quinta-feira, 2 de maio de 2019

POEMAS DO VENTO
 
Por Joaquim A. Rocha



peleja entre Inês Negra e a Arrenegada


FESTA DO ALVARINHO
 

Há tanta gente a gostar
Da festa do alvarinho,
Presunto pra degustar,
Chouriçada, muito vinho.

 

Todos de copo ao peito,

Fazem fila pra beber;

Tudo com muito respeito,

Até motor aquecer.

 

À mesa queijos de cabra,

Curados e meia cura;

Com sabor a serra brava,

E canto de partitura.

 

Rija luta a boca trava

Pra comer salpicão cru;

É dente que já só crava

Bolinhos de jerimu.

 

Pataniscas de lampreia

- Meu petisco preferido -

Lembra-me a última ceia,

A partida do ungido.

 

Quem me dera ter lá estado,

Beber dois copos bem cheios;

Esquecer o meu costado,

Perder todos os receios.

 

Com música aligeirada,

As bailarinas gordinhas,

Cantigas à desgarrada,

Um palco todo gracinhas.

 

Não há padres nesta festa,

Já o beberam na missa;

Não há fisga, não há besta (bésta),

Só há fumeiro na liça.

 

O alvarinho escorre

Pelas gargantas abaixo…

É vinho que nunca morre

Nos tubos dum contrabaixo.

 

Que festança meus senhores,

A melhor da nossa aldeia…

Bebam, bebam, bebedores,

Ouvindo a terna sereia.

 

As senhoras também ajudam

A esvaziar uma pipa…

Como os tempos tanto mudam:

Já o dizia a velha Agripa!

 

Vem gente de todo o lado:

De Roma e de Paris…

Da batalha do Salado,

Da corte de Dom Diniz.

 

Vem malta de todo o mundo,

Cheia de fome e cansaço…

Com cara de rato Edmundo,

Matar a sede em Melgaço.

 

Vêm da pequena Suíça,

Da França e Luxemburgo;

Em busca da tal linguiça,

Da melhor que há no burgo.

 

Consomem-se dez mil litros,

Há quem diga, muito mais;

Desprezam-se pirolitos,

E as águas minerais.

 

Come-se, bebe-se à rica,

Baila-se, canta-se, enfim…

  Por divertir ninguém fica:

Marta, Carlos, Serafim…

 

Eu a beber litros d’água!

Mas que injustiça, Carmelo…

Nada apaga esta mágoa,

Esta sede de camelo.

 

Vou a Castro num instante,

Comprar um presunto belo;

Pão de centeio, espumante,

As mourinhas do castelo.

 

Vou contar-lhes a estória,

Estória d’encantar;

Que me restou na memória

Depois do sonho findar.

 

A lenda da negra Inês,

Portuguesa de nação;

Pastora de muita rês,

Mulher de bom coração.

 

Dom João veio a Melgaço

Pra reaver o castelo,

Mas o castelhano, d’aço,

Mostrou-lhe longo cutelo.

 

A luta foi longa e dura,

Parecia nunca ter fim;

Já pesava a armadura,

O futuro era ruim.

 

Inês, jovem e mui bela,

Filha amada do deus Marte,

Disse: «pra vencer Castela

É preciso manha e arte

 

Propôs ao rei uma luta,

Entre Inês e a de dentro;

S’ela perdesse a disputa

Partiriam com o vento.

 

Entre murros, pontapés,

Os cabelos arrancados,

Altos e baixos, marés,

Tecidos todos rasgados.

 

Quase por puro milagre,

Inês levanta o seu braço,

E numa voz de vinagre,

Grita: Melgaço, Melgaço!

 

E assim termina a lenda,

Daquela que vence o mal.

Dom João levanta a tenda…

                 Aqui nasce Portugal.  



 

Sem comentários:

Enviar um comentário