quarta-feira, 3 de junho de 2015

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha



MELGAÇO E A EMIGRAÇÃO
(1.ª parte)

      Segundo a Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Melgaço tinha em 1970 cerca de dezasseis mil habitantes. Em 1988, considerando correta a informação contida no verso de calendário publicitário encomendado pela Caixa Geral de Depósitos, Melgaço já contava, nessa altura, apenas treze mil habitantes! Qualquer coisa como cinquenta e seis habitantes por quilómetro quadrado, visto a área do concelho ser de duzentos e trinta quilómetros quadrados. Comparando com Monção – duzentos e seis quilómetros quadrados de área e vinte e quatro mil habitantes (cento e dezasseis habitantes por quilómetro quadrado) – no mesmo ano de 1988, verifica-se que os melgacenses têm espaço mais do que suficiente para não se atropelarem uns aos outros, como acontece em Lisboa e Porto. De todo o Alto Minho (não levando em conta algumas cidades desenvolvidas) só os Arcos de Valdevez, com quatrocentos e quarenta e cinco quilómetros quadrados, Ponte de Lima, com trezentos e vinte um quilómetros quadrados, Viana do Castelo, com trezentos e cinco quilómetros quadrados, têm maior área do que Melgaço. Porquê, perguntar-se-á, a sua reduzida população? Quanto a mim há dois fatores, ou razões, importantes que explicam este fenómeno.

1.º - Instabilidade no diz respeito ao bem-estar. Maus anos agrícolas, uma má distribuição das terras de cultivo, a exploração dos donos das terras a quem a trabalhava, isto é, aos seus caseiros (não esquecer que os proprietários de quintas ficavam, salvo raras exceções, com dois terços de tudo aquilo que se produzisse), obrigava os camponeses pobres, que era a maioria, a buscar noutras profissões, nas cidades ou na emigração, meios de subsistência. Por outro lado, a má gestão da terra arável, a sua fragmentação crónica, não possibilitava colheitas abundantes e diversificadas. É certo que o clima e inclinação dos solos não é muito favorável a uma agricultura de latifúndio, ou mesmo de médio latifúndio, contudo noutras condições poder-se-ia produzir mais e melhor, isto é, com tecnologias apropriadas e uma gestão moderna (empresas agrárias ou cooperativas agrícolas) a agricultura torna possível viver-se exclusivamente dela, faculta esse bem-estar mínimo a que todos aspiramos. Exemplos temo-los às dezenas: na França, em Israel, nos Estados Unidos da América, etc.

2.º - A guerra nas ex-colónias. Como é geralmente aceite, os portugueses são por natureza pacíficos, não gostam da guerra, e só a fazem quando a sua terra mãe, o torrão aonde nasceram e vivem, está ameaçada – disso já deram sobejas provas. Mas África, tão longe! Tão afastada fisicamente e com culturas tão diferentes… Que motivação tinha o melgacense para participar contra movimentos nacionalistas africanos que reivindicavam para si o mesmo que os portugueses já tinham reivindicado aquando da sua dependência em relação a Castela? Melgaço, como se sabe, nunca beneficiou dos dinheiros de Lisboa, o seu atraso era óbvia realidade. Num discurso do presidente do conselho, Professor Dr. Marcelo Caetano, está escrito: «… de Valença a Timor…», ou seja – Melgaço não existia para essa gente! Os portugueses são, de uma maneira geral, corajosos. Nem castelhanos, nem franceses, nem quaisquer outros povos conseguirão domar o leão que existe em todos nós. Mas… África! A longínqua África! Não foi certamente por acaso que todos os países europeus, com territórios nesse continente, a deixaram. Bélgica, França, etc., deram a independência às suas colónias. Eu estive nessa guerra. Pude comprovar, porque convivi com portugueses de todos os distritos, que apenas havia um fervor patriótico moderado. Contudo, até esses a certa altura se insurgiram e duvidaram de uma solução militar para o conflito. Estou a referir-me aos então generais Spínola e Costa Gomes. Os alferes, tenentes e capitães cumpriram briosamente o seu dever de soldados. Tendo em conta até que a guerra com aquelas caraterísticas não dignificava o nosso exército. Tratava-se, como toda a gente se lembra, de uma guerra de guerrilha, isto é, uma guerra de ataque e fuga, com emboscadas e ataques surpresa a quartéis. O número, neste tipo de guerra, não conta. O campo de batalha não é aberto, como nas guerras clássicas, mas sim a selva, a floresta densa e cheia de perigos ocultos – trata-se de uma guerra psicológica, uma guerra de nervos. Os melgacenses, excetuando uns quantos, não fizeram essa guerra. Emigraram em massa. Durante anos não puderam, por esse motivo, visitar a sua terra natal – e se o faziam era clandestinamente. Com essa sangria na população do concelho os que ficaram viram-se, sobretudo na década de sessenta, numa situação deveras caricata: os comerciantes não tinham a quem vender; as terras tornaram-se estéreis por não as trabalharem; os empregos, quer na agricultura e afins, quer no comércio, reduziram-se drasticamente. Como resultado disto tudo, os jovens que não emigraram vão para o Porto e Lisboa, as esposas dos emigrantes vão ter com eles a França, à Alemanha, à Bélgica, à Suíça, ao Luxemburgo, a todo o lado onde os seus se encontravam a trabalhar. Melgaço despovoou-se! // (continua)...


Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 930, de 15/12/1990

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