domingo, 23 de fevereiro de 2020

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha





UMA FOTOGRAFIA

 

 

     O meu caro amigo Manuel Igrejas passou-me uma boa rasteira: desafiou-me a deslindar o mistério da foto inserida em A Voz de Melgaço n.º 1075, página oitava. Não desejo de modo algum fugir ao repto mas, pedindo desculpa aos leitores, vou-me servir de investigação alheia. Assim: «Pero de Castro, alcaide-mor de Melgaço (…) aí pelo ano de 1570 abriu os alicerces e principiou a levantar as paredes de uma ermida em honra de Santo António…» (Augusto César Esteves, in Melgaço e as Invasões Francesas). // «O licenciado Gil Gonçalves Leitão (…) como provedor da Misericórdia chamou a si em 1590 o encargo de acabar a capelinha e a acabou de paredes.» (ACE, obra citada). // «Foi outro juíz de fora, António de Távora, quem lhe deu a última demão – por volta de 1600.» (ACE, obra citada). // «Aos vinte e sete dias do mês de Março do ano de 1600, nesta Casa da Santa Misericórdia (…), onde estava o provedor e irmãos em cabido (…) se levou (…) o bem-aventurado Santo António com procissão à sua Casa que para ele estava fabricada no Campo da Feira (…) no qual dia acima se disse a primeira missa cantada com licença do vigário-geral desta comarca, como dela e dos papéis consta, que estão no cartório desta Casa de que mandou fazer este assento para todo o sempre constar desta verdade e assinaram estando presente o senhor abade Francisco Soares...» (ACE, in Santa Casa da Misericórdia, páginas 32 e 33). // «… ergueram depois de 1758 uma capelinha a Nossa Senhora da Lapa…» (ACE, in Melgaço e as Invasões Francesas). // «Vinte ou trinta passos andados, muito arruinada já, decaída completamente da antiga grandeza, com grandes alpendres a norte e a poente, mesmo junto das trincheiras do Campo, do lado da estrada, estava a capela do taumaturgo Santo António» (obra citada). // «Entrava-se no desaparecido Largo do Chafariz, então separado da Praça da República pela capela de Santo António e pelo prédio em cujos baixos estava instalado o antigo Café Melgacense…» (Padre Júlio Vaz apresenta Mário, página 25). // «Em 12/10/1910, em sessão da Câmara, foi aprovada por unanimidade uma proposta do presidente da dita Comissão Municipal Republicana para que a Praça do Comércio fosse crismada em Praça da República…» (obra citada, página 171). «Em 27/3/1600 o reverendo abade da vila, Francisco Soares (…) benzeu e cantou missa na capela de Santo António, pela Misericórdia edificada no antigo Campo da Feira, no sítio onde ora assenta o “Correio Velho” (…). Tinha um alpendre que, como uma enorme pala, se estendia até cerca da casa de Pé-de-Pote, casa que hoje pertence ao senhor Ezequiel Augusto do Vale (…). Era à volta desta capela que as feiras se realizavam; (…) Aí por meados do século passado (século XIX), quando se urbanizou aquele local, foi mudada para o fundo da Praça, onde se manteve até 1/11/1926, data em que o temporal a desabou.» (obra citada, páginas 188 e 189). // «Em 7/8/1915, em sessão da Câmara Municipal, foi deliberado expropriar a capela de Nossa Senhora da Lapa, vulgo de Santo António (?), que existiu ao fundo da Praça da República, e os três prédios contíguos; o primeiro com frente para a referida Praça, onde estava o Café Melgacense, e os dois últimos no antigo Largo do Chafariz, pertencentes, respetivamente, aos herdeiros de António Joaquim Baião, Manuel José da Costa Velho e João Fernandes Baixinho, este de Monção e aqueles desta Vila. O camartelo, porém, levou seu tempo a entrar em função. Uma meia dúzia de anos…» (obra citada, página 192). «Em 1/11/1926, de noite, violento temporal fez ruir o telhado da capela de Santo António do Campo da Feira, primitivamente edificada, mais ou menos, no sítio onde agora está o Correio Velho e depois reconstruída no mesmo local onde outrora existiu uma capelinha da invocação de Nossa Senhora da Lapa, ali ao fundo da atual Praça da República, antiga do Comércio, entre o prédio chamado do Antoninho Barros (…) e outro de fábrica mais modesta, que pertenceu aos herdeiros do escrivão-notário António Joaquim Baião, e no qual esteve instalado o antigo Café Melgacense.» (obra citada, páginas 192 e 193). // «Em 27/12/1926 deu-se início à demolição da capela de Santo António (…), cujo telhado havia desabado, por efeito do temporal, na noite de 1 de Novembro do referido ano.» (obra citada, página 193). «Em 5/7/1903 Joaquim D’Egas Afonso, Patarrica, arrematou por 708$788 réis a empreitada da mudança da Fonte do Jordão ao senhor João da Assadura, para a Praça do Comércio, bem como a construção do tanque-lavadouro contíguo à mesma…» (obra citada, página 215). // «Em 16/3/1913 realizou-se na escola Conde de Ferreira (…) a chamada festa da árvore.» (obra citada, página 222). «Em 22/8/1915 (…) na Praça da República se procedeu ao leilão do prédio onde se achava instalado o Café Melgacense…» (obra citada, página 224). // «Em 13/4/1940, perante as autoridades militares e civis do nosso meio, dos senhores Mário e Leopoldino Monteiro (…) foram inauguradas as novas instalações dos CTT desta vila, as quais, como é sabido, funcionaram durante mais de cinquenta anos no primeiro andar do prédio do senhor Dr. Pedro Augusto dos Santos Gomes.» (obra citada, página 226). // «O correio em Melgaço, em 1890, estava já instalado na Praça do Comércio, no prédio hoje pertencente ao Dr. Pedro dos Santos, de onde, em 13/4/1940, passou para a casa armoriada da mesma Praça, onde se conservou até 4/5/1955, data em que mudou para o novo edifício, na Rua do Rio do Porto», ou Rua Dr. Afonso Costa (“Mário de Prado”).
    

     Depois de todo este caudal de informações, a que conclusão se chega?

 

Primeiro: a fotografia foi tirada antes de 12/10/1910, pois a partir dessa altura a Praça do Comércio passou a designar-se Praça da República, mas talvez depois de 1900, pois penso que mais cedo não havia fotógrafos em Melgaço.

 

Segundo: o edifício que Manuel Igrejas julga ser outra capela, e que se encontra no local da agência da Caixa Geral de Depósitos, não será a própria escola Conde de Ferreira? O pequeno sino serviria para chamar os alunos para as aulas.                                 

 

Terceiro: quanto à capela (ou capelas – Santo António e Lapa) impera uma certa confusão mas, segundo o que se acabou de ler, no Terreiro existiram duas e não apenas uma! Quanto à demolição da de Santo António, não há dúvidas de que se verificou em 1926. Na já referida obra, com textos de Aldomar Rodrigues Soares, página 23, vê-se uma fotografia, datada de 16/9/1922, na qual se destaca mesmo ao fundo da Praça a tal capela. A outra, a da Senhora da Lapa, possivelmente desapareceu quando no mesmo local se reergueu a do taumaturgo de Lisboa. Nesse local da capela e das casas demolidas há agora uma esplanada.

 

     Não sei se consegui satisfazer a curiosidade do senhor Manuel Igrejas e eventualmente de outros leitores. Espero um dia ter em minhas mãos os documentos que comprovem estas asserções, os quais se devem encontrar (caso não tenham sido destruídos, nos arquivos da Câmara Municipal de Melgaço e da Conservatória do Registo Predial; até lá contentemo-nos com este primeiro passo, este gatinhar pela história do nosso lindo concelho).   

 

Nota: «Joaquim Ferreira dos Santos, conde de Ferreira, emigrante, capitalista e filantropo, nasceu em Vila Meã em 1782 e faleceu em 1866. No seu testamento legou fartas quantias para 120 escolas do ensino primário e correspondente mobiliário, entre as quais a da vila de Melgaço, abandonada pela incúria dos homens em 1959.» // No espaço da antiga escola existe agora uma agência da Caixa Geral de Depósitos.
 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1086, de 1 e 15/1/1998.





 
 

















 














 

 

 

 




















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