terça-feira, 3 de maio de 2016

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha



Cartas de um castrejo 

16.ª - «Senhor Redactor: não me consta (…) que a digna paróquia desta freguesia haja tomado qualquer resolução acerca do problema educativo a resolver e de cuja solução temos necessidade urgente. E estou surpreendido porque, desde garotito – quando desempenhava o pesado encargo de pinche (*) por essas Espanhas, no lucrativo mister de canteiro, em miniatura, vendo as sumptuosidades dos alcáceres de Alhambra e Granada, passeando ante os magníficos palácios das “Puertas del Sol” e “Plaza Mayor”, em Madrid, percorrendo Valência e Burgos, fazendo paragem em Barcelona – cidade que alia, às mais apuradas indústrias, uma tenacidade de “hierro” para as justas reivindicações; transpondo a fronteira (sem passaporte), e já meio pedreiro, tendo afrontado as inclemências do clima da Beira Alta, onde o calor insuportável das trincheiras me produziu umas maleitas levadas de Satanaz, percorri o Douro, fazendo pequenos suportes, nos inúmeros valados das encostas dos seus abruptos montes e, como o judeu errante, havendo visto grandezas e misérias, e percorrido uma boa parte da península, saltei ao lar com pouco dinheiro (e creiam que não era pródigo), muita saúde e um pouco de prática do mundo, deste mundo que os meus sessenta bem puxados me dizem ser um misto de infortúnios e venturas, um pandemonium de vícios, perfeições e misérias – o enorme páleo em que os milhares de biliões de viventes representam o seu papel: - desde o micro orgânico ao elefante e à baleia, desde o musgo dos rochedos ao carvalho secular, e… à sensitiva. Pois nada nos surpreendeu (…) mais que o não termos notícia do menor movimento em benefício da cruzada que advogamos: - a da instrução do nosso povo. Não repetimos as considerações já feitas aqui, antes lhas gritaremos ao ouvido, em ocasião oportuna. Mas, para quê?! De entre os membros da paróquia, ou seus mentores, alguns nos foram companheiros durante a vida de peregrinos (não disse bem, de homens que buscam onde ganhar o pão condignamente) e, logo, devem raciocinar como nós, devem pensar como nós, devem comungar connosco o amor sacrossanto que todo o bom filho deve à terra mãe, que lhe serviu de berço. O assunto magno da nossa vida social é a educação (…); pugnemos pois por ela, com toda a energia, com toda a boa vontade. Preparem a representação, enviem-na ao seu destino e, para a frente, que o parar é morrer. E creiam todos que é alta a responsabilidade que lhes impende sobre as consciências, se não agirem com toda a perseverança e fé. Creiam, também, que cá está ao lado, mas pronto para todos os sacrifícios… um castrejo (Correio de Melgaço n.º 200, de 21/5/1916).»


     // (*) Rapaz de recados; ajudante.    

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