domingo, 15 de maio de 2016

MELGAÇO E AS INVASÕES FRANCESAS
Por Augusto César Esteves


continuação - ver em 12/4/2016...

         Era respeitado, mas nunca foi rico Belchior Rodrigues Torres. E as suas terrinhas, no último decénio da vida, eram tão poucas que não chegavam para pagar o capital e juros devidos à Misericórdia, uns parcos 405$000 réis, ao todo, falidos como estavam seus fiadores. Mas se algum dia lhe entrou a fome no lar, dele não fugiu a virtude e precisamente por isso e por ter sob o pátrio poder quatro filhas, todas donzelas e virtuosas, Lina, Josefa, Vitória e Maria Joaquina, a Mesa da Santa Casa, espontaneamente, perdoou-lhe cem mil réis, exigindo embora daqueles e de seus irmãos a segurança do resto da dívida com dinheiro e dentro de dois meses, como o fez consignar na acta de 20/3/1795. Desta crise safou-se; contudo, antes de morrer…, e as situações (sic), económica e financeira do filho António Xavier, foram já muito outras. À sua morte partilharam-se bens nas Carvalhiças e em São Paio, afora as casas da vila, uma delas na rua da Lágea.
       Era tal a situação económica e o seu aprumo na sociedade, que ambos lhe permitiram colocar bem os filhos. Um, José Joaquim, foi presbítero secular e outro, João Manuel, um dos boticários da terra e seu sucessor na escrivania dos órfãos, para cujo exercício o afiançou seu irmão doutor em 30/10/1833. // A filha, D. Joaquina, casou-a com o fidalgo da Quinta da Moreira, D. Pedro Vasques de Puga, Cavaleiro Mor da Real Mestrança e o mais velho, o Dr. Miguel Caetano, como advogado distinto, estava a criar a sua nobreza por via das letras. Mas se pelo lado paterno a nobreza era forjada diariamente pelo advogado, por sua mãe D. Gaspara Joaquina Podré, o Dr. Miguel Caetano estava aparentado com várias casas fidalgas da terra e podia gloriar-se de sentir girar nas veias dos pulsos o sangue herdado de bons servidores da pátria e de outras grandes figuras deste cantinho minhoto.
       O autor destas linhas, melgacense como ele e, como ele, bacharel formado em direito pela Universidade de Coimbra, no mesmo tribunal grilheta do cargo exercido pelo pai e pelo avô, presta agora sentido preito de homenagem às suas nobres virtudes de bondade e de patriotismo, relatando aqui, singelamente, feitos de seus antepassados maternos.
       O Padre Lorenzo Pereira de Araújo – no tempo dos Filipes muitos padres portugueses pastorearam ovelhas galegas e este foi um deles – abade de Santa Maria de Leirado, na Galiza, instituiu em 9/10/1641 em São Pedro da Torre, junto de Valença, uma capela a Nossa Senhora do Rosário e às Almas do Purgatório, com os bens que ali possuía. Duas missas em cada semana, uma às segundas-feiras pelas almas e a outra aos sábados a Nossa Senhora, Virgem Santíssima.
        O padre Lorenzo tinha uma irmã, D. Constança Rodrigues Pereira de Araújo, já casada com João Lopes Ribas. Um seu filho, João Lopes Ribas de Araújo casou com Sabina da Ribeira por volta de 1640 e uma sua neta, Isabel de nome, consorciou-se com Domingos Rodrigues de Araújo, escrivão dos armazéns e mantimentos da praça de Melgaço durante trinta anos, seis meses e um dia, contados desde 1/1/1665 até 1/7/1705, isto é, desde o princípio do ano da batalha de Montes Claros, na guerra da Restauração, no reinado de D. Afonso VI até quase ao final do reinado de D. Pedro II, em plena guerra da sucessão ao trono de Espanha. / No ciclo de ambas estas guerras, no termo de Melgaço aquartelaram-se, por vezes, muitas tropas. Nas épocas mais acesas das lutas houve trincheiras abertas e guarnecidas de soldados nos Montes de Prado e Remoães, desde Cevide, junto a São Gregório, até ao Porto dos Asnos ou dos Cavaleiros, lá para as terras de Lamas de Mouro. Mais a bem que a mal os lavradores do termo e dos vizinhos, e sobretudo de Paredes de Coura, forneciam aos serviços auxiliares da tropa a carne de porco e as galinhas vadias, criadas no decurso do ano, mais o trigo e o milho, o feijão e as couves, tudo quanto, afinal, arrancara do seio ubérrimo da terra minhota a família deixada livre dos lazeres da guerra pelos recrutamentos. Reuniam-se na vila todos estes abastecimentos e conforme as necessidades repartiam-se pelas tropas. // Numa destas épocas, dia a dia frei Domingos Gomes de Abreu apresentava ao Juiz de Fora, Licenciado Brás Rodrigues Pereira, as requisições de gentes para a condução dos mesmos ao Porto de Cavaleiros e a fazer os lançamentos nos livros mestres da escrita esteve sempre aquele Rodrigues de Araújo, mudasse muito embora o requisitante dos carregadores ou o juiz.
   Domingos era filho de João Rodrigues de Araújo e de sua mulher Isabel Gomes, moradores no Campo da Feira, que em 12/4/1615 compraram alguns bens sitos no Viso, freguesia de Chaviães, como o documentaram num livro de notas de Gonçalo Rodrigues de Araújo. Da sua numerosa prole, Mariana de Jesus casou com o capitão João de Araújo Azevedo, natural dos Bouços, de Prado, filho de Francisco Trancoso. Em 1703 viviam eles na quinta de Carvalho do Lobo, constituída por alguns campos de rega e lima e por montado.
   João de Araújo Azevedo desempenhou o cargo de capitão de Ordenanças desde os fins do reinado de D. Pedro II até 1/3/1715, já depois de ter findado a Guerra da Sucessão ao trono de Espanha. Era um bravo. Em 1706, logo no início da campanha, foi destacado para o Porto de Cavaleiros e aí, abertos troços de trincheiras sob a sua direcção e com o fim de impedir a invasão de Portugal pelos galegos, guarneceu o posto de Ramais, que deve ficar por ali. Numa madrugada, porém, o inimigo intentou assaltá-lo, empregando até peças de artilharia. Sob o seu comando, a custo embora, e com muito risco, foi o mesmo rechaçado, porque a sua companhia conseguiu ocupar debaixo de fogo o lugar de mor perigo, o posto mais vizinho da bateria atacante, mas nesta acção uma bala o feriu numa das pernas.
   Em mil setecentos e sete, comandando trezentos homens, acompanhou o próprio Comandante das Armas da Província, D. Sancho de Faro e Sousa que, com cavalaria e infantaria, invadiu a Galiza, saqueando alguns lugares. E como as forças inimigas se acolheram ao forte de Monte Redondo, o capitão as sitiou com uma força de cem homens da sua companhia e de forma tal se houve que os contrários logo se renderam. Na ânsia de os dominar fez-lhes uma investida e, levado pelo entusiasmo, foi o primeiro a saltar para dentro do reduto inimigo e embora a sua vida tivesse corrido sérios riscos, desta proeza trouxe ele consigo mais de cinquenta prisioneiros.

   Da acção, todavia, saiu com duas feridas na cabeça, mas coberto de glória e de tanto prestígio, que ao seu cuidado se confiou logo a guarnição de duas léguas da raia. Desinteressado como era, de qualquer destas campanhas a sua fazenda saiu sempre com grande detrimento. Foi do casamento de seu filho Francisco de Araújo Podré com D. Maria Rosa Puga Saavedra, da falada quinta da Moreira em Cecliños, que nasceu a mãe do Dr. Miguel Caetano. Por outro lado, no pequeno recanto da Barbosa, naquele ridente mirante sobranceiro à Calçada, vivia descuidada Paula de Abreu, moça solteira e galante. A lindar com o pequeno quintal de sua casa, para os lados do velho caminho da Vila, pela Orada, para Puente Barjas, frente a São Gregório, em declive e socalcada estendia-se a pequena Quinta de São Gião, já no tempo de D. Sancho II retiro forçado dos gafos do termo, como se induz deste documento extraído do Livro das Datas do Mosteiro de Fiães:   // continua...

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