segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

LINA - FILHA DE PÃ
        (romance)


                                                                     Por Joaquim A. Rocha






 
                                4.º capítulo (continuação)
 
 
         O “Brilhantina”, como era conhecido, entrou, mas receoso. Aquele cão assustava-o deveras. Está bem, ela acalmava-o, mas nunca fiando. Por outro lado, se o patrão dela se apercebe disparava sobre ele, pois os juízes andavam armados; tinha-lhe dito, isso mesmo, o empregado do tribunal. Estava a arriscar a vida, mas por a sua amada tudo valia a pena. Ela pegou-lhe na mão e levou-o para a garagem. Depois fechou a porta e diz-lhe com meiguice:

 - Então aqui não estamos muito melhor?

- Eu desejei tanto este momento; estar a sós contigo, beijar-te, ter-te só para mim.

     Tremia como varas verdes. O coração ameaçava saltar do peito. Pensava que o que se estava a passar era um simples sonho, um devaneio; quando acordasse tudo se dissiparia. Ela, esperta como era, apercebeu-se da sua agitação, pega-lhe na mão direita e coloca-a nos seus seios. Esfrega-os e ele, pouco a pouco, vai aderindo. Põe-lhe a mão esquerda nas costas, encosta-a mais a ele, abana-a como se fosse peneira, e espreme-a como se fora esponja; procura a sua boca e beija-a com sofreguidão, entrando em êxtase. Ela baixa-se, estende-se numa manta que ali colocara durante o dia, sobe as saias e fecha lentamente os olhos.  

- Mas tem mil cuidados – diz-lhe; - eu estou pura, virgenzinha, nunca tive nada com homem nenhum; és tu o primeiro.

     Ele baixa apressadamente as calças, cheias de remendos, os quais reagem mal àqueles movimentos bruscos, como que pedindo mais calma, pois o tempo e as sucessivas lavagens no tanque público tinham causado algumas mossas; ajoelha-se e deita-se sobre aquele corpo aparentemente sedento de brincadeira. Passado um pouco resfolegava, parecia um animal no período do cio. Ela não sentia nenhum prazer. Aquele indivíduo metia-lhe asco, nojo! Só o suportava por causa da criança que transportava no seu ventre.

- Não tenhas pressa – solicitou-lhe ela. Olha que o mundo não acaba hoje.

- Bem sei, mas é a primeira vez que eu faço estas coisas com uma rapariga. Fui algumas vezes à tia Rosela, mas aquilo não presta – está velha e cheira mal, ia vomitando.

- Metes-te com bandalhos! E ainda por cima pagaste. A partir de agora não precisas de procurar esse coiro, tens-me a mim.

      Ela brincou demoradamente com ele, fez-lhe cócegas, rebolaram pelo chão, riram-se com vontade. Diz o rapaz:

- Tu é que me surpreendeste: pareces magrinha, mas afinal és cheiinha, não se te notam os ossos.

- Alimento-me bem, não sou como tu, que passas lazeira!

- Ainda hei-de ser rico, vais ver. Quando puder vou para o Brasil.

- Só se fores abanar a árvore das patacas. E quem é que te manda ir?                    

- Isso… não sei; não conheço nenhum parente que esteja lá. Nem sequer amigos. Mas se Deus quiser tudo se consegue.  

- Tenho uma ideia. Se viermos a ser um do outro, marido e mulher, peço ao Senhor Doutor Juiz que te empreste o dinheiro para a viagem.

- Fazes isso?! Disseram-me que os barcos saem de Leixões, ali para os lados do Porto. Até lá, ia de camioneta e de comboio.

     Ela, saturada de tanta conversa, já com sono, as pálpebras fechando-se, diz-lhe:

- Bem: se não te apetece mais, vamos dormir. Eu tenho que me levantar cedo para fazer compras e o pequeno-almoço do Senhor Doutor.

- Deixa-te estar mais um bocadinho – mendigou o rapaz, numa voz quase sumida.

     Dali a pouco levantaram-se, ela levou-o até à saída e despediu-se dele com um beijo nos lábios. Subiu as escadinhas, abriu a porta e dirigiu-se ao seu quarto. Não estava em condições de se apresentar ao seu senhor – sentia-se suja, emporcalhada.

     Levantou-se por volta das sete horas. Dirigiu-se à padaria a fim de comprar pão acabado de sair do forno. Que cheirinho! Dava gosto. O Senhor Doutor adorava aquele pão, barrado com manteiga. E que prazer ela sentia em servi-lo, com uma boa chávena de leite de vaca, acabadinho de chegar, sobre o qual deitava meio decilitro de café, a fim de lhe tirar aquela cor branca e dar-lhe outro sabor.

     Era mesmo uma vila rural: tudo cheio de hortas, de campos, de gado a pastar nos baldios próximos, e até suínos e galináceos se viam pelas ruas! Desde que houvesse dinheiro, nada faltava. O pior é que nem toda a gente ganhava o ordenado do juiz, a maioria do povo português, nesses anos trinta, passava imensas necessidades. Os produtos do campo eram vendidos ao desbarato, ainda por cima às vezes o temporal estragava tudo, o milho escasseava, o centeio era pouco, trigo não se dava naquele clima inóspito de inverno e escaldante no verão. A hortinha ia colmatando algumas falhas alimentares, mas era preciso comprar azeite, arroz, bacalhau, carne de vaca e de vitela, peixe fresco, etc. As conservas de atum e sardinha, compradas ali perto, na Galiza, a preços baixíssimos, iam completando algumas refeições. Para arranjar dinheiro vendiam-se os presuntos, lacões, um ou outro salpicão, mas também havia que dar ao médico, ao pároco…, por isso não se podia vender tudo. O regime político saído da Ditadura Militar era severo, controlava tudo, a produção, os preços, os salários, nada era deixado ao acaso. Ser pobre era um desígnio, quase uma fatalidade.

      A primeira República fora um autêntico desastre, diziam os adeptos do Corporativismo, tinha deixado o país na penúria, os cofres do Estado vazios. A nossa entrada na I Grande Guerra exaurira o Tesouro Nacional. Às tantas já não havia dinheiro nem para mandar cantar um cego! Os governos caíam como tordos! Sem dinheiro, não havia progresso. A fome alastrava por todo o país. As colónias ficaram esquecidas, ninguém lhes ligava! Os militares que saíram de Braga, chefiados pelo general Gomes da Costa, puseram cobro à bagunça. Acabou-se a República. Mas, pelos vistos, eles também não desejavam a monarquia. Chamaram um Professor Catedrático, que leccionava em Coimbra, e escrevia sobre matérias financeiras num jornal nacional, a fim de dirigir as Finanças do país. O que aconteceu toda a gente o sabe: pouco a pouco foi-se apoderando do poder e às tantas transforma-se no Chefe, no Senhor Supremo do Estado e da Nação. Criou um modelo político, inspirado na Itália de Mussolini e na Alemanha de Hitler, nem República nem Monarquia, um caldo, uma autêntica miscelânea, mistela repugnante, embora houvesse presidente da “República”, sempre um militar, mas praticamente sem quaisquer poderes, um presidente a bem dizer a fingir!
 


    
O Mário saíra satisfeito do primeiro encontro. Fora rápido de mais, desajeitado, não gozara o suficiente, mas diacho: que experiência é que ele tinha dessas coisas? Ela disse-lhe que estava intacta, e ele acreditava, pois nunca a vira namorar com ninguém. Aos bailes ia acompanhada pela mãe, andavam por perto os irmãos, e por isso estava bem vigiada. Por outro lado, era muito nova, dezasseis anos, ainda não tivera tempo para grandes aventuras amorosas. «O piormeditava eleé se fica prenha.» Que condições tinha para a sustentar? Nem sequer ganhava para ele! Os patrões, prenhez não a quereriam, com certeza, mandá-la-iam logo embora. E como era menor, e órfã de pai, teria de casar com ela. Que chatice! O melhor era não pensar nisso.  // continua...

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