LINA - FILHA DE PÃ
(romance)
Por Joaquim A. Rocha
4.º capítulo (continuação)
O “Brilhantina”, como era conhecido, entrou, mas
receoso. Aquele cão assustava-o deveras. Está bem, ela acalmava-o, mas nunca
fiando. Por outro lado, se o patrão dela se apercebe disparava sobre ele, pois
os juízes andavam armados; tinha-lhe dito, isso mesmo, o empregado do tribunal.
Estava a arriscar a vida, mas por a sua amada tudo valia a pena. Ela pegou-lhe
na mão e levou-o para a garagem. Depois fechou a porta e diz-lhe com meiguice:
- Eu desejei tanto este momento; estar a sós contigo,
beijar-te, ter-te só para mim.
Tremia como
varas verdes. O coração ameaçava saltar do peito. Pensava que o que se estava a
passar era um simples sonho, um devaneio; quando acordasse tudo se dissiparia.
Ela, esperta como era, apercebeu-se da sua agitação, pega-lhe na mão direita e
coloca-a nos seus seios. Esfrega-os e ele, pouco a pouco, vai aderindo. Põe-lhe
a mão esquerda nas costas, encosta-a mais a ele, abana-a como se fosse peneira,
e espreme-a como se fora esponja; procura a sua boca e beija-a com sofreguidão,
entrando em êxtase. Ela baixa-se, estende-se numa manta que ali colocara
durante o dia, sobe as saias e fecha lentamente os olhos.
- Mas tem mil cuidados – diz-lhe; - eu estou pura, virgenzinha, nunca tive nada com homem
nenhum; és tu o primeiro.
Ele baixa
apressadamente as calças, cheias de remendos, os quais reagem mal àqueles
movimentos bruscos, como que pedindo mais calma, pois o tempo e as sucessivas
lavagens no tanque público tinham causado algumas mossas; ajoelha-se e deita-se
sobre aquele corpo aparentemente sedento de brincadeira. Passado um pouco
resfolegava, parecia um animal no período do cio. Ela não sentia nenhum prazer.
Aquele indivíduo metia-lhe asco, nojo! Só o suportava por causa da criança que
transportava no seu ventre.
- Não tenhas pressa – solicitou-lhe ela. Olha que o mundo não acaba hoje.
- Bem sei, mas é a primeira vez que eu faço estas coisas
com uma rapariga. Fui algumas vezes à tia Rosela, mas aquilo não presta – está
velha e cheira mal, ia vomitando.
- Metes-te com bandalhos! E ainda por cima pagaste. A
partir de agora não precisas de procurar esse coiro, tens-me a mim.
Ela brincou
demoradamente com ele, fez-lhe cócegas, rebolaram pelo chão, riram-se com
vontade. Diz o rapaz:
- Tu é que me surpreendeste: pareces magrinha, mas
afinal és cheiinha, não se te notam os ossos.
- Alimento-me bem, não sou como tu, que passas lazeira!
- Ainda hei-de ser rico, vais ver. Quando puder vou
para o Brasil.
- Só se fores abanar a árvore das patacas. E quem é
que te manda ir?
- Isso… não sei; não conheço nenhum parente que esteja
lá. Nem sequer amigos. Mas se Deus quiser tudo se consegue.
- Tenho uma ideia. Se viermos a ser um do outro,
marido e mulher, peço ao Senhor Doutor Juiz que te empreste o dinheiro para a
viagem.
- Fazes isso?! Disseram-me que os barcos saem de
Leixões, ali para os lados do Porto. Até lá, ia de camioneta e de comboio.
Ela,
saturada de tanta conversa, já com sono, as pálpebras fechando-se, diz-lhe:
- Bem: se não te apetece mais, vamos dormir. Eu tenho
que me levantar cedo para fazer compras e o pequeno-almoço do Senhor Doutor.
- Deixa-te estar mais um bocadinho – mendigou o rapaz, numa voz quase sumida.
Dali a
pouco levantaram-se, ela levou-o até à saída e despediu-se dele com um beijo
nos lábios. Subiu as escadinhas, abriu a porta e dirigiu-se ao seu quarto. Não
estava em condições de se apresentar ao seu senhor – sentia-se suja,
emporcalhada.
Levantou-se
por volta das sete horas. Dirigiu-se à padaria a fim de comprar pão acabado de sair
do forno. Que cheirinho! Dava gosto. O Senhor Doutor adorava aquele pão,
barrado com manteiga. E que prazer ela sentia em servi-lo, com uma boa chávena
de leite de vaca, acabadinho de chegar, sobre o qual deitava meio decilitro de
café, a fim de lhe tirar aquela cor branca e dar-lhe outro sabor.
Era mesmo uma vila rural: tudo cheio de
hortas, de campos, de gado a pastar nos baldios próximos, e até suínos e
galináceos se viam pelas ruas! Desde que houvesse dinheiro, nada faltava. O
pior é que nem toda a gente ganhava o ordenado do juiz, a maioria do povo
português, nesses anos trinta, passava imensas necessidades. Os produtos do
campo eram vendidos ao desbarato, ainda por cima às vezes o temporal estragava
tudo, o milho escasseava, o centeio era pouco, trigo não se dava naquele clima
inóspito de inverno e escaldante no verão. A hortinha ia colmatando algumas
falhas alimentares, mas era preciso comprar azeite, arroz, bacalhau, carne de
vaca e de vitela, peixe fresco, etc. As conservas de atum e sardinha, compradas
ali perto, na Galiza, a preços baixíssimos, iam completando algumas refeições. Para
arranjar dinheiro vendiam-se os presuntos, lacões, um ou outro salpicão, mas
também havia que dar ao médico, ao pároco…, por isso não se podia vender tudo.
O regime político saído da Ditadura Militar era severo, controlava tudo, a
produção, os preços, os salários, nada era deixado ao acaso. Ser pobre era um
desígnio, quase uma fatalidade.
A primeira República fora um autêntico
desastre, diziam os adeptos do Corporativismo, tinha deixado o país na penúria,
os cofres do Estado vazios. A nossa entrada na I Grande Guerra exaurira o
Tesouro Nacional. Às tantas já não havia dinheiro nem para mandar cantar um
cego! Os governos caíam como tordos! Sem dinheiro, não havia progresso. A fome
alastrava por todo o país. As colónias ficaram esquecidas, ninguém lhes ligava!
Os militares que saíram de Braga, chefiados pelo general Gomes da Costa, puseram
cobro à bagunça. Acabou-se a República. Mas, pelos vistos, eles também não
desejavam a monarquia. Chamaram um Professor Catedrático, que leccionava em Coimbra,
e escrevia sobre matérias financeiras num jornal nacional, a fim de dirigir as
Finanças do país. O que aconteceu toda a gente o sabe: pouco a pouco foi-se
apoderando do poder e às tantas transforma-se no Chefe, no Senhor Supremo do
Estado e da Nação. Criou um modelo político, inspirado na Itália de Mussolini e
na Alemanha de Hitler, nem República nem Monarquia, um caldo, uma autêntica
miscelânea, mistela repugnante, embora houvesse presidente da “República”, sempre
um militar, mas praticamente sem quaisquer poderes, um presidente a bem dizer a
fingir!
O Mário
saíra satisfeito do primeiro encontro. Fora rápido de mais, desajeitado, não
gozara o suficiente, mas diacho: que experiência é que ele tinha dessas coisas?
Ela disse-lhe que estava intacta, e ele acreditava, pois nunca a vira namorar
com ninguém. Aos bailes ia acompanhada pela mãe, andavam por perto os irmãos, e
por isso estava bem vigiada. Por outro lado, era muito nova, dezasseis anos,
ainda não tivera tempo para grandes aventuras amorosas. «O pior – meditava ele – é se fica prenha.» Que condições tinha
para a sustentar? Nem sequer ganhava para ele! Os patrões, prenhez não a quereriam,
com certeza, mandá-la-iam logo embora. E como era menor, e órfã de pai, teria de
casar com ela. Que chatice! O melhor era não pensar nisso. // continua...
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