quinta-feira, 4 de junho de 2015

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha


MELGAÇO E A EMIGRAÇÂO

(segunda parte)


     As consequências da emigração em massa logo se fizeram sentir: os campos deixaram, de uma maneira geral, como já disse, de ser cultivados; o comércio atrofiou-se ainda mais; a vida associativa ressentiu-se letalmente. Extinguem-se os bombeiros voluntários e as equipas de futebol; deixou de se praticar ciclismo. A banda de música, por sinal de bom nível, deixou de atuar por falta de elementos. O Cine Pelicano fechou as suas portas, penso que por falta de público. Em contrapartida, porém, o dinheiro começou a aparecer já nos finais da década de sessenta. As remessas dos emigrantes trouxeram a Melgaço agências bancárias e «stands» de automóveis; lojas de eletrodomésticos e discotecas. Melgaço tornou-se um concelho “apetecido” pelos bancos, para aí obterem captação de poupanças. Os eletrodomésticos venderam-se até para aldeias e lugares que não possuíam eletricidade! Os meses de Agosto e Dezembro trazem de novo a esta terra os melgacenses da “diáspora”; mas, isto somente quanto à primeira geração de emigrantes. Os seus filhos, nascidos sobretudo na década de setenta, vieram enquanto crianças; depois, adolescentes, negaram-se a visitar a terra dos pais – não a sua! A língua portuguesa, praticamente não a falam; quando muito compreendem-na. Estudam em França, Alemanha, Bélgica, etc., adquirem a nacionalidade desses países, assimilam a sua cultura e a ideologia das democracias europeias. Renegam por vezes a pátria dos pais, devido em parte à diferença abismal entre Portugal (agrícola) e esses países avançados cultural e tecnologicamente, altamente industrializados. Portugal era uma província atrasada à beira dos outros países da Europa – eles descobriram isso. Não passaram as dificuldades dos seus progenitores, insurgem-se contra eles algumas vezes por continuarem a amar uma terra que lhes foi madrasta. Provoca-se assim um verdadeiro choque de gerações. Aderem, quando já ganham algum dinheiro, a um tipo de vida mais fácil e despreocupado, abandonam a política de poupança a todo o preço, que seus pais obrigatoriamente e por mentalidade tiveram de adotar. Os emigrantes dos anos sessenta são neste momento avós. Os seus netos, ainda crianças, ouvem histórias rocambolescas e acham que isso aconteceu noutro século, noutra era. A passagem a pé dos Pirineus, a fome, o frio, a incerteza, tudo isso fez parte do “salto” que foi preciso imprimir a fim de fugir à pobreza secular. E tudo se passou há relativamente pouco tempo, trinta anos, mais ou menos. É bom lembrar que emigração sempre houve: para o Brasil, para Angola, para Moçambique, para os Estados Unidos da América, etc., mas não tão significativamente como esta última.
     Depois destas considerações preliminares será bom falar um pouco daquilo que melhorou em Melgaço nos vários domínios. Por exemplo, na área do ensino: a partir de 1986, salvo erro, entrou em funcionamento a escola preparatória e a escola secundária, depois de se cobrir todo o concelho com escolas primárias. Lembremos que o ensino primário não abrangia todo o concelho por falta de professores habilitados e por falta também de instalações condignas. Existiam professores, designados regentes, apenas com a quarta classe que – apesar da boa vontade com que exerciam o seu magistério – não podiam, por limitações óbvias, desempenhar esse lugar com a eficácia exigida. De qualquer modo, merecem o nosso respeito. Nos outros países da Europa os professores deste grau de ensino têm habilitações a nível superior! É certo que na década de sessenta abriu perto da sede do concelho um Colégio Particular, que habilitava os seus alunos com o antigo quinto ano do liceu, atual nono ano; era, no entanto, insuficiente, pois os jovens tinham que transitar para o vizinho concelho de Monção a fim de prosseguirem os seus estudos. Despesa dobrada e incómodo diário davam as mãos. Hoje, só saem de Melgaço para frequentarem o ensino superior. Espero que todos os melgacenses se dêem conta do passo gigantesco que isso representou para o concelho. Nós, os da geração impedida de continuar os estudos, e que só mais tarde, graças a um esforço muito grande, conseguimos realizar o sonho acalentado durante anos, damos uma importância enorme a esse facto. Ainda é cedo para deitar foguetes, mas acredito sinceramente que através do ensino irão aparecer valores individuais que levarão a nossa terra a enveredar naturalmente pela alameda do bem-estar, progresso e felicidade.
     O dinheiro dos emigrantes serviu sobretudo para construir habitação: as vivendas. Este tipo de habitação - espalhada um pouco por todo o concelho -, reflete gostos, bons e menos bons, e necessidades; reflete igualmente o êxito do emigrante em terras estrangeiras. Porém, essa fase já passou; agora o emigrante investe. Compra apartamentos em Braga, em Vila Praia de Âncora, em Moledo, Viana do Castelo, e mesmo no Porto e noutras cidades. O emigrante tímido e humilde desapareceu.
     Devido à emigração a mão-de-obra escasseou; por esta razão, os salários aumentaram em flecha. Em 1960 pagava-se a um trabalhador dez ou quinze escudos por oito horas, ou mais, de trabalho! Hoje, quem quiser um operário, tem que lhe pagar alguns contos de réis por dia! Há dinheiro, consome-se mais. Os estabelecimentos vendem. As necessidades primárias foram satisfeitas. Então, poder-se-á privilegiar outras, também elas importantes, mas inacessíveis até agora.
     A população de Melgaço decresceu mas, graças por um lado à mudança de regime político e por outro lado ao dinheiro dos emigrantes, o nível de vida de toda a população melhorou consideravelmente. É possível e desejável que melhore ainda mais. Melgaço insere-se numa zona turística de enorme prestígio: está situado junto a um dos maiores rios da península ibérica; tem gente laboriosa e inteligente. Que lhe falta para ser grande? Faltam hotéis, as pensões, infraestruturas turísticas, os roteiros pormenorizados do concelho, ou seja, a elaboração de um itinerário de toda a região melgacense. Falta a formação profissional dos jovens, falta a avenida junto ao rio para passeios a pé ou de carruagem, como se faz em Sintra, na qual se criariam lugares apropriados para a pesca desportiva. Falta a praia fluvial.
     O itinerário turístico acima referido indicaria as paragens programadas para o almoço e merenda, constando da ementa pratos regionais do Alto Minho: vinhos verdes, sobretudo de Melgaço, e presunto de Fiães e de Castro Laboreiro. Utopia? Talvez. Porém, Melgaço – se quiser sair do marasmo em que se encontra – terá de encontrar soluções adequadas. Os turistas só irão a Melgaço se aí encontrarem comodidade e razões fortes para voltarem, porque turismo existe um pouco por toda a parte… e bom! Contudo, Melgaço, com as suas paisagens admiráveis e únicas, alternando o vale com a montanha, com o seu colorido natural, com a sua história milenária, com o parque nacional Peneda-Gerês ali à mão, poderá – assim os atuais e futuros gestores o queiram – tirar partido desse dom com que foi brindado pela Natureza.
     A Câmara Municipal de Melgaço poderá solicitar, se ainda não o fez, o apoio do Instituto de Emprego e Formação Profissional na área da formação (lembro que Valença já possui um Centro) e de outros organismos estatais para as outras áreas. Já é tempo de Melgaço deixar de ser um concelho rural de terceira ordem!
     Debruçar-me-ei, oportunamente, sobre os efeitos da emigração no diz respeito à língua portuguesa. 


Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 931, de 1 e 15/1/1991.

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