quarta-feira, 18 de novembro de 2015

DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MELGAÇO


Por Joaquim A. Rocha




Cartas de um castrejo

11.ª - «Senhor Redactor: as neves sucessivas, entremeadas por vezes de um sol abrasador, que nos desafiava à rajeira, as nossas idas e vindas à branda – ora sob uma temperatura tropical, ora sob um frio das estepes da Rússia, produziram um violento ataque de gripe, que nem nos deixou ir aí dia nove, nem mesmo nos permite, ainda, dar o passeio habitual, para colher informações. E como Deus não tira um bem que não dê outro, eis que uma carta do meu bom amigo Rodrigues, encarregado do Registo Civil nesta freguesia, carta repassada de sentimento e amargura, me dá azo a escrever a minha, entremeando-a de passagens interessantes que me descreve, deixando transparecer a maior indignação por inúmeros desmandos que por aqui se dão, e fazendo comparações dignas, a meu ver, de registo. Começando: «Esteve aqui no dia três de Abril do corrente o Senhor Vilarinho, inspector escolar, segundo informações fidedignas em sindicância ao professor desta freguesia, por este haver num ímpeto de dignidade e pundonor, tentar pôr um dique aos desmandos do célebre cabo Carvalho, comandante do posto de despacho e transgressor emérito das leis que o nosso respeitável regímen assinou e decretou.» Continua o amigo Rodrigues citando factos ilegais que mais ou menos já havemos noticiado e chega à conclusão de que, a caminhar isto assim «é melhor ser guarda-fiscal em Castro Laboreiro do que Presidente da República em Lisboa.» Ataca fortemente os descuidos lamentáveis da falta de instrução para o nosso povo, da carência de meios de comunicação, de aumento progressivo das contribuições – que só deveríamos pagar como tributo de guerra, abunda em considerações justas e em queixas razoáveis e de ponderar, terminando com este grito, que indubitavelmente lhe sai do fundo da alma: «Santo Deus! Que bárbaros que abandonam a lei do Eterno, pondo entraves a quem trabalha licitamente!» // [Estiveram] entre nós, nos primeiros dias da semana passada, os senhores inspector primário deste círculo escolar e o chefe da Guarda-Fiscal neste concelho, para averiguarem de factos respeitantes aos seus subordinados aqui (…). Pedimos licença para apontar a Suas Ex.ªs o caminho a seguir: Inspector, criação de escolas e melhoramentos radicais na existente; Chefe, instruções ríspidas aos seus guardas para que não exorbitem das suas funções, nem se arrede, um ápice, do cumprimento dos deveres inerentes ao seu cargo. // Um facto engraçado que nos chegou (…) ao conhecimento, é o da escolha como galegos de quatro touros, de seis de um rebanho, apreendidos nas Veigas (entre esta vila e o Vido). Parece uma mentira! Que caras as daqueles quatro “muchachos” para, os competentes, os tomarem como de nacionalidade espanhola? (…) // No lugar das Eiras (Pedroso) faleceu  Maria Ganhanas; era ainda relativamente nova, razão por que a sua morte foi muito sentida. Que esteja em Deus, para único lenitivo dos doridos a quem cumprimentamos e ao amigo Rodrigues, em espírito, enquanto esta gripe de má raça nos não deixa ir fazê-lo pessoalmente. Mande-nos, que o Redactor do Correio de Melgaço continuará a ser benevolente connosco, dando publicidade às nossas queixas, quando justas. // Castro Laboreiro, 13/4/1916.»    

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