domingo, 9 de agosto de 2015

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha


desenho de Luís Filipe G. P. Rodrigues (melgacense)


O PROBLEMA DA TERCEIRA IDADE


     A dimensão do problema da terceira idade é tão grande que os nossos sentidos, tão habituados a coisas mesquinhas, dele não se apercebem! E não só é grande, como também é complexo. Tanto, que se pusessem ao dispor de qualquer governo milhões não o resolveria, pelo menos a curto prazo! E as razões são óbvias, ou quase. As pessoas de idade não querem, por não estarem preparadas para isso, separar-se dos seus familiares. Os novos não desejam os seus velhos em casa. Dizem: «eles não se separavam de seus pais depois do casamento? Que condições tenho eu para os ter comigo?» Outros dizem: «São um perigo; não sabem lidar com o gás e qualquer dia dá-se um desastre lá em casa.» Enfim, os velhos existem, têm direito à existência e ao bem-estar. Trabalharam uma vida, contribuindo para o progresso que hoje se verifica, e que os novos desfrutam. Não podem ser escorraçados, marginalizados. Não o devem ser. Mas, pergunta-se: «e os novos? Terão de suportar em sua casa, exígua quase sempre, pessoas de idade (embora não sejam quaisquer pessoas, pois trata-se de seus avós ou seus pais), que terão de tratar, e delas ouvir, após um dia de trabalho extenuante, as mesmas lamúrias do dia anterior, as mesmas lembranças, as «histórias» mil vezes contadas?» A solução passa, quanto a mim, pelo equacionamento do problema. O que será melhor para a sociedade? Ter os seus idosos em lares ou em casa dos seus parentes? Os lares são passíveis de serem melhorados. Para isso é preciso que sejam profissionais competentes todos aqueles que neles trabalham; que tenham assistência médica; enfermagem permanente; etc. Os edifícios destinados a esse fim deverão possuir uma arquitetura adequada; jardins, piscina, salões de jogo (mesas de bilhar, damas, cartas, etc.), biblioteca, televisão, rádio, todos os confortos do nosso tempo, pois bem o mereceram. Adotando a segunda hipótese, isto é, ficando os idosos em casa dos seus familiares, isso só se tornaria possível se um dos membros do agregado ficasse também; ou em alternativa admitissem ao seu serviço uma empregada doméstica polivalente, com vocação para enfermeira. O que lhes ficaria muitíssimo dispendioso e em muitos casos correndo o risco de não conseguirem essa empregada. Quer dizer: o membro da família que ficasse em casa teria de cuidar do parente de idade avançada. Neste caso o Estado, como compensação, dar-lhe-ia um subsídio mensal, equivalente ao ordenado que vinha recebendo, sendo o mesmo atualizado anualmente, de acordo com a inflação. Em termos materiais esta segunda hipótese ficaria muito mais cara à sociedade e implicaria a frustração profissional de algumas pessoas jovens, as quais gastariam boa parte do seu tempo a cuidar de idosos, gente com outra mentalidade, outra maneira de encarar a vida, e, sobretudo, com interesses diversos dos seus. A amizade e o amor diluir-se-iam com o tempo e, na maior parte dos casos, o conflito surgiria quase naturalmente. Todos nós temos obrigação de nos debruçarmos sobre este melindroso assunto, pois ele é também nosso. Hoje somos novos, amanhã seremos velhos. Não nos devemos portanto alhear, sacudir a água do capote, dizendo que isso é um problema do Estado e que este o deverá resolver. O Estado é apenas uma super-estrutura e a sua grandiosidade ou pequenez dependerá sempre de quem a utiliza, de quem dela se serve. Não deveremos esperar grandes coisas de quem busca prestígio e, sobretudo, poder. Poder esse que exercerá com maior ou menor benevolência. Os dinheiros públicos, como toda a gente sabe, nem sempre são bem gastos; a corrupção atinge, muitas vezes, pessoas bem colocadas – o dinheiro atrai. O lar para idosos é, segundo a minha opinião, a solução quase ideal para a resolução deste humanitário problema. Espalhados por toda a parte, com espaço, higiene, bons profissionais a eles adstritos, o lar garantirá uma velhice descuidada e digna. Sem abdicar do estatuto de jovens, pensemos um pouco nessa terceira idade, que está ali, mesmo a dois passos de todos nós!
     Os lares que existem, quase todos na cidade, são muito maus – nalguns casos… péssimos! Muitos velhos das vilas e das aldeias portuguesas não têm, mesmo que o desejem, acesso a este tipo de instituição. Será que terão de ir para a cidade, após longos anos na terra que os viu nascer e crescer? Seria desumana essa atitude. Nas gerações anteriores apelava-se para a generosidade dos novos, para a sua piedade e espírito de sacrifício. Hoje, são sentimentos incompatíveis com o ritmo da vida e até com a dignidade humana. O idoso não tem que pedir nada. Deve é exigir que o tratem com respeito e carinho, pois ele, durante décadas, contribuiu com o seu esforço, com a sua inteligência, para a criação de riqueza: quer no campo material, quer no campo cultural. O que os jovens têm, bom ou mau, foi herdado. Jamais se deveriam esquecer disso. Melgaço pode orgulhar-se, no entanto, de possuir um Lar para Idosos que suscitará a inveja de muitos concelhos do país. Com capacidade para cerca de cinquenta internos, o Lar ainda poderá receber mais algumas pessoas que aí irão tomar as refeições e conviver durante o dia com outros indivíduos da sua geração. Estão de parabéns todas as pessoas que contribuíram para que esta obra se concretizasse. Pelo que tenho ouvido, os empregados têm sido exemplares. Ainda bem, pois o carinho alimenta tanto ou mais do que a própria comida. Assim, também os emigrantes melgacenses, quando aposentados, poderão regressar ao seu concelho, sem receio de viverem sozinhos os últimos anos da sua vida. Os seus filhos e netos, esses ficarão nos países de acolhimento, ou nascimento – não quererão, penso, mudar-se para uma terra que só conhecem por a terem visitado algumas vezes; a sua ligação a ela é ténue. Alguns deles, infelizmente, nem a língua portuguesa falam!
     Nas últimas férias, tendo como guia o senhor Paulino Calheiros, visitei o Lar e fiquei deveras sensibilizado: bons alojamentos, convívio simpático, higiene. Chamou-me a atenção o facto de já não ser somente o pobre a procurar o Lar: pessoas de posses e também de outros concelhos ali se encontram. Isso significa que este tipo de estabelecimento deixou de ser visto como uma Casa onde se vai morrer, passando a ser olhado como uma Casa para os últimos anos da vida: sem preocupações, em paz, em segurança, em amizade fraterna.


Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 965, de 15/6/1992.

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