terça-feira, 6 de junho de 2017

LINA - FILHA DE PÃ
(romance)
 
Por Joaquim A. Rocha
 
 
 
(continuação)...
 
     Entrou porta dentro e dirigiu-se à cozinha, onde costumava estar a sua Lina. Queria dar-lhe a novidade: «já cá canta!» Porém, quem surgiu aos seus cansados olhos, para seu espanto, foi uma rapariguinha franzina, de olhar tímido, acanhada.

 - Que fazes aqui? – pergunta ele com alguma dureza.

- Estou a tratar da senhora Lina, que teve um bebé; está na cama.

- É verdade o que dizes?!  

      Antes que a mocita lhe respondesse saiu disparado da cozinha e dirigiu-se ao quarto. Viu a sua amada deitada, a fingir que dormia, e a seu lado o berço do catraio. Deu dois passos em sua direcção e pergunta-lhe:


- Então, como correu? É rapaz ou rapariga?

- Correu tudo bem. Eu estou forte, amanhã já me levanto. Olha para o berço. Não vês a cor? Azul. É um rapaz, um latagão. O nosso Leandro vai ser um homenzarrão.

- Posso pegar-lhe? É tão bonito!

- Ainda é cedo; deixa-o dormir. A Joaninha logo já o lava e põe-mo aqui para eu lhe dar a mama. Ah! Já me esquecia: passaste? Já tens a carta?

- Passei com distinção! O dinheiro compra tudo. Agora preciso de adquirir o automóvel, para isso terei de ir ao Porto. Não te importas que vá abaixo, à loja?

- Vai homem, vai. A mocinha está a preparar a ceia.

- Não precisará de ajuda? Vê lá!

- Eu daqui oriento-a. Não te preocupes – disse-lhe, sorrindo para ele.


     O senhor Manuel desceu até ao estabelecimento. Estava feliz. Um dia em cheio. Tinha uma mulher jeitosa, um filho, logo um rapaz, a vida corria-lhe bem. Graças ao contrabando, tudo se vendia e comprava. As pesetas e os escudos iam entrando nos seus bolsos como as abelhas entravam nas colmeias e a chuva penetrava nas terras aráveis. Os galegos eram bons clientes, pagavam a tempo e horas. Aumentara o número de lojas, já tinha empregados, o negócio prosperava a olhos vistos, chegava para todos. «Dinheiro chama dinheiro», diziam os mais antigos, e tinham razão.      

 
     À impostora, tudo corria às mil maravilhas. A criança foi batizada na igreja de Castro da Serra, tendo por padrinhos um casal de castrejos, amigos do “pai” do menino, em casa dos quais se realizou uma grande festa. Até baile houve ao som de uma concertina.

     Costuma dizer-se que não há bela sem senão. Pois é: a tal prima do senhor Manuel não desistiu do caso. Estava em jogo muito dinheiro e bens. Investigou, mandou investigar, e por fim a pesquisa surtiu o efeito tão desejado: a criança não era da Lina. A astuta mulher comprara-a, como quem compra um peru ou um pato!

     Depois dessa descoberta, dirigiu-se à Guarda Nacional Republicana e contou tudo que sabia. Não era por interesse, disse-lhes, mas sim para desmascarar a intrujona, a libertina. Já fizera aquela patifaria ao pobre do Mário, arruinara uns quantos lares, e agora aquilo. Aquela sacaninha era o diabo em pessoa.

     A Guarda pôs-se em campo. Em primeiro lugar foi a Cartagães e deu ordem de prisão à mãe da criança. Nem sequer foi necessário levá-la presa – ao primeiro safanão confessou tudo:

 
- Senhores guardas, eu e o meu homem temos tantos filhos, passamos tanta fome, e aquele ao menos está bem, em casa de gente rica. Por favor: não lhe estraguem o seu futuro.

- Mas, senhora Umbelina – diz o cabo com comiseração – não vê que vender uma criança é crime grave? A senhora não se vai livrar de cumprir uma pena, embora leve, julgo eu, tendo em conta a sua extrema pobreza, mas não volte a fazer o mesmo. A Lina desta vez vai para a prisão durante algum tempo, a fim de pagar por todas as patifarias que tem feito.       

- Eu não tenho nenhuma queixa dela, tem-me ajudado muito. Que Deus a proteja.

- Está bem, está bem, apresente-se amanhã no posto; não falte, se não vimos buscá-la e é pior para si.
 
 
desenho de Manuel Igrejas
 

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