quarta-feira, 29 de março de 2017

MELGAÇO E AS INVASÕOES FRANCESAS
 
Por Augusto César Esteves





// continuação...

Administrando justiça de terra em terra, D. Sancho I, logo no princípio do seu reinado, aqui chegou certo dia para se entreter com os frades de Fiães. As testemunhas ouvidas nesta Vila pelos inquiridores de Afonso III, em 1258, dizendo-lhes a verdade sabida para apurarem os bens da coroa abusivamente extorquidos à matéria tributável pelos nobres, disso guardaram memória e os documentos conservados, em cópia, no Cartulário de Fiães não destroem, não ilidem e antes confirmam o facto. Se bem os interpreto, a sua síntese é esta: D. Afonso Henriques doou aos frades de Fiães o Reguengo da Senhora da Orada em 1173, sendo tenente da terra de Valadares D. Suerio Airas. // Este era um militar destemido e um homem de soberbia e truculento. Um dia, apoderou-se da vila de Figueiredo, na terra de Valadares, em São Miguel de Messegães, espoliando-a aos frades galegos de Celanova. Conservada muito tempo em seu poder, a granja acabou por diluir-se, aniquilar-se como unidade patrimonial privada e entrou no património da Coroa como reguengo d’el-rei. Outra vez, possivelmente nos fins do reinado daquele monarca, prendeu, agarrou um homem mesmo no mosteiro de Fiães, e enforcou-o! O desaparecimento desta vila arredondou os seus haveres, porque lhe permitiu apropriar-se daquele reguengo da Orada. Ora em certa ocasião, antes de 1189, veio cá D. Sancho I e ao ter conhecimento dos factos não repôs as coisas no seu lugar; antes as complicou, tirando aos frades e dando aos habitantes de Melgaço esta herdade e, havendo a granja de Figueiredo por sua, doou-a ao convento de Fiães. Posteriormente, por causa destas doações, o mosteiro de Fiães e os burgueses de Melgaço envolveram-se em questões e no tribunal pleitearam também Fiães e Celanova. Reivindicaram os fenalenses a vila da Senhora da Orada e vários outros prédios e negaram-lhos os habitantes de Melgaço. Quanto tempo assim andaram não se sabe, mas trinta anos depois, reinando já em Portugal Afonso II, fizeram uma transacção em Ourense reduzida a escrito na era de M.CC.L.VIII. IIII kalendas marcii.

     As questões entre o convento de Fiães e o de Celanova só mais tarde foram solucionadas e da maneira como se lê a folhas 102.º do Livro das Datas. E de um silhar se desprendem memórias do exilado de Toledo e de seu irmão. Os documentos falam disso e até o nosso foral manuelino ligeiramente a este alude. Mas, Alexandre Herculano, na “História de Portugal”, embora não deixe entrever a parcialidade de Melgaço a favor de Sancho nas lutas intestinas do país, sintetiza este período assim: [Melgaço oferece-nos a este respeito um exemplo curioso. São aí claros os indícios de que, apesar de ser uma povoação assaz importante para se organizar em 1258 pelo tipo de Salamanca, dando-se-lhe o foral de Monção, que pertencia a esta fórmula, nem por isso deixara de continuar a ser um grémio imperfeito composto inteiramente de tributários ou peões, como vimos que era na sua origem. Numa época anterior os vilãos de Melgaço tinham obtido de Sancho II o reduzir-lhes os direitos reais a uma renda certa, transferindo-se, além disso, para eles a apresentação do alcaide. Ainda em 1256 Afonso III confirmava esse contrato, e lhes dizia: «Mandai-me imediatamente um cavaleiro português que me faça menagem do castelo de Melgaço, tal que possa ter e defender o dito castelo e fazer dele direito»; ou porque os vilãos não houvessem cumprido a ordem de el-rei, ou porque abandonassem essa prerrogativa a troco de outras vantagens, dois anos depois, quando recebem o foral de Salamanca aparece inserida neste uma nova condição acerca do alcaide: «Devo eu nomear o alcaide que me faça menagem do castelo, e o dito alcaide deve guardá-lo sem vos fazer mal ou força e nada terá que ver convosco em vossa Vila, nem no vosso concelho, senão naquilo a que espontaneamente o chamardes.»]

     Ninguém conhece o paradeiro da carta escrita pelos juízes e concílio de Melgaço a Sancho I, nem o da resposta do rei, mas a opinião de Herculano assenta no foral por ele citado e neste pequeno documento de 1256, da Chancelaria de D. Afonso III:

«Confirmatio – Carte de Melgazo
 
     Alphonsus dei gracia Rex Portugalie et Comes Bolonie vobis judicibus et Concilio de Melgazo salutem. Vidi vestram cartam quam vobis dedit boné memorie Rex domnus Sancius suo sigillo sigillatam frater meus in qua carta continetur quod daretis sibi annuatim mille solidos legionensespro rendis quas habebet in ipsa villa de Melgazo et quod daretis sibi unum militem qui faceret menagium sibi de ipso castello de Melgazo. Et ego concedo vobis et confirmo ipsam carta supra dictam quam vobis dedit Rex domnius Sancius frater meus. Et mando vobis que tam cito mereatis mihi militem qui faciant mihi menagium de ipso castelo de Melgazo et ipse miles sit meus natural et sit talis qui possit ipsum castellum tenere et defendere et facere de illo directum. Unde aliud non faciatis. Data in Colimbria Rege mandante per Petrus martini petarinum viiii die Maij. Johannes Suerij fecit. Era M.CC.LX.iiij

// continua...            

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