quinta-feira, 5 de outubro de 2017

ESCRITOS SOBRE MELGAÇO
 
Por Joaquim A. Rocha





VIVA A REPÚBLICA

 

 

     No dia 1/2/1908 teve lugar no Terreiro do Paço, Lisboa, o regicídio, que vitimou o rei Carlos I e o príncipe herdeiro Luís Filipe. A monarquia agonizava. Manuel II, apenas com 19 anos de idade, e sem qualquer experiência política, nada podia fazer: a monarquia, dois anos depois, era já um cadáver! Na manhã de 4/10/1910 os navios de guerra Adamastor e São Rafael iniciavam o bombardeamento do Palácio das Necessidades, onde se encontrava o jovem rei. Paiva Couceiro pelo regime monárquico e Machado dos Santos, comandando os revolucionários na Rotunda, foram os heróis. No dia 5 de Outubro, e já com a família real a caminho do exílio, os republicanos formam um governo provisório, presidido pelo Dr. Teófilo Braga, com atribuições de Chefe de Estado. Contra ventos e marés, e pelo meio a grande guerra de 1914-1918, a 1.ª República lá se foi aguentando até 28/5/1926.

     Melgaço, tão longe das cidades, concelho rural, não possuía grandes tradições de lutas pela mudança de regime: república ou monarquia tanto se lhe dava. A confirmar isso mesmo está o fraco resultado das eleições de 1891: o partido republicano teve somente 94 votos! O ultimato inglês não chegara aqui! Mas também, ao fim-e-ao-cabo, quem mandava nesta terra era a fidalguia, os proprietários ricos, os «dons», sempre os mesmos! O pobre cavador, os artesãos, os mal remunerados funcionários públicos, os pastores das montanhas, limitavam-se a dobrar a cerviz ao senhor, ao amo todo-poderoso. E tão flagrante e evidente isto era que apenas no dia 8 de outubro o senhor Francisco, vice-presidente da Câmara Municipal, pequeno comerciante, ao passar por um grupo de jovens folgazões, apanha com a pergunta:

- «Senhor Francisco: para onde vai fugido?! Para as Carvalhiças      

- «Para a Câmara vou, rapazes, proclamar a República. Não quereis vir

     Como se nota, não existe nenhuma emoção, nenhuma alegria; antes pelo contrário, é a indiferença e a ironia que sobressaem deste pequeno diálogo. A ata elaborada após a sessão desse dia é de uma enorme hipocrisia. Nela se regista: «Pelo meretíssimo presidente foi dito que o fim desta sessão já de todos é conhecido – a proclamação da República Portuguesa…» E mais adiante: «Unanimamente foi dado um voto de louvor ao governo provisório e aos promotores da implantação da Liberdade!» Assinam: Francisco Pires, António Carlos Esteves, Francisco Caetano de Sousa, José Augusto Pires, António Xavier Ribeiro de Figueiredo e Castro. Todos, ou quase todos, monárquicos! Vira-casacas? Camaleões? Nem por isso, pois eles não precisavam de camuflagens, de mudar de ideias políticas, para estarem ao leme da governação concelhia. Só dois dias mais tarde, portanto em 10 de Outubro «… uma comissão improvisada de republicanos subiu as escadas dos mesmos paços do concelho…», ou seja: os “republicanos convictos” aguardaram uma porção de dias para se deslocarem à sede do município a fim de tomarem posse daquilo que legalmente lhes pertencia – o poder político! A ata saída dessa sessão extraordinária é por demais elucidativa: «… aberta a sessão pelo cidadão presidente foi dito que propunha se telegrafasse ao Governo Provisório da República e ao Governo do Distrito, dando-lhes conhecimento que a comissão republicana assumiu desde hoje a gerência dos negócios municipais deste concelho, manifestando o regozijo que o povo republicano do concelho manifestou, assistindo com grande entusiasmo ao acto da posse…» Assinam: João Pires Teixeira, João Eugénio da Costa Lucena, Justiniano António Esteves, Manuel José Domingues, António Xavier Ribeiro de Figueiredo e Castro!

     «Regozijo», «povo republicano», «grande entusiamo»… Tanas e badanas! Verdade, verdade, é que a mudança de regime não melhorou substancialmente a vida dos melgacenses pobres: continuaram a servir os mesmíssimos senhores, a emigrar como antes o faziam, a trabalhar de sol a sol por uma mancheia de nada. Em 1911, e com o objetivo de mostrar que afinal de contas existiam alguns bons republicanos, organizou-se uma «… luzidia marche aux flambeaux», presidida pelo Dr. José Joaquim de Abreu, integrada nos «… festejos da comemoração – cortejo entusiástico que, entre vivas e cânticos, percorreu as ruas da vila e vitoriou, aclamou e consagrou os heróis da revolução.» Levaram tempo a compreender que a monarquia tinha perecido; levaram ainda mais tempo a entender que as revoluções ganham-se ou perdem-se em momentos, tendo em conta, contudo, que elas vêm sendo preparadas com anos de antecedência. Os republicanos melgacenses portaram-se como São Tomé: «ver para crer

     Melgaço estava verde, muito verde, para o republicanismo em 1910. Não obstante esta conclusão, espíritos novos surgiram, cheios de fé num mundo diferente, desejosos de construírem a utopia, ou seja, o mundo ideal, mundo onde todos caibam! Não fora a guerra de 1914-1918, e as lutas partidárias fratricidas, e ter-se-ia sem dúvida alguma realizado o sonho dos primeiros republicanos: no campo da saúde, da educação, da habitação, dos transportes, da industrialização do país, etc. De qualquer modo, devemos prestar-lhes homenagem porque o sonho é como a semente: germina quando as condições lhe são favoráveis. Tal como aqueles estudantes de Direito (mais tarde os famosos juristas doutores António Durães e Augusto César Esteves) gritemos bem alto: glória a Melgaço! E viva a República!         

 

Artigo publicado em A Voz de Melgaço n.º 1026, de 1/4/1995.

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