sábado, 11 de julho de 2015

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO

Por Joaquim A. Rocha



MELGAÇO CULTURAL


     A festa da cultura vem sendo anualmente um acontecimento de relevo num meio pouco habituado a este género de coisas. A cultura na nossa terra estava intimamente ligada à atividade física: gincanas, corridas de bicicletas, corridas de sacos, subida a grandes troncos de árvores, previamente besuntados com sebo, futebol, de salão e de onze. Hoje, felizmente, as coisas já não são bem assim; para dar início à festa deste ano teve lugar, no Salão da Biblioteca Municipal, uma palestra cujos oradores são pessoas de grande cultura e prestígio. O senhor padre Aníbal Rodrigues apresentou aos assistentes um trabalho sobre as alminhas de Castro Laboreiro e mostrou diapositivos das mesmas; o senhor padre Júlio Hilarião Vaz, de forma simples e simultaneamente grandiosa, falou das comunidades melgacenses no Brasil, do seu apego às raízes, do seu sempre renovado dinamismo em prol da sua e nossa terra; o senhor cónego António Vaz, com oitenta anos de saber e humildade, disse que não queria partir sem ter o ensejo de ver para Melgaço o equivalente aos Portugaliae Monumenta Historica. Penso que não é uma utopia e que nós seremos capazes de levar por diante tal projeto – trata-se de uma recolha «exaustiva» de todos os documentos relacionados com o concelho de Melgaço, com a sua longa e interessantíssima história, e que ora andam dispersos. Os originais encontram-se na Torre do Tombo e na Biblioteca Nacional de Lisboa, assim como na Biblioteca Municipal de Braga e outras. O senhor Professor Dr. Armando Malheiro da Silva abordou o tema «Guilherme de Lira, uma personagem camiliana?» Intervenção com muito interesse, quer no seu aspeto didático, quer no seu aspeto lúdico, pois o humor esteve sempre presente, tendo assim tornado leve um assunto que geralmente é maçudo. Por último o Professor Doutor José Marques tratou o tema, bastante polémico, «os caminhos de Santiago». Ficámos a saber que não havia um mas vários que conduziam ao túmulo do apóstolo Iago, descoberto no ano de 813. O senhor Doutor José Marques tem o dom da palavra e o seu alforje cheio de conhecimentos. Aquela distinção subtil entre peregrino e romeiro (este último seria o que visitava em Roma os túmulos dos primeiros santos cristãos, e peregrino o que visitava os lugares santos da Palestina) só um sagaz linguista a conseguiria fazer, visto que atualmente os dois termos são sinónimos.
     Logo a seguir à intervenção daqueles senhores, o senhor presidente da Câmara Municipal procedeu à entrega dos prémios dos III Jogos Florais. É pena que a maioria dos premiados não estivesse na sala; embora sendo sexta-feira, por conseguinte dia de trabalho, deveriam – pelo menos os alunos das várias escolas que obtiveram prémios – comparecer. A sua ausência é lamentável, pois revela, manifesto desinteresse.
     Na noite de sexta atuou o conjunto «Banda de Cá»; julgo que o Largo Hermenegildo Solheiro não é o local mais indicado para manifestações deste tipo, embora eu reconheça que não há na Vila de Melgaço espaços amplos para esse efeito. O largo é fechado pelos pavilhões, o que agrava ainda mais a situação. Uma parte da Alameda Inês Negra poderia ajudar. Simplesmente está – há perto de trinta anos – a servir de oficina de reparação de automóveis! No sábado, dez de Agosto, houve provas desportivas e um desafio de futebol a que não assisti devido ao muito calor que se fez sentir. Às vinte e duas horas assistiu-se a um espetáculo de variedades cujos artistas, já cansados por outras atuações, não agradaram por aí além. Entre eles destacou-se, contudo, a pequena Lídia Marisa (confirmar o nome). É de facto uma grande vedeta de palco. Parabéns!
     No domingo não pude, em virtude de ter regressado a Lisboa, assistir ao desfile do cortejo etnográfico, ao festival folclórico, e ao desfile de modelos. A festa da cultura é um grande acontecimento e exige muito esforço e dinheiro. Por isso, pode-se, e deve-se, melhorá-la de ano para ano. Quanto a mim, os pavilhões deveriam ser mais espaçosos; deveria haver alguém do pelouro da cultura que servisse de guia aos visitantes; os pavilhões deveriam estar afastados do recinto do baile (talvez no Terreiro), com música suave, a condizer com uma atmosfera repousante, um ambiente calmo… A Câmara Municipal deveria encomendar brochuras dos trabalhos premiados nos jogos florais e distribuí-las, a fim de estimular novos participantes. Enfim, sugestões!
    Outro assunto: felizmente a água não faltou; é verdade que não é boa para beber – nenhuma água do rio o é – mas a sua companhia é sempre agradável. Água para beber existe (ótima) na fonte do Vido, perto do antigo asilo. A fonte da vila, de água tão fresca no verão, está irreconhecível! Como é possível destruir, sem a menor reação dos melgacenses, um local de tão largas tradições, um ponto de referência obrigatório para tantas gerações? Construir, sim, mas sem violentar a nossa história, a nossa memória coletiva. O velho e o novo são compatíveis. Assim não vale! Não posso deixar de expressar a minha discordância relativamente à construção que vai aparecendo junto à Alameda Inês Negra. Aquelas vistas maravilhosas, que dali se desfrutavam, cedem o seu lugar a paisagens incaraterísticas.


Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 948, de 1/10/1991.

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