terça-feira, 12 de setembro de 2017

OS NOVOS LUSÍADAS
(tentativa de continuação de «Os Lusíadas» de Camões)
 
Por Joaquim A. Rocha 
 
 

 
Introdução

 
      Certo dia, como se fora um qualquer lunático, passou-me pela cabeça continuar «Os Lusíadas», obra escrita por Luís Vaz de Camões no século XVI. Se ele, em circunstâncias assaz difíceis, sem a preciosa ajuda dos computadores e seus programas, sem livros de história ali à mão, sem dicionários, sem enciclopédias, sem nenhuma biblioteca de apoio, conseguiu levar a cabo aquela imensa epopeia, aquele monumento literário, aquele alforge de saber e imaginação, também eu, ser humano como ele, poderia construir algo parecido. Acontece que génios como Camões só surgem no planeta de cem em cem mil anos; logo, teremos muito que esperar. Os seus vastos conhecimentos, a sua capacidade de apreender tudo aquilo que o rodeava, as suas leituras da juventude, a sua vivência, a sua escrita empolgante, são irrepetíveis. Apesar de saber tudo isso, vou dar início a este louco empreendimento, sabendo de antemão que vai ser obra pequena, defeituosa, inacabada. A vida é assim, não se pode parar. Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco na prosa, Amália Rodrigues no fado, Travassos e Eusébio no futebol, Livramento nos patins, Joaquim Agostinho no ciclismo, Carlos Lopes e Rosa Mota no atletismo, etc., foram figuras cimeiras na sua arte, na sua profissão. No entanto, outros artistas foram bons, ou aceitáveis, sem contudo atingir a perfeição dessas estrelas. «Parar é morrer», já diziam os nossos antepassados. Por isso, mãos à obra. A história de Portugal é riquíssima, há muita matéria-prima a explorar. Quem sabe se esta ousada iniciativa não irá estimular alguém com mais talento e saberes do que eu. Aguardemos.     
 
     Este ciclópico trabalho tem como balizas a chegada a Portugal de Vasco da Gama, finais do século XV, mais concretamente em 1499, e o 25 de Abril de 1974. Camões serviu-se das crónicas, de relatos de alguns marinheiros experimentados, da riquíssima mitologia, dos deuses e deusas, retirados dos panteões grego e romano sobretudo, para compor os seus versos; eu também recorrerei à mitologia, mas em pequena escala, em pequenas doses, pois os tempos são outros, as mentalidades mudaram, ninguém pode parar a história, as divindades dormem agora sossegadas nos seus leitos celestiais. O que ontem foi sério e agradável, tornar-se-ia ridículo em nossos dias. Já quase ninguém acredita em seres imateriais, pairando sobre as nuvens, cavalgando estrelas imaginárias. O materialismo, a ciência, apoderou-se das nossas mentes, mudou os nossos hábitos, fez-nos ver as coisas por outro prisma. O regime capitalista domina o planeta já há alguns séculos, o consumo é o objetivo principal da humanidade. Todos desejam ardentemente ter carro, casa na cidade e na praia, gozar férias no estrangeiro, todos os bens e vícios possíveis e imaginários, quantos deles inúteis e até perniciosos.

    Estes “Novos Lusíadas” do século XXI serão marcados pelo confronto entre as histórias oficiais. Tudo aquilo que alguns historiadores nos impingiram será posto em causa. A história não é, nunca será, uma crença, mas sim uma objetividade. Os factos aconteceram, ninguém o pode desmentir, mas a maneira de os narrar é muitas vezes diferente de historiador para historiador. A história é desde há séculos uma ciência, rege-se por padrões diferentes da poesia, pura arte, mas nem a ciência nem a arte podem inventar a verdade, esta surge por si mesma, apesar de mascarada, ou dormindo no enigmático limbo. De qualquer modo, os Lusíadas, quer os de Camões ou os meus, jamais serão história, mas a descrição de um tempo, de uma época, vivida, ou ensaiada, pelos naturais de um país chamado Portugal. É certo que nem todos os portugueses foram heróis, cientistas, ou “santos”; a maior parte deles foram sobretudo mártires de regimes ditatoriais, da fome, doenças e vários infortúnios. Nunca foi fácil ao povo singrar, quer na monarquia (absolutista ou liberal), quer na primeira república, muito menos na ditadura militar ou no regime corporativista de Salazar e Caetano, ou seja, no auto designado Estado Novo. O povo inculto, trabalhador, quase escravo, sobreviveu ao longo dos séculos quase nos limites. Foram recrutados para os chamados descobrimentos, para as diversas guerras, quer em África, quer em vários países desta velha Europa, para os trabalhos duros e mal remunerados do campo, da fábrica, das obras públicas e privadas, mas nunca para se sentar na mesa dos poderosos. Alguns, poucos, foram trepando, à custa de muito engenho e arte, tornando-se, quase todos (?), autênticos carrascos, vingando-se desse modo dos tempos de pura miséria.     

     A guerra colonial foi terrível para o nosso país; treze anos de lutas intensas, várias mortes e milhares de feridos, doenças do foro psiquiátrico, eis o balanço desses malditos, tenebrosos treze anos. Salazar e Caetano, sobretudo o primeiro, poderia ter evitado o conflito; mas não quis. Não sei se mal aconselhado, ou agindo subjetivamente, provocou, com o seu acto irrefletido, no país, uma onda gigantesca de terror e medo, obrigando imensos jovens a fugir para o estrangeiro, deixando muitos concelhos quase só com idosos. Quanto a mim, na História de Portugal deve figurar como um criminoso, da mesma estirpe de Franco, Mussolini e Hitler, entre outros terríficos ditadores. Nunca lhe teria passado pela cabeça que mais cedo ou mais tarde as colónias portuguesas obteriam a independência, tal como as colónias de outros países? Mumificou, o homem! Ou pensava que os negros, por terem essa cor, eram parvos e inócuos? O 25 de Abril de 1974, o derrube do regime do Estado Novo, a independência das colónias, veio arrumar a Casa Portuguesa. Portugal Continental, as Ilhas dos Açores e da Madeira, são o nosso verdadeiro país. Falta-nos, é certo, Olivença, desde 1801 em poder da Espanha, mas se calhar agora já é tarde para a recuperarmos ou mesmo para a reivindicarmos.

     Uma das coisas que quero chamar a atenção do leitor é para o facto deste poema ter apenas cerca de metade das estrofes de «Os Lusíadas». A epopeia de Camões contém mil cento e duas estâncias  (oito mil oitocentos e dezasseis versos), metade delas relacionadas com a mitologia grega e romana. Eu adoro mitologia, mas penso que no século XXI não faz muito sentido utilizá-la com a mesma pujança com que Luís Vaz a usou.              
 


Prólogo

 
 1

 
Cantarei de novo os portugueses,

Ilustrarei seus actos grandiosos,

Sem os defeitos que quantas vezes

Surgem aos olhos de outrem odiosos;

Não tomarei como exemplo ingleses,

Nem tão pouco outra raça d’orgulhosos.

Exaltarei o brio da nossa gente,

Seja forte, alegre ou dolente.

2
 
Cantarei escritores, cientistas,

Médicos, enfermeiros, enfermeiras,

Os camponeses, os retratistas,

Os operários e lavradeiras…

Não cantarei os malvados farsistas,

Nem as odiosas alcoviteiras.

Cantarei o povo são, verdadeiro,

Excluindo o mau, o desordeiro.

3

Os empregados de mesa, bancários,

Todos que trabalham honestamente;

Cozinheiros, os bons funcionários,

Povos das ilhas e do continente…

Não cantarei os reles mercenários,

Os parasitas sem alma nem mente.

Cantarei os músicos, os pintores,

Artistas de cinema, varredores.
 
// continua...

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