligo, que fale.
- Sabes o que estive a pensar?
- O quê?!
- Quando voltar da tropa e tiver algum dinheiro abrimos uma
sapataria maior e melhor, com venda de calçado novo, as que há no concelho não
prestam, as pessoas começam a ter dinheiro da emigração e já podem comprar, que
dizes?
- Acho boa ideia, mas para abrires uma sapataria dessas será
preciso muito capital, isso vai levar anos.
- E não disseste tu, há pouco, que temos muitos anos à nossa
frente?
- Não cries ilusões, só na tropa vais botar pelo menos três anos,
como sabes há rapazes que botaram quatro, depois vens sem um único tostão, que
na tropa gastam o que têm e o que não têm, pensas que aquilo é a França, lá
sim, ganham muitos francos, aqui nem para comer se ganha.
- Eu sei que tu tens razão, mas deixa-me sonhar um pouco, somos tão
novos, não nos podemos comportar e pensar como se tivéssemos cinquenta anos de
idade, a vida dá muitas cambalhotas e o futuro a Deus pertence, pode ser que as
coisas melhorem, a guerra colonial pode acabar de um momento para o outro, eu
tenho esperança que sim, tu não sejas pessimista, enfrenta o devir com
otimismo.
- O que eu vejo em casa é cada vez mais miséria, mais carências, o
meu pai adoeceu, não foi trabalhar durante um mês, não ganhou nada durante esse
período, a minha mãe trabalha como uma escrava, os meus irmãos são ainda
pequenos, só comem, não ajudam nada, eu faço o que posso, até já pensei
oferecer-me como criada de servir, mas as casas dos senhores têm todas
empregadas, algumas são de fora, coitadas, na aldeia delas também passam
necessidades, o que farei?! Não me agradava deixar a terra.
- Nem eu permitia isso, nem que casemos antes de eu partir, mas
depois também ficarias com a minha mãe, sabes como ela é, todos os dias aquilo,
aquela bandalhice, nem te irias sentir bem, vê se aguentas até eu regressar.
- Peço a Deus e à Virgem Maria que me ajudem, que iluminem o meu
caminho, só um milagre poderá melhorar a minha vida.
- Hoje estás impossível, nem te reconheço.
- Achas que é caso para menos? Tenho de ir, porque amanhã
levanto-me cedo e tenho de dormir algumas horas, até depois.
- E vais assim, se um beijo ao menos?
- Hoje não estou com disposição para essas coisas, sinto-me cansada
e triste, é melhor ires já embora.
- Está bem, está bem; hoje nem te reconheço. Até amanhã.
- Se Deus o quiser.
VENDA DE LIVROS DO AUTOR
DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO, I 10.00
DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO, II 10.00
LINA - FILHA DE PÃ (romance) 10.00
OS MEUS SONETOS e os do Frade (poesia) 10.00
OS NOVOS LUSÍADAS (no prelo) 11.00
Nota: estes preços, apenas para Portugal continental, já incluem as despesas com o seu envio. // O contacto far-se-á através do seguinte e-mail: joaquim.a.rocha@sapo.pt
Sem comentários:
Enviar um comentário