segunda-feira, 22 de novembro de 2021

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha

Rua do Carvalho

*

RUAS DA VILA

 

  «Quem sentir palpitar, ainda que tenuemente, no seu coração os sentimentos mais vivos, mais acendrados, de um bairrismo desinteressado, sem mácula, revolta-se contra esse hibridismo estúpido e criminoso que escandalosamente, cinicamente, campeia infrene na nomenclatura específica das ruas de Melgaço. É simplesmente vergonhoso, soez, caricato, nojento e asqueroso. As ruas de Melgaço, nominalmente, nada têm de melgacense; os nomes de algumas são, sem exageros exaltados, omnimodamente (*) desprovidas de qualquer sentido próprio, provocando o riso escarninho, a chufa mordaz, a censura escalpelante para com os seus autores que, de forma daltónica, se aventuraram a um “batismo” tão anacrónico e supremamente ridículo. Hajam em vista as chamadas Rua da Calçada, Rua do Rio do Porto, Rua Velha, etc. Quem foi esse super-homem, esse personagem lendário, de influência inigualável em prol de Melgaço que conseguiu imortalizar o seu nome por uma rua da sua terra natal, como prémio e gratidão dos seus benefícios, do seu trabalho incansável em seu favor, das suas virtudes cívicas, do seu bairrismo beneficiando ou enaltecendo o torrão que o viu nascer? Folheio a História, consulto a tradição oral conservando-se no entanto esse cavalheiro “Calçada” (**) envolto no mais inextrincável mistério. Provém esse nome do empedramento assaz perfeito que a torna acessível a qualquer veículo? Poderá ser; mas ela esteve tantos anos intransitável que se tornou indispensável a ação redentora do 28 de Maio (***), acusador de tanto desleixo, tanta indolência, do mais criminoso vampirismo! Isto quanto à rua da Calçada, que figura, garbosamente, no cabeçalho do Notícias. Nomes exóticos, absolutamente impróprios, que provocam o riso, o escárnio, são o apanágio de outras muitas ruas, nominando-se, por exemplo, Rua do Rio do Porto, aquilo que é intrínseca, integral, inviolável e eternamente melgacense (****). É ridículo, desprezível e censurável! E a Rua Velha? O famigerado progresso com outras palavras tão lamurientas e especiosas como esta, tão proclamado em Melgaço mesmo antes da derrocada trágica (?) de 1910, sinfonia presciente ensaiada por alguns cabeções, balanças comerciais e canetas de escrivães, ainda todos vivos e “gloriosamente reinantes” não conseguiu, talvez por chegar excessivamente exausto cá ao norte, que essoutra Rua Velha, merecidamente se chamasse, ao menos, Rua Nova (*****), sendo as premissas gloriosas ao trabalho insano desse tal Progresso que, os enlameados de sangue, subiu ao trono no alvorecer de 5 de Outubro, como “eles” têm a desfaçatez de afirmar, propalando frases congéneres nos seus pasquins indecentes, nojentos, repugnantes! O passado foi um triste desengano, desilusão (…) ainda sangrante, para carateres sem mácula e probos que, presentemente, enveredam pelo verdadeiro caminho nacional e patriótico, o único progresso. Seja o presente, com a lição do passado negro e tenebroso, luz para muitos ainda cegos e desorientados, e bálsamo para as chagas abertas, desde há 20 anos. Felizmente, o passado morreu e o futuro não será copiado por ele. Há uma rua cujo nome apenas faz antever o espírito cínico, sectário, ensombrado pelos nevoeiros pestíferos do partidarismo, traidor à sua terra, irracional, incompatível, dos seus pérfidos autores. É a rua Dr. Afonso Costa que há tempos figurava neste semanário…» // Março, 1930. – C. A. Fernandes M. // (Em Alvaredo, Melgaço, nasceu em 1902 Carlos Fernandes Marques. Será este cavalheiro?) 

/// (*) De todos os modos possíveis

/// (**) Existiu em Melgaço uma família de apelido Esteves, cujos membros (não todos) assinavam Esteves Calçada. Será que alguma dessa gente residiu outrora no lugar, ou bairro, da Calçada, e daí o “batismo”? A toponímia por vezes pouco nos ajuda, devido sobretudo à antiguidade dessas designações. Quanto a mim esse topónimo devia ser substituído. 

/// (***) Que eu saiba, o regime saído do 28/5/1926 não veio melhorar o concelho de Melgaço; até pelo contrário, em alguns casos piorou. As autênticas melhorias surgiram depois do 25/4/1974. 

/// (****) O autor do artigo confundiu Porto (cidade) com Porto (de portagem; quem entrava na vila para vender os seus artigos teria de pagar uma taxa, daí a designação de Rio do Porto; esse rio, ou regato, mais para a sua nascente tem o nome de Mijanços. No entanto, concordo com o articulista – esse nome atualmente não faz nenhum sentido. 

/// (*****) Na vila de Melgaço já existiu uma rua chamada Rua Nova de Melo; devido ao desconhecimento, à letal ignorância, à falta de interesse pela história local, substituíram o seu nome por Rua da Calçada (confirmar).          

==========================

AS RUAS E OS NOMES

      Na minha última visita a Melgaço, ou seja, no natal de 1992, andei pelas ruas da vila e verifiquei que estas já têm placas com o nome. Tudo bem, se não fossem os erros cometidos por quem as mandou colocar. Em primeiro lugar falemos do Largo «Policano». Não encontrei, por mais que procurasse, nenhum bicho com esse nome! Conheço, isso sim, o pelicano, ave ciconiiforme, que aparecia nos bilhetes do Cine-Pelicano. Não sei a razão da escolha, mas esse era o emblema utilizado pelos proprietários dessa Empresa, Sr. Hilário e filho, João Hilário. O edifício, bastante danificado, ainda lá existe. A Câmara Municipal podia comprá-lo e abatê-lo; no seu lugar poderia ser erguida uma estátua a D. João I, ou mesmo ao fundador da nacionalidade, D. Afonso Henriques, visto que esse prédio nada tem a ver com a traça das casas vizinhas que o circundam, pode mesmo considerar-se um intruso. Como a Câmara Municipal de Melgaço está tão interessada em preservar o património legado pelos nossos avós, aproveitava esta ocasião, que poderá ser única. Não quero com isto dizer que o cinema não seja necessário, bem precisava o concelho de uma verdadeira Casa de Espetáculos, no entanto, isso é assunto para outro artigo.

     Dizia eu que o Largo não é «Policano». Também não deverá ser Pelicano, mas sim Largo do Cine-Pelicano: o seu a seu dono.

     Rua Fonte da Vila. Penso que Rua da Fonte da Vila estaria melhor (…) Aproveito para lembrar aos senhores da Câmara Municipal que a referida fonte está tão escondida e tão pouco cuidada que até mete dó. No tempo das invasões francesas a pedra de armas foi coberta de argamassa; agora, está coberta de desprezo! Não basta colocá-la na capa de livro; é necessário dar-lhe um lugar de destaque no dia-a-dia da comunidade.

     Viela D. Pedro Pires. Assim se chamava o prior do convento, ou mosteiro, de Longos vales, o qual financiou, ou ajudou a financiar, no tempo do nosso primeiro rei, a construção do castelo, ou muralhas, de Melgaço. Nesse tempo não existiam os bancos, e os Rothchilds só apareceriam no século XVIII, por isso os reis recorriam aos mosteiros ricos e poderosos (Fiães, Longos Vales, Alcobaça, etc.), dando como contrapartida territórios que os mesmos reis iam conquistando aos inimigos (mouros e outros). Embora monumento nacional, o referido mosteiro encontra-se em estado deplorável.

Rua Direita

     A Rua «Direita», por sinal bastante torta, é a rua principal da vila antiga; julgo que não é só por isso que ela tem esse nome, mas sim por ser nessa rua que se situavam os antigos Paços do Concelho, Tribunal e Cadeia. Direita, neste caso, significaria justiça; por conseguinte, a rua onde se exercia a justiça (direitos dos cidadãos). Tudo isto carece de mais investigação, mas o pouco tempo, e por vezes a dificuldade de acesso aos arquivos, torna essa mesma investigação quase impossível.

     Alameda Inês Negra. No meu tempo de rapaz tinha dois nomes: Avenida Salazar ou Avenida das Tílias, e já fora da Circunvalação (ou Circunvolução). O atual presidente da Câmara quis homenagear a lendária “heroína” de Melgaço, e assim deu à avenida o seu "pseudo", ou falso nome. Apesar de não ser uma figura histórica, Fernão Lopes insere-a na sua «Crónica de D. João I», embora de uma forma assaz ambígua. Escreveu ele: «E em esse dia escaramuçaram duas mulheres bravas, uma da vila e outra do arraial, e andaram ambas aos cabelos, e venceu a do arraial», sem sequer lhe mencionar o nome. Duarte Nunes de Leão, na sua «Crónica de D. João I», 3.ª parte, também não cita o nome das duas mulheres. Foi somente o Conde de Sabugosa, muitos séculos depois, inícios do século XX, que batizou a do arraial com o nome de Inês. Ela simboliza a bravura, o patriotismo, a fé na vitória. Por isso, e só por isso, merece essa honra.

Rua de Baixo

     Rua do Carvalho. Provavelmente existiu aí, outrora, um carvalho de garboso porte e deram ao lugar esse nome. Não sei se se justifica a sua perenidade.

     Não vi, por mais que procurasse, uma rua com o nome do grande historiador melgacense Dr. Augusto César Esteves (1889-1964). Presumo que o vereador que detém o pelouro da cultura se esqueceu, ou houve de facto uma omissão voluntária. Seria muito, muito grave, se por uma razão ou por outra se ostracizassem todos aqueles que tornaram Melgaço mais conhecido (e estão a tornar, como é o caso do Cónego Professor Doutor José Marques, entre outros), dedicando uma vida inteira à investigação, em arquivos desorganizados e poeirentos. É certo que esse erro pode ser corrigido, mas por favor: aprendam a distinguir o trigo do joio! Não sugiro que se dê a uma rua de Melgaço o nome do Tomás das Quingostas, ou quejandos; isso poderia querer dizer que se perdoavam os antigos crimes, que se fazia a apologia do banditismo, isso não! Mas, por favor, não se esqueçam dos emigrantes, dos escritores (Miguel Ângelo Barros Ferreira, etc.), dos poetas populares (Francisco Augusto Igrejas, José Serrano, e outros); dos artistas (Acácio Dias, Manuel Igrejas, Óscar Marinho, etc.); de Vasco de Almeida, que dinamizou o teatro na nossa terra. Outro nome a lembrar é o de Martinho de Melo e Castro (1716-1795), da «nobre família dos Castros de Melgaço», que foi ministro da marinha e teve um papel importante na diplomacia portuguesa do século XVIII. Enfim, que as ruas apareçam com nomes de figuras conhecidas e merecedoras de tal distinção. Era aconselhável que, após o nome, se indicasse a data de nascimento e morte (no caso de já ter falecido), e outros elementos de identificação: político, escritor, artista, etc.

        Joaquim A. Rocha. Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 983, de 15/4/1993.

Sem comentários:

Enviar um comentário