quarta-feira, 22 de abril de 2020

MELGAÇO: PADRES, MONGES E FRADES. 


Por Joaquim A. Rocha


desenho de Luís Filipe Pinto Rodrigues


// continuação...

Justiniano Ribeiro, natural de Prado, no Notícias de Melgaço n.º 163, de 4/9/1932, comenta um artigo publicado no dito jornal por pessoa que não assinou. Diz-nos ele: «Em Prado de Melgaço fez-se festa a São Lourenço nos dias 9 e 10/8/1932, como se costumava fazer nos anos antecedentes. Não houve missa nem procissão, pois o pastor encarregado do culto – porque tem ordens do senhor arcebispo – não quis levar a efeito estes atos por haver arraial noturno na véspera. Em Monção fez-se a festa à Senhora das Dores: houve missa, procissão, acompanhada de padres, e também houve iluminação noturna na véspera. Aqui não se podia fazer nada disso, a não ser que se fechasse a igreja de noite; em Monção houve tudo, com a capela da Misericórdia aberta toda a noite. De quem é a culpa? Será do pároco? Será do arcebispo? É do arcipreste? O que é facto é que a igreja ficou interdita, as sagradas partículas foram consumidas dois dias antes da festa, parece que já a preparar o terreno para a desmoralização do povo de Prado: pacato, ordeiro e respeitador. A igreja continua só aberta para os fiéis adorarem a Deus e venerarem os santos, mas os fiéis limpos do coração, não hipócritas, e que não como aqueles que Cristo alcunhou de raça de víboraPrado, 1/9/1932. 

 

     O tal anónimo respondeu-lhe: «O Sr. Justiniano Ribeiro, de Prado, em artigo com este título, “Festividades e Arraiais”, elogia, em parte, o que um cronista anónimo, com o mesmo título, tem publicado, sobre dislates praticados por padres católicos acerca de festividades no nosso concelho. Ao Sr. J. Ribeiro não lhe agrada o protestantismo. Em política, religião e mulheres, o cronista não mantém controvérsia, pois a primeira depende de promessas, a segunda de crença ou fé, e a terceira do gosto, e este não se discute. Porém, como o Sr. J. Ribeiro merece ao cronista bastante consideração releve-o de uma pergunta que lhe faz. No globo há milhares de religiões. Remontando à Europa, que é o continente mais velho do globo, segundo uma estatística, a sua população é de 449 milhões, dividida pelas seguintes religiões: católicos, 194; evangelistas, 121; anglicanos, 28; luteranos (…), etc., 83; gregos ortodoxos, 6; os restantes dezassete estão divididos por judeus, maometanos, igreja tcheco eslovaca, e outras pequenas seitas. Portanto, Sr. J. Ribeiro, numa divisão destas qual é a verdadeira religião? Se seguirmos Renan, deve ser aquela em que se seguem os evangelhos de Jesus Cristo, notando que João Calvino e Martinho Lutero eram dois filósofos e cientistas religiosos. Portanto, não mantendo, como dissemos atrás, controvérsia em matéria religiosa, sempre diremos ao Sr. J. Ribeiro que o protestantismo não é um anátema. É a expressão da vida de Jesus Cristo e das suas doutrinas. Não tem a espetaculosidade do catolicismo, que por todos os lados apregoa milagres, exibindo figuras, melhor ou pior esculturadas, como sendo elas as milagreiras. E para maior verdade, o protestantismo segue a máxima de Cristo: - “crescei e multiplicai-vos” – podendo os seus pastores legar um nome honrado aos seus descendentes.» // Notícias de Melgaço n.º 165, de 18/9/1932.

 

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     «A PROPÓSITO – Transcrevemos do jornal O Século, de 28/9/1932, que nos deixa radiante, o seguinte: “Festas e Romarias” – Uma festa que se realizou civilmente por o povo não ter contribuído com quatrocentos escudos. VILA VELHA DE RÓDÃO, 25. – No lugar de Perdigão, deste concelho, realizou-se a festa anual a São João. Não foram celebradas solenidades religiosas pelo facto do povo não ter querido contribuir com 400$00 que o clero lhe exigia. Apesar da festa se efetuar civicamente, a capela, contra os preceitos eclesiásticos, esteve aberta à veneração dos fiéis durante o dia. O público folgou a valer, não dando pela falta das cerimónias religiosas. A atitude do clero foi comentada. // Lembra-nos que na festa de São Lourenço, em Prado, deste concelho de Melgaço, o pároco não consentia que se fizesse a festa com arraial, dando origem a que o povo se manifestasse contra o mesmo, não necessitando dos seus serviços. Porém, a festa fez-se com grande pompa e o povo, satisfeito, divertiu-se três noites em vez de uma! Isto vem a propósito de: enquanto o abade de Perdigão exigia 400$00 para fazer a festa, o da Vila de Melgaço, que também acumula a freguesia de Prado, não consentia que se fizesse o arraial, não se lembrando o primeiro que Cristo pregou de graça, e o segundo, que a igreja é do povo, e nela quem manda é o povo; e se o clero continuar na mesma, o povo o que quer é divertir-se e, a pouco, e pouco, vai odiando a religião eclesiástica dos padres.» // NM 167, de 2/10/1932.

           

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A HISTÓRIA REPETE-SE

 

     Nos gloriosos tempos de el-rei D. Manuel I a riqueza e as fortunas particulares regurgitavam em Portugal, porque os nossos navegadores descobriram novos horizontes, e esses horizontes inundavam de oiro a pobre e humilde terra portuguesa. // O português engrandeceu-se: um, em glória; outro em soberba; e um e outro em vícios. O português, morigerado pela Igreja, começou a levantar a cerviz, a sacudir o jugo da mesma Igreja, e a proclamar-se um português maior, um português pensante. A ambição da riqueza começou a dominá-lo e Portugal era pequeno para os portugueses. Esta ambição desmedida, junta aos sonhos dourados do valor do eu de cada um, veio a produzir um caos desordenado que, sensível e gradualmente, se foi sentindo na economia da sociedade portuguesa. // O português, depois de estancada a corrente do oiro que das descobertas vinha para Portugal, viu-se irremediavelmente perdido e aniquilado; porém, como a Igreja era ouvida, as doutrinas de Cristo ainda frutificavam, o português conformou-se com a vontade de Deus e encontrou a felicidade na sua terra e na sua família, constituindo-a moralmente, educando-a religiosamente, rasgando o seio da terra e procurando no seu seio os recursos necessários para a conservação da sua vida material como preparação para a vida eterna e espiritual. // Repete-se a história. Sim, repete-se a história portuguesa, porque há bem poucos anos o Brasil despejava ouro em Portugal. Não havia aldeia, por mais remota nas quebradas dos montes e nos mais profundos vales, onde o dinheiro do Brasil não quebrasse penedos e construísse prédios. // O português ensoberbeceu-se e quis proclamar-se independente de Deus e da sua Igreja. O “brasileiro” boçal julgou-se um super-homem, despregou a doutrina que em criança engoliu com o leite e viciou-se. Teve quem louvasse o seu procedimento e julgou-se invencível e dominador dos seus pobres e humildes conterrâneos. // Contudo, esta fonte, e com ela todas as outras, estancou, mas como os vícios continuam, e com eles a desmoralização e a destruição da sociedade, porque a palavra de Deus não é ouvida e a Igreja é desrespeitada, a terra não produz, porque é suficientemente (*) remexida e a fome e a miséria assolam a terra portuguesa. // Remédios: - haja mais amor ao torrão pátrio, mais amor ao trabalho, mais dedicação à instrução, e sobretudo à educação, mais respeito pelos direitos dos outros, mais consideração pelas autoridades, mais respeito pelas leis, e principalmente menos vícios, menos soberba, menos dedicação ao eu de cada um, e tudo se remediará num pequeno período de tempo. // Manolo. // Notícias de Melgaço n.º 174, de 27/11/1932. /// (*) Suponho que quis dizer exageradamente.



festa de São Bento - Fiães - século XX
      Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 468: – … 23/10/1939 – «No dia vinte do corrente, pelas seis horas da manhã, quando o pároco de Alvaredo se dirigia à sua igreja para proceder aos exercícios do Santo Rosário, já se encontrava junto à igreja e verificou que lhe era completamente impossível entrar dentro do templo, visto que naquele momento tinha sido reduzido a escombros. O tecto desabou na sua maior parte; as paredes ficaram muito danificadas, e bem assim alguns altares que também sofreram. A derrocada, na nossa opinião, poder-se-ia ter evitado se os paroquianos de Alvaredo se tivessem guiado pelos conselhos do seu pároco, que muitas vezes os aconselhou que era preciso tratar de evitar o desastre que agora se deu, mas não foi só o reverendo pároco que aconselhou os seus paroquianos a tratarem da reconstrução daquele templo sagrado, que estava já há muito a ameaçar ruínas, foi também o “Notícias de Melgaço” que ainda há pouco tempo pediu por caridade aos paroquianos que não deixassem ao abandono a casa de Deus, que fossem mais zelosos, que iniciassem as obras da igreja antes de principiar o Inverno e se assim não fizessem a derrocada era certa, como aconteceu. E graças a Deus, que foi muito misericordioso, porque se a derrocada se dá pouco depois os fiéis que estavam a assistir ao Santíssimo Rosário ficariam subterrados nos escombros, mas Deus não quis que houvesse a lamentar tão grande desastre. Agora, segundo nos informam, brevemente vão principiar as obras de reconstrução da casa de Deus
 

 




     Essas obras foram concluídas a 5/7/1942. A imagem da Senhora de Fátima foi oferecida por Virgínia Antunes Martins e entronizada a 13/10/1954.

 

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      Nota: lê-se no Notícias de Melgaço n.º 823, de 6/7/1947: «A falta de padres na estância do Peso obriga os hóspedes cumpridores dos deveres religiosos a irem à missa a Remoães. Era conveniente que os reverendos sacerdotes viessem sem demora fazer a sua cura, e mesmo porque há por aqui muita consciência que precisa de limpeza, mas de uma limpeza radical  

 

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     Lê-se no Notícias de Melgaço n.º 859, de 30/5/1948, página 2, escrito por A. Freixinho: «Os Beneditinos no Alto Minho. Vinte e um anos antes do concílio de Lugo, 569, havia nascido em Núrsia, ducado de Espoleto, Itália, um homem digno da gratidão dos séculos… homem que salvou os monumentos do génio e conservou perfeito o precioso clarão da ciência antiga. A Europa, já material, já intelectualmente falando, pode dizer-se filha dos beneditinos. A Inglaterra, a Frísia, e a própria Alemanha, devem a luz da sua fé à Ordem Beneditina. À Península Hispânica aportou uma caravana destes obreiros da vinha do Senhor, procurando o ermo solitário; e - depois de percorrerem várias terras pela Galiza -, chegaram a uma planície na encosta da serra de Pernidelo na antiga Melgaçus dos romanos. O próprio cronista da Ordem Beneditina não se atreve, apesar de todas as suas curiosas investigações, a dizer-nos o ano em que o monge beneditino sulcou a terra inculta da serra de Fiães pela primeira vez. // Estes anacoretas do deserto traziam como vestuário um hábito branco de lã com um escapulário preto. A sua mobília consistia, além do hábito, em um lenço, uma agulha, uma faca, e um ponteiro com uma tábua para escrever. A sua cama constava de um enxergão com um lençol de lã, uma manta, e uma travesseira, onde dormiam vestidos para estarem mais lestos para o ofício. Levantavam-se às duas horas da manhã para o ofício, empregando o tempo de matinas e meditação, para trabalharem seguidamente das seis até às dez horas do dia. Enquanto trabalhavam, vestiam o escapulário por cima da túnica; acabado o trabalho, despiam o escapulário e vestiam o cucolo, ou capuz, com que cobriam a cabeça. // Estes agricultores, uma vez chegados ao deserto de Fiães, coberto de espesso mato, e arvoredo silvestre, qual outro Monte Cassino, tomaram, juntamente com a prece e a cruz, o machado, a picareta, a pá e o camartelo; arroteando a terra virgem, onde edificavam a sua primeira capela, da invocação de São Cristóvão, conseguindo adorar pela primeira vez a Jesus-Hóstia no centro daquela selva, onde outrora os povos pré-históricos haviam sacrificado as suas vítimas a Endovélico, sua divindade predileta. O beneditino, agricultor e colonizador, transformou esta vasta selva em um verdadeiro Monte Cassino, onde o aroma fétido da giesta foi substituído pelo perfume do incenso, e aos pios sinistros das aves agoureiras, sucederam o som plangente do órgão e o canto melodioso do ofício de matinas, tornando este recanto solitário em refúgio predileto daqueles que no mundo sofriam atribulações. Ali iam (atraídos pela fama das virtudes destes seres que aspiravam à perfeição; se a tradição nos não engana os primeiros cristãos destas terras com muitas léguas de distância) assistir aos atos de culto católico, exercícios de piedade e instrução religiosa. É a eles que se deve a colonização de algumas freguesias que compunham o antigo concelho de Melgaço. Pode dizer-se que é ao monge beneditino que o nosso Alto Minho deve a luz da sua fé. // O mar da vida nem sempre foi bonançoso e sorridente para este mosteiro. Sofreu as invasões dos povos bárbaros vindos lá do centro da Europa, da Escandinávia e da Germânia; sofreu as invasões dos sectários do Alcorão, comandados pelo califa de Córdova, que no ano 815 o arrasaram completamente; sofreu ainda a devastação de incêndio, onde os arquivos e documentos de tantos séculos se extinguiram na ação devastadora das cinzas. E, por último, veio o século XIX com as suas luzes de petróleo descarregar o último golpe sobre o vetusto mosteiro, levado a efeito pelos enciclopedistas liberais, que o puseram em hasta pública. Foi então que o mosteiro de Fiães, depois de ter resistido à ação corrosiva do tempo, ao inimigo estrangeiro sanguinário e implacável, sucumbiu placidamente aos golpes do indiferentismo e da descrença liberal, que o reduziram a uma simples matriz de freguesia, terminando assim este farol de luz, que durante tantos séculos havia iluminado os povos destas terras e saciado a fome a tantos famintos que de todas as partes afluíam a este mosteiro                
Fonte do Jordão - Vila de Melgaço

 

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