sábado, 16 de fevereiro de 2019

MELGAÇO: Padres, Monges e Frades
 
Por Joaquim A. Rocha




     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 859, de 30/5/1948, página 2, escrito por A. Freixinho: «Os Beneditinos no Alto Minho. Vinte e um anos antes do concílio de Lugo, 569, havia nascido em Núrsia, ducado de Espoleto, Itália, um homem digno da gratidão dos séculos… homem que salvou os monumentos do génio e conservou perfeito o precioso clarão da ciência antiga. A Europa, já material, já intelectualmente falando, pode dizer-se filha dos beneditinos. A Inglaterra, a Frísia, e a própria Alemanha, devem a luz da sua fé à Ordem Beneditina. À Península Hispânica aportou uma caravana destes obreiros da vinha do Senhor, procurando o ermo solitário; e - depois de percorrerem várias terras pela Galiza -, chegaram a uma planície na encosta da serra de Pernidelo na antiga Melgaçus dos romanos. O próprio cronista da Ordem Beneditina não se atreve, apesar de todas as suas curiosas investigações, a dizer-nos o ano em que o monge beneditino sulcou a terra inculta da serra de Fiães pela primeira vez.

     Estes anacoretas do deserto traziam como vestuário um hábito branco de lã com um escapulário preto. A sua mobília consistia, além do hábito, em um lenço, uma agulha, uma faca, e um ponteiro com uma tábua para escrever. A sua cama constava de um enxergão com um lençol de lã, uma manta, e uma travesseira, onde dormiam vestidos para estarem mais lestos para o ofício. Levantavam-se às duas horas da manhã para o ofício, empregando o tempo de matinas e meditação, para trabalharem seguidamente das seis até às dez horas do dia. Enquanto trabalhavam, vestiam o escapulário por cima da túnica; acabado o trabalho, despiam o escapulário e vestiam o cucolo, ou capuz, com que cobriam a cabeça.

     Estes agricultores, uma vez chegados ao deserto de Fiães, coberto de espesso mato, e arvoredo silvestre, qual outro Monte Cassino, tomaram, juntamente com a prece e a cruz, o machado, a picareta, a pá e o camartelo; arroteando a terra virgem, onde edificavam a sua primeira capela, da invocação de São Cristóvão, conseguindo adorar pela primeira vez a Jesus-Hóstia no centro daquela selva, onde outrora os povos pré-históricos haviam sacrificado as suas vítimas a Endovélico, sua divindade predileta. O beneditino, agricultor e colonizador, transformou esta vasta selva em um verdadeiro Monte Cassino, onde o aroma fétido da giesta foi substituído pelo perfume do incenso, e aos pios sinistros das aves agoureiras, sucederam o som plangente do órgão e o canto melodioso do ofício de matinas, tornando este recanto solitário em refúgio predileto daqueles que no mundo sofriam atribulações. Ali iam (atraídos pela fama das virtudes destes seres que aspiravam à perfeição; se a tradição nos não engana os primeiros cristãos destas terras com muitas léguas de distância) assistir aos actos de culto católico, exercícios de piedade e instrução religiosa. É a eles que se deve a colonização de algumas freguesias que compunham o antigo concelho de Melgaço (*). Pode dizer-se que é ao monge beneditino que o nosso Alto Minho deve a luz da sua fé.

     O mar da vida nem sempre foi bonançoso e sorridente para este mosteiro. Sofreu as invasões dos povos bárbaros vindos lá do centro da Europa, da Escandinávia e da Germânia; sofreu as invasões dos sectários do Alcorão, comandados pelo califa de Córdova, que no ano 815 o arrasaram completamente; sofreu ainda a devastação de incêndio, onde os arquivos e documentos de tantos séculos se extinguiram na ação devastadora das cinzas. E, por último, veio o século XIX com as suas luzes de petróleo descarregar o último golpe sobre o vetusto mosteiro, levado a efeito pelos enciclopedistas liberais, que o puseram em hasta pública. Foi então que o mosteiro de Fiães, depois de ter resistido à ação corrosiva do tempo, ao inimigo estrangeiro sanguinário e implacável, sucumbiu placidamente aos golpes do indiferentismo e da descrença liberal, que o reduziram a uma simples matriz de freguesia, terminando assim este farol de luz, que durante tantos séculos havia iluminado os povos destas terras e saciado a fome a tantos famintos que de todas as partes afluíam a este mosteiro                

 

 
      /// (*) Acerca do antigo concelho de Melgaço, é necessário esclarecer o seguinte: quando o primeiro rei de Portugal, Afonso Henriques, deu foral a esta terra, em 1183, ou logo depois, o termo era apenas composto por oito freguesias: Chaviães, Cristóval, Paços, Prado, Remoães, Rouças, São Paio e Vila (SMP). // Fiães e Paderne eram coutos e pertenciam ao concelho de Valadares; Castro Laboreiro era concelho… Somente no século XIX, com os liberais no poder, é que - através de uma reforma administrativa profunda - o termo, ou concelho, de Melgaço, passou a ter mais dez freguesias: Alvaredo, Castro Laboreiro, Cousso, Cubalhão, Fiães, Gave, Lamas de Mouro, Paderne, Parada do Monte, e Penso.   
     Por vezes, os colaboradores dos jornais da terra esqueciam-se deste importante pormenor, escrevendo coisas horríveis. Ainda em nossos dias, alguns castrejos não aceitam a despromoção de Castro Laboreiro e a sua integração no concelho de Melgaço. Um deles disse: «nós não somos melgacenses, somos castrejos, embora Castro Laboreiro pertença desde há mais de cem anos ao concelho de Melgaço.»       
 

    
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