sábado, 27 de novembro de 2021

OS NOVOS LUSÍADAS 


Continuação de 29/08/2021.



23

 

No tempo do rei Dom João terceiro,

Os lusos foram à Nova Guiné,

Queriam conhecer o mundo inteiro,

Imbuídos de garra e louca fé…

Buscavam a fama, algum dinheiro,

Pimenta, canela, o bom café.

Na mão transportavam a dura cruz

Os arautos do sonhador Jesus.


24

 

Atingiram as costas do Japão,

Conquistaram as ilhas Molucas…

Celebes, Sonda, são de Dom João,

As ondas do mar tornam-se eunucas.

Misturam realidade e ficção,

Como o evangelho de São Lucas.

Ai quem nos dera a nós lá estar

Para ver na praia o barco zarpar.

 

25

 

Cada viagem é uma aventura,

Cada naufrágio uma desgraça;

Navegam entre coragem… loucura,

Entre o grave-sério e a chalaça. 

Morrem de fome, sede, de secura,

Na conquista de Quíloa e Mombaça.

E para prolongar a imensa dor

Combatem por Cochim e Cananor. 

 

26

 

Escorbuto, malária, mil doenças,

Atingem nossos nautas ferozmente…

Rezam-se missas, reforçam-se crenças,

Mas cada dia falece mais gente...

Os que restam já sonham gordas tenças.

O rei, no seu trono, está contente... 

E antes que a parca a todos mate

Tocam os grandes sinos a rebate.


27

 

Perderam-se cem naus, muitas caravelas,

Os marinheiros que as pilotavam;

Por sua alma queimam-se tantas velas!

Choram-se as pessoas que se amavam...

Crentes oram nas igrejas… capelas,

Viúvas de dor e raiva gritavam.

O astro-luz do ar desaparece…

O povo lança-se ao chão numa prece.

 

28

 

E assim o bei ganhou eterna fama

À custa dessas vidas por cumprir;

Morreram no alto mar, longe da cama,

Em sofrimento atroz… a bramir.

E quantos tombaram na suja lama,

Para o anjo da morte bem nutrir.

Os deuses assistiram à matança,

Mas ficaram em paz, em segurança.

 

29

 

Gaspar Real topou a Terra Nova,

 João da Nova, Ascensão e Helena.

Aqui e ali levavam dura sova,

A tripulação ficava mais pequena.

O mar profundo era a sua cova,

Todos choram aquela triste cena.

Só resta àquela gente a ilusão,

Forte ânimo, o braço do capitão.


30

 

Pra provar a redondeza da Terra

Magalhães fez uma longa viagem.

Não quis saber de lutas ou de guerra,

Ocupou-se mais do tempo, da aragem.

Mas destino, que tudo em si encerra,

Despojou-lhe a vida, pô-lo à margem!

Pereceu cangado pelo sucesso,

Não permitindo assim o seu regresso.

 

31

 

Ficou vaidoso, o rei espanhol,

Apesar de voltar só uma nau.

Julgou-se um deus, o próprio sol...

Os mortos nem valiam a cruz tau.

Untou-se com óleo de girassol,

Deixou crescer a barba, o bisnau;

E para esconjurar todo o mal

Fez erguer uma bela catedral.

 

32

 

Santo, herói, Sebastião d’Elcano,

Por completar vivo a volta ao mundo;

Recebe propriedades, o magano, 

Títulos, uma arca de ouro, sem fundo; 

Tornou-se déspota, senhor tirano,

Espírito altivo, corpo rotundo…

E pra que fosse eterna sua fama

Dizia-se igual ao nosso Gama!


33

 

Francisco de Almeida fez História…

Da “Índia” foi primeiro vice-rei;

Encheu os pulmões de fama e glória,

Orgulho de Portugal, sua grei…

Não passava contudo de vanglória,

Esquecendo moral, a própria lei.

Cochim, Angediva, e Cananor,

São sinónimo de morte e de dor.

 

 34

 

No reinado de Dom João terceiro

Nasce a malquista Santa Inquisição.

O pobre herege era o primeiro

A cair na teia da organização.

E no chamado dia derradeiro

Ia à fogueira o judeu e o cristão!

Em nome da douta igreja católica

Derribava-se a bruxa melancólica.

 

35

 

Albuquerque, o guerreiro temível,

Segundo vice-rei, conquistador,

Qual Alexandre, forte, terrível,

Torna-se da guerra o grão senhor,

O soldado perfeito, invencível,

Dando ao rei título de imperador.

E para que o mundo não o esqueça

Ergueram-lhe estátua por promessa.


36

 

Malaca, Ormuz, a formosa Goa,

Passam a ser do reino português.

Foram orgulho da real coroa,

Mais importantes do que Ceuta e Fez.

          Estas praças, tão longe de Lisboa,

Tornam-se lusas como o rio Vez.

E para que haja absoluta certeza

Semeiam lá a língua portuguesa.

 

37

 

O Lopo Soares de Albergaria,

Homem de armas, terceiro vice-rei,

Devoto da mãe de Jesus, Maria,

Em Ceilão impõe a força, sua lei,

Feita de espada, de vil tirania;

E mais o que ele fez, nem eu sei.

Que interessa Colombo conquistar

Se logo depois a vai entregar?

 

38

 

Tomam a fortaleza de Safim,

À cabeça Diogo de Azambuja…

Mas que malta tão afoita e ruim,

Que faz que aquela boa gente fuja. 

Roubaram pimenta, ouro, marfim…

Eis a bestial festa da maruja!

E para que mais nada reste

Deixaram lá escorbuto e peste.

 

39

 

E diziam-se eles homens cristãos,

Aquelas verdadeiras feras à solta;

Os olhos vítreos, sujas as mãos,

Sempre em pé de guerra, em revolta.

Matavam por prazer, os cidadãos

Daquelas pobres terras ali à volta.

Não tinham pena, dó, nem consciência,

Cultivavam no lazer a violência. 


// continua...


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