sexta-feira, 28 de agosto de 2015

POEMAS DO VENTO 

Por Joaquim A. Rocha

desenho de Rui Nunes


PERCURSO

Nasci em Melgaço
concelho do Minho;
fonte do bagaço
e do verde vinho.

Nasci em Cevide,
de Cristóval lugar;
num berço de vide
aprendi a sonhar.

Dois rios à beira:
Trancoso e o Minho;
formavam fronteira
c’o país vizinho.

Nasci numa casa
com muros de pedra;
onde o sol abrasa
e o frio medra.

No telhado antigo
a chuva passava;
mas o astro amigo
depressa a secava.

Num grosseiro leito
dormíamos três;
e no parapeito
um gato maltês.

Sem chave, uma porta
de madeira-pinho;
já bichada e torta
como um velhinho.

Um porco na corte
grunhia com fome;
esperava a morte,
a faca de Cosme.

Pintos e galinha
viviam connosco;
corriam asinha
pelo monte tosco.

Um rafeiro cão
ladrava contente;
tinha um coração
igual ao da gente.

Seguiu a mamã
da vizinha aldeia;
chamavam-lhe Pã
por ter cara feia.

Estive seis anos
nesse “paraíso”;
com nossos hermanos
trocando sorrisos.

Depois fui prà Vila
 - civilização –
ser macho de lila
numa geração.

Lá fiz a primária,
e mais qualquer coisa;
a pele-alimária
deixei-a na loisa.

Aprendi ofício,
foi de sapateiro;
grande sacrifício,
preso o dia inteiro.

Inda me empreguei
no Grémio da terra;
onde só ganhei
uma chica perra!

Aos vinte pràs matas
da Guiné-Bissau;
ouvindo balatas
das armas do mau.

Voltei certa vez
da guerra do régulo;
soldado de Fez,
cansado e incrédulo.

Restei-me perdido
pela capital;
do mundo esquecido,
do bem e do mal.

À noite estudei,
qual manga d’alpaca;
pra vir a ser rei
de Goa ou Malaca.

Contínuo primeiro,
depois aspirante;
a lugar cimeiro
cheguei num instante.

Curso superior,
professor de línguas;
cheguei a doutor,
olvidei as mínguas.

Recordo Melgaço,
cheio de emoção;
é ele o regaço,
da minha ilusão.

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