sábado, 11 de março de 2017

A ADVERSIDADE POR MADRASTA
- romance -
 
Por José Alfredo Cerdeira




Prefácio
                                                                                 

     Este romance, o terceiro publicado pelo autor, conta-nos uma história extraordinária, mesclada de sofrimento, de injustiças, de crueldades, desespero, e por fim de esperança. Estamos, sem dúvida, perante uma tese bem elaborada: o ser humano é capaz de sobreviver a todos os malefícios, a todas as provações, desde que, no fim da corrida, algo - ou alguém - o espere para o compensar dos sacrifícios, dos esforços ciclópicos que a vida, ou o destino, quem sabe, as circunstâncias, lhe exigiram. Isto levar-nos-ia a especular sobre as nossas reais capacidades ou, então, a remeter-nos para o universo da ficção, onde tudo é possível e aceitável, e o exagero, sabiamente doseado, é um ingrediente indispensável.

     Quer se queira, ou não, ao iniciarmos a leitura deste livro entramos, quase sem nos apercebermos, dentro do enredo, tomamos partido, irritamo-nos com a injustiça, com a impunidade, sofremos com o sofrimento das personagens, partilhamos da sua imensa dor. No decorrer da narrativa, sem darmos por isso, uma lágrima traiçoeira baila nos nossos olhos, um grito de raiva e desespero sai dos nossos peitos, por nos acharmos impotentes face ao mal que está a ser perpetrado aos mártires, vítimas de atos apenas inventados, de crimes que não cometeram! Parece-nos estar a assistir ao difícil caminhar para a santidade: Raimundo, a personagem sofredora, percorre o caminho que o conduzirá ao “céu”; pelo contrário, outra personagem, Rosa, cheia de ódio e despeito, caminha, paulatinamente, devido aos seus planos inconcebíveis de vingança, próprios de uma mente perversa, executados com requintes de malvadez, para o “inferno”, para os braços escaldantes do diabo. Mas se o despeito nos leva ao crime, como habilmente defende o narrador, ai daquele que se atravesse na vereda do despeitado! A sua vida torna-se num turbilhão, num cadinho de todas as experiências maléficas!

       Outra tese, que está subjacente no romance, diz respeito ao perdão absoluto. Ao contrário daquilo que nos fizeram crer na catequese, quando éramos meninos, convencendo-nos de que só um deus tem o poder de perdoar, no romance o perdão é concedido por Raimundo, a personagem mártir! Obviamente que a tese vinga, pois ele, pelo seu sofrer, pela sua abnegação, o seu caráter impoluto, ganhou a santidade, tornou-se divindade, embora em grau menor, pelo que pode conceder essa dádiva, não como um deus do Olimpo, mas sim como seu intermediário, um mensageiro. O exemplo vem da igreja cristã ao canonizar alguns indivíduos, tidos como criminosos pela lenda, ou tradição, não tanto pela sua biografia, quantas vezes deturpada, ou mesmo ignorada; graças ao seu arrependimento, e aos supostos milagres subsequentes, ganharam um lugar no paraíso, onde outrora viveram Adão e Eva! Os conceitos religiosos estão patentes em toda a obra, são o sal que a tempera. A doutrina cristã: sofrimento, morte, ressurreição (em sentido figurado), percorre em ziguezague a narrativa, levando o leitor a compreender que a vida não é linear, mas sim eivada de coisas más e boas, numa mistura plenamente conseguida, na procura do prémio: a salvação da alma. O destino de cada um de nós está previamente traçado mas - mediante ações praticadas pela vontade individual ou coletiva - pode o mesmo ser alterado, é o livre arbítrio! A superstição, o espiritismo, surgem aqui e ali, sem grande relevo embora, a lembrar-nos que as gentes dos meios rurais e de montanha ainda conservam resquícios de outras eras, de tempos obscuros, e que os padres católicos ainda não conseguiram extirpar na sua totalidade, pois até eles próprios, por vezes, são atingidos por essas crenças e costumes ancestrais.  

     No primeiro romance apresentado pelo autor a personagem principal, histórica, o famigerado Tomás das Quingostas, morre às mãos dos soldados; no segundo romance, Morgado, sucumbe soterrado no antigo convento dos frades vítima da sua ambição; neste, Raimundo sobrevive, casa com Pureza, que sempre o amou, em silêncio, e por ele aguarda, anos a fio, mesmo sabendo que se voltar do desterro, a que fora condenado, não será para os seus braços, mas sim para os de Rosalina, cujo fim será trágico, por não ter conseguido ser fiel à sua palavra de adolescente. A morte funcionou como exemplar castigo! Não subiu ao pódio, porque desistiu, porque se cansou de esperar, porque sucumbiu às artimanhas e à chantagem da manipuladora madrinha! Só como heroína, senhora de uma fé inquebrantável, sem tergiversações, é que poderia, de vestido branco, imaculado, subir os degraus da igreja, sorridente, olhos brilhantes, ao lado de Raimundo.

      O contraste entre o espaço ao ar livre e o meio urbano é-nos apresentado de uma forma admirável. No primeiro, carecemos de quase tudo: eletricidade, água canalizada, transporte, escolas, mas possuímos liberdade; no segundo, temos as comodidades, mas falta-nos a alegria de viver! Poder-se-ia afirmar, como o fez o poeta: «está-se bem, onde não se está!» À medida, porém, que o ser humano se distancia da animalidade, a tendência é para viver na cidade, onde tem tudo à mão, onde se realiza como pessoa, embora, claro, se afaste da natureza, se prive da liberdade sem limites.        

      A paz, embora tardia, é alcançada finalmente pelo nosso herói. Não foi gorada a nossa expectativa. O tempo sarará todas as feridas provocadas pelos nefastos acontecimentos, apagar-se-á da memória o passado sombrio, e vingará o amor. Enfim, verificou-se a catarse, simbolizada pelo raiar do sol, pelo eclipse das nuvens que escureciam o caminho para a suprema felicidade, e – acima de tudo – a expiação.

           
Joaquim A. Rocha
 

                                                                             

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