quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
 
Por Augusto César Esteves
 
 
 
     Outra recorda D. Sancho I e a sua política que, certa vez, pôs Melgaço em pé de guerra e levou a mesnada dos seus peões incorporada na hoste real. Foi nos fins de 1196, ou nos princípios do ano seguinte, quando invadiu a Galiza, como aliado dos reis de Castela e de Aragão. Aos historiadores da vida nacional escasseiam documentos elucidativos das particularidades de toda a empresa e, não obstante aos monógrafos de Melgaço faltar qualquer letra expressa para abonarem o acerto, a verdade ficou dita, porque a campanha há-de ser também apreciada pela crítica à face das regras e princípios que informavam o serviço militar.

     Conhecem-se a tomada de Tui e mais alguns feitos da hoste espalhada por aqueles sítios. Se esta invasão das tropas de D. Sancho I atingiu Pontevedra, como relatam escritores que trabalharam este período de lutas com o rei de Leão, as lanças dos avós de nossos avós na empresa se viram, ajudaram a talar campos, a entrar castelos e não deixaram também de bater às portas daquela vila galega, porque embora a quadra fosse de fins de Outono – princípios de inverno, aqui não ficaram todos a comer castanhas à lareira. A este «dolce farniente» opunham-se a característica da campanha e situação da terra, a organização do serviço militar nos primeiros reinados e as obrigações contraídas pelos súbditos para com o soberano. Nesta guerra entrou a hoste real e para a engrossar que necessidade tinha D. Sancho I de trazer até ao norte a peonagem do sul? Se por todos os cantos de Melgaço, nessa altura, livremente passava ainda a raposa, por a Vila ser terra aberta e, quando muito, apresentar à volta da torre os andaimes dos canteiros do assento, que perigo de contra ofensiva nesta parte da fronteira podia antolhar-se para a mesma ficar fortemente guardada das arremetidas do leonês? Se o seu valor, como ponto de defesa, era nulo e o de presa de guerra devia equivaler àquele, para que, pois, haviam de ficar aqui, de folga, as muitas ou poucas lanças dos peões locais?

     De resto, como Melgaço era povoação da Coroa, e só habitada por jugadeiros, não obstante o seu foral ser omisso quanto à prestação do serviço militar, e no seu termo não haver a fina flor do povo, representada pela classe dos cavaleiros vilãos, todos os homens abrangidos na administração municipal, ou povoando os reguengos, incrustados no termo, por isso mesmo, estavam obrigados, como todos os outros do país não exceptuados expressamente nos forais, ao encargo de acompanharem o monarca, enquadrados na hoste real, quantas vezes ele os convocasse para entrarem em som de guerra pelas terras alheias ao seu domínio. Assim tem de ser entendida a omissão verificada no foral; doutra forma Melgaço estaria dispensado também de correr às armas para se defender de qualquer fossado partido da Galiza. // Ora não se compreende como aquela obrigação militar, sempre tão ciosamente exigida de toda a gente, nobre ou plebeia, remediada ou rica, fosse agora obliterada em benefício do Concílio de Melgaço, um concelho quase fronteiriço ao campo de operações e tão chegado aos objectivos a atingir pelo rei, visto não se tratar de fossado ou guerra contra os mouros já quase verdadeiros antípodas dos nortenhos.

     Não se compreende nem alcança por que motivo, no preciso momento de perigo para a nação portuguesa e de esforço colectivo contra inimigo poderoso, o rei houvesse de isentar da obrigação de irem naquela hoste os seus reguengueiros e todos, ou alguns, dos lanceiros do município de Melgaço, concedendo-lhes um privilégio tantas vezes negado aos outros homens livres, como não se alcança, nem descobre, causa para a este termo não chegar a convocação real, ou razão por que os moradores do termo se recusassem a acompanhar o seu rei nesta empresa, negando assim e abertamente obediência a quem lhes havia dado já uma sensível prova de atencioso carinho e de graciosa generosidade – a doação da «hereditate sancte marie da erada», como consta deste tão interessante documento do Cartulário de Fiães, duas vezes curioso, ouseja, pela resenha da família real e pelo número de mitras confirmantes.                
 

«De Figueiredo – In dei nomine. Hec est carta firmissime donationis et cum canbii quam iussi fieri. Ego Santius dei gratia portugaliae Rex una cum filio meo Rege domno alfonso et alteris filiis et filiabus meis. Vobis donno iohanni abatti de fenalis et fratribus vestris tam presentibus quan futuris de illis quatuor casalibus et demidio que habuimos in villa que vocant Figueiredo. Damus igitur vobis hec quator casalis et demidium per remissione pecattorum nostrorum et per hereditate sancte marie da erada quan pater meus rex domnus Alfonsus vobis dedit et nos dedimus eam poplatoribus de melgazo. Quicquid autem in iam dicta villa de figueiredo habuimos vobis damus et iure hereditario habendum concedimus in perpetuum cum omnibus que in ipsis casalibus ad ius nostrum expectat quicquid igitur hoc nostrum factum vobis integrum observaverit sit benedictus a domino amen.
     Facta fuit hac karta apud Scaren. III. idus. Decembris. sub era M.CC.XXX.VII. Nos reges qui hanc kartam fieri percepimus coram subscritis eam roboravimus et in ea hac signa fecimus. Qui affuerunt. // Martinus bracarensis archiepiscopus - confirma. // Martinus portugalensis episcopus // Petrus lamecensis episcopus // Nicolaus vicensis episcopus // Petrus colimbriensis episcopus // Suarius ulixbonensis episcopus // Plagius elborensis episcopus // Johannes Fernandiz dapifer domni regis // Martinus Fernandiz // Dominicus Osoreus // Gonsalvus Menendiz maiordomus curie // Plagius moniz signifer domni regis // Nuno Sancii qui tunc tenebat ripam minii // Martinus Lopes // Garsia Petris // Fernandus Fernandiz // Petrus Nuniz - testes // Selo rodado: Rex dom’ Santius // Rex dom’Alfons’ // Reg. Dona Berengaria // Regina dona Sãchia // Regina dona Tharasia // Regina dona Mafalda // Regina dona Blãca // Rex dom’Petrus // Julianus Notarius Curie.»    // continua...                  

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