segunda-feira, 26 de junho de 2017

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha




FORAIS MELGACENSES

(continuação)

 

 
     Nada fazia prever, quando em 1223 morre Afonso II, subindo então ao trono seu filho Sancho II, que Afonso algum dia viesse a ser rei. Ele próprio não acreditava nessa possibilidade. Por isso, em 1227, quatro anos depois de seu irmão se tornar monarca, parte para França onde casa, em 1245, com a condessa Matilde de Bolonha, senhora de muito prestígio. Matilde, por razões que eu desconheço, não acompanhou seu marido quando este veio assumir o poder em Portugal. Razões de Estado? Razões de coração? Esta nobre senhora faleceu em 1261, já «divorciada» de Afonso III, rei de Portugal e Conde de Bolonha.

     Foi o papa Inocêncio IV, em 1245, a pedido dos prelados e de alguns nobres portugueses, quem nomeou Afonso «defensor do reino de Portugal», enquanto seu irmão fosse vivo (Sancho II seria desterrado para Toledo, onde faleceu no ano de 1248).

     Afonso III casou novamente (encontrando-se ainda viva a sua primeira mulher), com Beatriz, filha de Afonso X, o Sábio, rei de Leão e de Castela, na cidade de Chaves, no ano de 1253. A bolonhesa não lhe tinha dado filhos; a castelhana, porém, deu-lhe sete! Além destes, o pai de D. Dinis ainda conseguiu arranjar mais dez ilegítimos!

     Depois de terminada a guerra civil, provocada por esta estranha sucessão, Afonso III virou-se para a administração do território. Promoveu novas inquirições «que deviam julgar da justiça dos títulos de posse e privilégios, padroados, coutos (…), a fim de evitar apropriações abusivas.» É neste espírito de organização e atualização que surge o novo foral dado a Melgaço no ano de 1258.
 
2.º Foral


     Em nome de Cristo e por sua graça. Seja conhecido de todos, tanto coevos como futuros, que eu, Afonso, por graças de Deus rei de Portugal e Conde de Bolonha, juntamente com a minha esposa e rainha D. Beatriz, filha do ilustre rei de Castela e de Leão, faço carta de foro a vós, povoadores presentes e futuros de Melgaço. Dou-vos e concedo-vos a minha vila de Melgaço para a povoarem para foro. E mando que sejais na dita vila trezentos e cinquenta povoadores. E vós, e todos os vossos sucessores, dar-me-eis, e aos meus sucessores, anualmente, trezentos e cinquenta morabitinos velhos (1), três vezes ao ano, por todos os direitos, foros e coimas qua adiante vão descritas. E haveis de receber na mesma vila o meu rico-homem (2) que tiver essa terra e aí gaste os seus dinheiros, e não vos faça nenhum mal nem força, nem vos tire seja o que for contra a vossa vontade. Eu próprio nomearei alcaide que me preste menagem do meu castelo. E o alcaide em pessoa deve guardá-lo e não vos fazer mal ou força, e não se intrometer nos assuntos da vossa vila e concelho, a não ser para aquilo que o quiserdes chamar.

     E tende a vila de Melgaço com todos os seus limites, divisões novas e antigas, por onde os puderdes melhor encontrar de direito. E em todas as outras coisas, para além do que acima está escrito, dou-vos o foral de Monção, como segue:

     Em primeiro lugar, concedo-vos que não deis por homicídio se não trezentos soldos de coima, e desses dai deles a sétima parte ao paço por mão do juíz. E em qualquer pleito, ou crimes que exijam reparação, não entre o meu meirinho (3), a não ser como juíz do vosso concelho. E a terceira parte do vosso concelho faça fossado (4), e as outras duas partes permaneçam na vossa vila. E daquela terceira parte que deverá fazer o fossado, aquele que não se apresente pague, para o esforço de guerra, cinco soldos de coima. E não façais fossado senão com o vosso senhor, uma só vez por ano, a não ser que seja por vossa vontade. Os clérigos e os peões (5) não façam fossado. E não entrem aí mensageiro nem bens de qualquer homem de Melgaço. E quem, no termo de Melgaço, raptar filha alheia contra sua vontade, pague ao paço trezentos soldos e seja expatriado como se fora homicida. E se alguém de entre vós ferir com premeditação na feira, na igreja, ou no concelho, o seu vizinho, pague sessenta soldos ao concelho, sendo a sétima parte para o paço por mão do juíz. E de qualquer furto, o dono da coisa furtada receba o seu cabedal e das outras oito partes dê ao juíz metade (6). E aquele que fizer uma casa, ou honrar a sua vinha e herdade, e nela residir durante um ano, se depois quiser habitar noutra terra, os seus bens continuarão a pertencer-lhe onde quer que ele habite. E se quiser vendê-los, venda-os pelo foro da vossa vila a quem quiser. E os homens de Melgaço que tiverem de fazer juízo ou ajuntamento com homens de outras terras façam-no nos limites dos seus termos.

     Dou-vos por foro que o cavaleiro (7) de Melgaço seja havido por infanção (8) de todo o meu reino em juízo e em juramento e isso vinque com dois censores (9); e o peão seja havido como cavaleiro vilão de todas as minhas terras em juízo e em juramento e vinque isso com dois censores. E os homens que das suas terras tiverem de sair por homicídio ou rapto de mulher, ou por qualquer outra calúnia (10), exceto se trouxerem a mulher de outrem, no estado de casada, e se se fizerem vassalos de algum homem de Melgaço, sejam livres e defendidos pelo foral de Melgaço. E se um homem de qualquer outra terra vier com inimizade ou com penhora, depois de ter entrado no termo de Melgaço, se o seu inimigo entrar depois dele e lhe tirar o penhor ou lhe fizer algum mal, pague ao senhor que tiver posse de Melgaço quinhentos soldos e duplique o penhor àquele a quem o tiver tirado e repare os agravos que lhe tenha feito. E quem penhorar um homem de Melgaço, e antes não o tiver solicitado, à vossa assembleia, pague ao paço sessenta soldos e duplique a penhora àquele que a tiver sofrido. E homem de outra terra que descavalgar cavaleiro de Melgaço pague sessenta soldos; e homem de Melgaço que descavalgar cavaleiro de outra terra pague cinco soldos. E se homem de outra terra prender homem de Melgaço e o puser na prisão pague trezentos soldos; e se homem de Melgaço prender homem de outra terra pague cinco soldos. E se homem de Melgaço, por qualquer fiança, não for citado durante meio ano, a mesma caduque; e se entretanto morrer, a mulher e os filhos dela fiquem livres. E os homens de Melgaço não paguem pela penhora nem para o senhor da terra, nem para o meirinho, nem sejam penhorados pelo seu vizinho. Nem os cavaleiros de Melgaço, nem as mulheres viúvas, dêem pousada pelo foro de Melgaço, a não ser os peões, por indicação do juíz, até ao terceiro dia. E os homens de vossos termos, ou de outras terras, que se instalem em vossas propriedades, ou em vossos solares, quando vós aí não estiverdes, venham os mesmos por ordem do juíz e dêem fiadores residentes que possam responder perante a lei quando regressarem os legítimos proprietários. E se fizerem calúnia, paguem-na aos seus senhores e a sétima parte ao palácio. E não sirvam senão aos senhores em cujos solares vivem. E as searas e as vinhas do rei tenham igual foro ao que têm as vossas searas e vinhas.                                
     Aquele que matar o seu vizinho e se refugiar em sua casa, quem entrar atrás dele e aí o matar, pague trezentos soldos. E quem uma mulher forçar, e a própria se puser a gritar (não aceitando o ato) se o violador por meio da lei [Lei das XII Tábuas (11)] não se puder salvar, pague trezentos soldos. E quem bater em mulher alheia, pague ao seu marido trinta soldos e a sétima parte ao paço. E o homem de Melgaço que queira dar fiadores por intenção daquilo que o inquieta, e tiver dado dois fiadores, e ele próprio ser o terceiro, se aquele que é o motivo da sua inquietação não quiser aceitar os fiadores, e posteriormente o matar, todo o concelho pague o homicídio aos seus parentes. E o paço do senhor rei e o paço do senhor bispo tenham coima (12). E toda a vila tenha um único foro (13). E o homem de Melgaço que entrar com um fiador, se aquele que desrespeitou não o libertar qual tenha feito a fiança, tal pague. E se tiver para com ele uma atitude de ameaça, despreze-o, e saia ele próprio da fiança. E da suspeita de dez soldos pelo menos, jure com um vizinho apenas; e de dez soldos para cima, jure com dois vizinhos. E o homem de Melgaço que queira ir para outro senhor, para que este o beneficie, a sua mulher e os seus filhos sejam livres e a sua casa e os seus bens desonerados pelo foro de Melgaço.   // continua...
 

Sem comentários:

Enviar um comentário