quinta-feira, 16 de março de 2017

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha






cartas de um castrejo

24.ª - «Senhor Redactor: as nossas previsões, que não passaram além de nós e do nosso quartinho de trabalho, vão-se realizando. O comportamento incrível, de há muito, dos soldados da Guarda-Fiscal, fere a nossa dignidade de povo trabalhador, pacífico e livre, e revolta-nos pelo seu atrevimento, pelos actos mais condenáveis e que as autoridades competentes indubitavelmente condenarão, pois já tais actos estão sob a sua alçada. Enquanto a nossa consciência de castrejo puro, e de amante da terra que lhe foi berço, protesta com a veemência mais alçapremada, contra o ignóbil atentado feito à dignidade incontestável e incontestada de um venerável ancião, de um indefeso, de um bom, por fim, - atentado praticado por um soldado ou soldados da referida corporação. Revolta-nos, indigna-nos, esta violência; e este povo teve mais uma vez a consciência dos seus deveres, não linchando o atrevido. Um guarda-fiscal é um soldado da República e um cidadão, que deve estar convicto dos seus deveres cívicos. O respeito aos velhos é sagrado, quer sejam mendigos quer ocupem um lugar de destaque na sociedade, são sempre velhos, são sempre alvo de atenções dos homens cônscios dos seus deveres. O guarda-fiscal, que esbofeteou um velho venerando, não deve continuar a usar a farda de uma corporação a todos os respeitos digna, porque a enxovalha. Eis os nossos brados mal contidos. E se, como creio, forem urdidas acusações baixas e calúnias forem alevantadas contra o povo castrejo pelos (…) soldados da Guarda-Fiscal (…) as autoridades competentes chamem os aposentados que passaram por aqui (…) digam o quanto os estimávamos e respeitávamos. – Quem se transformaria? Nós ou a Guarda-Fiscal destacada aqui e nos postos circunvizinhos? Senhor Chefe desta secção e demais superiores hierárquicos da Guarda-Fiscal até ao Ministro das Finanças: é indispensável, reclama-o a dignidade de um povo ofendido, na pessoa veneranda e querida do seu pastor espiritual, que o soldado ultrajador receba um castigo à altura da sua façanha; e, até, uma casa de correcção o habilite a ser bom soldado, pois os anais da história que compulsamos só nos indicam inúmeros actos de heroísmo praticados pelo soldado português, desde Ourique a Naulila – e é indigna de sê-lo por envergonhar a farda, quem esbofeteia um velho venerando! // As últimas chuvas prejudicaram extremamente a colheita dos fenos, recompensando-nos, por outro lado, no bem que fizeram aos batatais, que têm um aspecto excelente. // Começam as segadas… / Castro Laboreiro, 27/7/1916.»        

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